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Revista Valor Especial

Startups aceleram dinâmica criativa

Publicado em 21 novembro 2017

Por Ediane Tiago

“Não dá para ficar parado. A crise está aí, a solução é inventa r algo para dar continuidade aos projetos de inovação", avisa Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) -instituição que toca os principais programas paulistas de incentivo à pesquisa científica. Brito Cruz recebeu a reportagem do Valor na manhã que antecedeu mais uma de suas viagens para buscar apoio no exterior. Desta vez, seguia para os Estados Unidos com o objetivo de alinhavar novos acordos de cooperação. "As atividades de pesquisa e desenvolvimento (PD) são anticíclicas. Temos de correr para que as empresas sejam capazes de se destacar na recuperação."

Engenheiro eletrônico e físico, Brito Cruz acompanha, com atenção, a evolução da ciência no Brasil. "Os últimos 50 anos foram decisivos para criar um sistema de inovação", afirma. Ele admite que há muito a fazer no fortalecimento desse sistema, mas destaca o potencial do país, atestado por avanços em segmentos como o aeronáutico, o agronegócio e a exploração mineral.

"Investir em PD renova o tecido industrial, pro movendo a diversificação da indústria com negócios de base tecnológica", defende. Com base nas teorias do economista austríaco Joseph Schumpeter, Brito Cruz explica a relação entre ciência e economia. "Empresas inovadoras fazem com que as companhias tradicionais também se apliquem na pesquisa", comenta. Essa dinâmica criativa gera desenvolvimento econômico, marcado pelo aumento da produtividade.

A figura do "empreendedor" é fundamental e inspira, em todo o mundo, o fomento à inovação nos pequenos negócios. Há 20 anos - muito antes do termo startup se espalhar como sinônimo das iniciantes de base tecnológica-, um grupo de pesquisadores brasileiros debruçou-se sobre um programa recém-implementado pela Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos (NSF, na sigla em inglês). Na época, Brito Cruz presidia a Fapesp e tinha como demanda financiar atividades de PD em empresas de pequeno porte.

Inspirada pela iniciativa da agência americana, a instituição paulista lançou, em 1997, o Programa Fapesp de Pesquisa lnovativa em Pequenas Empresas, o Pipe. "A partir de um instrumento moderno, criamos uma base capaz de fomentar o surgimento de startups com atuação em temas avançados como controle biológico, materiais e genética", destaca Brito Cruz. Ao longo de 20 anos, a economia paulista se beneficiou do empreendedorismo inovador e, entre os resultados, reforçou seus polos de tecnologia. "Dá para medir os efeitos porque é uma iniciativa de longo prazo. É preciso entender que inovação requer tempo", comenta o cientista.

Ao todo, 1.169 empresas foram fundadas a partir de iniciativas financiadas pelo programa. Elas nasceram dentro das universidades ou no raio de influência delas, pavimentando o caminho para transferir o conhecimento gerado na academia ao mercado.

"Em São Paulo, há pouco conflito na relação entre cientistas e empresas", destaca. Entre os motivos, está a capacidade de formar e reter pesquisadores. "Nas empresas paulistas trabalham 27 mil pesquisadores, nas instituições de ensino são 73 mil." '

Em 2010, a Fapesp realizou um estudo sobre o desempenho financeiro do Pipe. Descobriu que, para cada real aportado pela fundação, as empresas mobilizam outros 11 reais -em recursos próprios e outras fontes de financiamento público e privado. "É uma ótima relação sobre o capital investido", afirma Brito Cruz.

O Pipe recebe propostas de todo o Estado de São Paulo. Está dividido em três fases de financiamento. Na primeira, as empresas recebem recursos para demonstrar a viabilidade do projeto. Se aprovada, a pesquisa recebe até R$ 200 mil e deve ser concluída em nove meses. Provando a viabilidade, é possível inscrever o projeto na fase 2, cujo foco está no desenvolvimento da inovação ou do processo inovador. Ao final, espera-se um piloto. Neste caso, o desembolso da fundação chega até R$1 milhão, com prazo de 24 meses. As duas primeiras fases contam com verbas exclusivas da Fapesp, e o dinheiro aplicado é não reembolsável.

Na terceira fase, destinada ao desenvolvimento comercial da inovação, a Fapesp não atua como agente financeiro. "Pela lei, não podemos financiar esta parte, que vai além da pesquisa", lembra Brito Cruz. A fundação utiliza sua boa relação com outras agências de fomento -como a Finep e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ( BNDES)- para indicar as empresas bem-sucedidas na fase 2 para receber recursos de linhas de subvenção econômica ou financiamento federal. "Estimulamos ainda que estas empresas busquem investidores privados."

No total- somando verbas da Fapesp e recursos de terceiros aplicados na fase 3 -,o Pipe já movimentou mais de R$ 400 milhões ao longo de sua história. Até setembro deste ano, 1.894 projetos receberam recursos do Pipe. O programa, lembra Brito Cruz, cria condições para os cientistas brasileiros, com perfil empreendedor, atuarem na aplicação de suas pesquisas no mercado.

A internacionalização dos negócios também é uma meta elo programa. "Buscamos inovações ele alcance global para promover a inserção elos produtos brasileiros no exterior", comenta o diretor. Segundo ele, por ser uma economia fechada, o Brasil limita estratégias internacionais nas empresas. "É mais cômodo pensar em produtos e serviços para atender o mercado interno, que é grande. Mas esse olhar afeta a capacidade ele inovação", explica.

Na área ele PD são comuns a cooperação e o intercâmbio internacional ele conhecimento. Seria, na opinião dele, um desperdício limitar os negócios ele base tecnológica ao mercado interno. Ele cita o caso ela ClT, empresa especializada no desenvolvimento ele sistemas, criada, em 1995, por três jovens estudantes ele engenharia ela computação ela Universidade Estadual ele Campinas (Unicamp ). "Hoje, a empresa gera emprego em 80 países", diz.

Com o uso ele recursos elo Pipe, a Omnisys recebeu verba para desenvolver um sistema ele radares aplicado ao controle ele tráfego aéreo civil e militar. Em 2011, a empresa foi adquirida pela Thales e se transformou no braço inclustrial elo grupo francês no Brasil. "Entre as conquistas, está a manutenção elo centro ele PD na região elo ABC paulista", diz Brito Cruz.

Outro destaque é a Bug, ele controle biológico, que figura entre as empresas mais inovadoras elo mundo, segundo lista elo Fórum Econômico Mundial (2014). Sediada em Piracicaba, a Bug tem crescido 30% ao ano, mesmo nesta época ele vacas magras.

Já na área ele biologia celular, Brito Cruz menciona a lnprenha Biotecnologia, clejaboticabal, que descobriu uma molécula capaz ele aumentar a taxa ele prenhez e diminuir a perda embrionária no início ela gestação ele bovinos. O produto foi testado e patenteado no Brasil, na União Europeia e em outros oito países.

Realista, Brito Cruz lembra que o Pipe e outros programas ele estímulo tocados pela Fapesp só dão resulta elo porque têm planejamento financeiro ele longo prazo. O orçamento anual ela fundação, que corresponde a 1% do total da receita tributária do Estado de São Paulo, está garantido pela Constituição estadual. Outro diferencial é a gestão: a Fapesp tem, por lei, autonomia para decidir a aplicação dos recursos. "Com a queda da arrecadação, por conta da crise, coube a nós definir as adequações nos planos ele investimento", diz.

Além de mantido, o Pipe recebeu reforço durante os piores anos da crise (2015 e 2016). No ano passado, a iniciativa bateu recordes em número de projetos apoiados (228) e de valor desembolsado (R$ 55,5 milhões). Para encorpar o Pipe, a Fapesp ampliou o número de editais. "Decidimos proteger o programa porque entendemos que estas empresas vão crescer, gerar faturamento, pagar impostos, reabastecer o sistema de inovação e auxiliar na formação de uma nova base econômica", afirma.

O polo de tecnologia de Campinas é um exemplo do dinamismo econômico da inovação. Unicamp registra um número de 454 startups em seus campi. Esse grupo gera 22 mil postos de trabalho e fatura, por ano, R$ 3 bilhões, números que superam a quantidade ele empregados e o orçamento da universidade.

Para a professora Geciane Porto, coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Inovação, Gestão Tecnológica e Competitividade da Universidade ele São Paulo (lnGTec ), os recursos do Pipe são fundamentais para fomentar empreendimentos de base tecnológica, principalmente os de fronteira, como os das áreas de saúde e biotecnologia. "A Fapesp consegue aportar recursos em fase inicial, experimental. Em geral, os investidores só se interessam pelos projetos quando a viabilidade comercial é comprovada", comenta Geciane.

Outra vantagem está na capacitação dos cientistas. "A Fapesp tem instrumentos que auxiliam os pesquisadores a tornarem seus projetos viáveis ao mercado. Isso é importante para quem sempre viveu dentro ela academia", afirma Geciane. Entre as iniciativas, Brito Cruz cita um treinamento de empreendedorismo com sete semanas de duração. Durante o programa, grupos com 20 alunos revisam os planos ele negócios e têm uma nova visão dos mercados em que pretendem atuar.

A preocupação de Geciane está na fase 3, na qual a Fapesp não pode aplicar recursos. Ela explica que o agravamento da crise drenou fontes importantes para a subvenção econômica, como linhas da Finep, do BNDES. "O tempo de maturação de uma startup é longo e é preciso garantir a continuidade dos recursos, encerrada a fase 2 do Pipe", conclui.