Durante o Mundial de futebol no Brasil em 2014, um dispositivo semelhante a uma joelheira, usado na perna direita pelo jogador da selecção brasileira Neymar para tratar uma lesão que sofreu numa partida contra o Chile, despertou curiosidade sobre a função do dispositivo.
Tratava-se de um equipamento autoaplicável e descartável para tratamento de dores musculares crónicas ou agudas através da estimulação de sinais eléctricos direccionados e controlados pelo próprio utilizador, também utilizado por outros jogadores da selecção brasileira e fisioterapeutas de clubes como o São Paulo e o Corinthians.
Desenvolvido pela Medecell – uma startup de Botucatu, no interior de São Paulo –, o conceito do equipamento está a ser adaptado para outras aplicações através do projecto «Desenvolvimento de equipamento autoaplicável de baixo custo e uso único para estimulação eléctrica nervosa transcutânea (TENS)», apoiado pela FAPESP na modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE).
«Identificamos que existiam outras aplicações para o equipamento, tais como o tratamento de dismenorreia [dor pélvica que ocorre antes ou durante o período menstrual], dispaurenia [dor que ocorre durante o acto sexual], melhoria do desempenho e aceleração da recuperação muscular de atletas e praticantes de actividades físicas, e para aliviar enxaquecas e dores de cabeça decorrentes de disfunções da articulação temporomandibular [ATM]», disse Maurício Marques de Oliveira, pesquisador responsável pelo projecto, à Agência FAPESP.
Os novos equipamentos para essas aplicações já possuem protótipos funcionais e passaram por ensaios clínicos, que estão em fase de conclusão para publicação dos seus resultados. A fase de engenharia dos produtos está avançada e devem começar a ser produzidos em escala industrial no segundo semestre deste ano.
Já o aparelho usado por Neymar, chamado Tanyx, é comercializado hoje no Brasil e no Chile.
Os dispositivos utilizam estimulação eléctrica nervosa transcutânea (TENS) para aliviar dores musculares por meio da aplicação de pulsos elétricos, e diferenciam-se pela forma e pelos parâmetros de electroestimulação, como a frequência e a intensidade dos estímulos eléctricos, explicou o pesquisador.
Os pulsoc elétricos do Tanyx, por exemplo, são de 85 hertz (Hz), e com intensidade na faixa de 10 miliampère (mA) a 30 mA. «Otimizamos o estímulo eléctrico para cada uma das aplicações de controlo de dor ou de recuperação muscular dos equipamentos», disse Oliveira. Já utilizada na prática médica para o tratamento de dores provocadas por variadas causas, a técnica TENS era até então restrita ao uso em clínicas de fisioterapia em sessões de electroestimulação.
A técnica até hoje é pouco difundida em razão do custo, do tamanho dos equipamentos e da dificuldade de operação, o que exige profissionais habilitados, explicou Oliveira.
A fim de desenvolver um equipamento miniaturizado, portátil, de baixo custo, descartável, de fácil manuseio e operação pelo próprio utilizador, sem a supervisão de um profissional, a empresa começou a pesquisar em bancos de patentes no mundo se já existia um aparelho com essas características. Nenhum exemplo foi encontrado.
Com base nessa constatação, desenvolveu e lançou em 2011 um equipamento similar a um curativo, que funciona com bateria de lítio com duração de 10 horas e tem duas regiões autoadesivas de contacto com a pele. Dessa forma, o equipamento permite que o próprio utilizador aplique e controle a intensidade dos pulsos elétricos emitidos para tratar dores nas regiões dos braços, pernas, costas e ombros, em sessões de 20 minutos.
«A ideia era que o equipamento pudesse ser utilizado para controlar a dor por um período equivalente ao da duração de uma caixa de analgésicos», disse Oliveira.
«Mas o equipamento tem diversas vantagens em relação aos analgésicos, uma vez que combate a dor sem ter os efeitos colaterais que os anti-inflamatórios ou analgésicos apresentam», comparou.