A exemplo de outros lugares no mundo, a Escócia, onde acontece até esta sexta-feira (12/11) a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, está planejando eletrificar sua frota de cerca de 5 mil ônibus usados no transporte público com o intuito de zerar as emissões de gases de efeito estufa nesse setor.
Uma das soluções que os gestores do transporte público do país devem estudar adotar para facilitar essa transição energética é uma plataforma desenvolvida pela startup paulista Scipopulis, por meio de projetos apoiados pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP.
Batizada de Trancity, a ferramenta transforma grandes bases de dados operacionais reais da rede de transporte público das cidades em mapas e gráficos de fácil visualização para auxiliar na gestão pública da mobilidade urbana. Por meio dela é possível avaliar o impacto ambiental e os efeitos na redução do tempo de viagem com a implementação de corredores exclusivos para ônibus e estimar a quantidade de energia necessária para operar uma frota totalmente elétrica, por exemplo.
“A plataforma também permite fazer o planejamento operacional da transição de linhas de ônibus a diesel para elétricos ao fornecer estimativas dos investimentos necessários, indicar o número de veículos que serão necessários e quais garagens deverão ser eletrificadas e avaliar se haverá energia suficiente para abastecer a frota, entre outras questões”, diz ao Pesquisa para Inovação Roberto Speicys, cofundador e sócio da Scipopulis. A empresa faz parte do grupo green4T.
O Trancity já foi implementado em grandes cidades da América Latina, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Santiago, no Chile.
Nas últimas semanas, a plataforma foi apresentada para representantes de órgãos responsáveis pela gestão do transporte público de diversos países. E na quarta-feira (3) da semana passada, para líderes da sociedade civil, políticos e grandes investidores presentes na COP26.
“Já tivemos a oportunidade de conversar e apresentar o Trancity para representantes de órgãos responsáveis pela descarbonização do transporte público de países como Escócia, Polônia, Estados Unidos, Austrália, Dinamarca, Alemanha, Espanha, Estônia e Lituânia, onde iremos iniciar nas próximas semanas um projeto-piloto”, afirma Speicys.
Validação internacional
A Scipopulis foi uma das cinco startups brasileiras selecionadas para participar do CivTech Alliance COP26 Global Scale-up Programme. As outras quatro são a Eco Panplas, Tesouro Verde, Um Grau e Meio e a Lemobs.
Idealizado pela CivTech Alliance, uma rede de organizações criada para trocar experiências de gestão pública, o programa tem o objetivo de dar visibilidade a scale-ups – startups de crescimento acelerado no longo prazo – com soluções para o combate às mudanças climáticas.
O programa conta com a participação de governos e instituições acadêmicas, que formam uma rede de aceleração global de startups.
Integram a rede no Brasil a InvestSP, organização social vinculada à Secretaria de Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, o IdeiaGov, hub de inovação liderado pelas secretarias de Desenvolvimento Econômico e de Governo do Estado e pela Procuradoria-Geral do Estado, e o BrazilLAB, hub que conecta empreendedores com o poder público. Os três foram os responsáveis por coordenar a seleção de startups no Brasil.
Vinte e seis startups se inscreveram na seletiva brasileira, fazendo com que o Brasil fosse o país com mais concorrentes para as 18 vagas disponíveis para o programa.
As empresas selecionadas deveriam já ter desenvolvido soluções para um dos três grandes desafios da agenda de mudanças climáticas: resiliência ambiental, desperdício de alimentos e descarbonização na rede de transportes.
Além da inovação e do potencial de mercado, a etapa de seleção final levou em consideração a capacidade coletiva da equipe da startup, o estágio de maturidade e a disponibilidade para participar das fases seguintes do programa.
“Nossa ideia ao participar desse programa é validar nossa solução em cidades de outros países fora da América Latina, onde já operamos. A maioria das cidades no mundo inteiro está estabelecendo metas de descarbonização do setor de transporte público e queremos explorar essa oportunidade”, afirma Speicys.
Novas funcionalidades
A plataforma começou a ser desenvolvida em 2014 com o propósito original de permitir melhorar o planejamento das rotas de ônibus, além da fiscalização pelo poder público das empresas concessionárias. À medida que começou a ser implementada nas cidades, os gestores da rede de transporte começaram a apontar novas necessidades que foram integradas à ferramenta.
“Fomos entendendo mais todas as dificuldades que o gestor público tem no planejamento de transporte e passamos a agregar novas funcionalidades à plataforma para atender às demandas”, diz Speicys.
Em parceria com gestores da rede de transporte de Santiago, os cientistas de dados da empresa desenvolveram um painel sinótico, por meio do qual é possível visualizar, em tempo real, a posição dos ônibus em operação na cidade por pontos de parada, em uma linha reta, e verificar a velocidade deles. Dessa forma, é possível controlar a distância entre os veículos, a fim de manter a regularidade da operação.
“A operação da rede de transporte público das cidades tem que funcionar como um carrossel. É preciso ter um ônibus separado do outro em um determinado intervalo de tempo, de forma regular, para que os passageiros saibam quanto tempo vão ter que esperar e que não irão embarcar em um ônibus lotado”, explica Speicys.
Já em parceria com gestores do transporte de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro, a empresa empregou a plataforma para estimar o impacto ambiental do transporte público e o efeito de medidas para aumentar a fluidez da rede de ônibus, como a implementação de corredores exclusivos.
Além do ganho na operação, com o aumento da velocidade dos ônibus, a redução do tempo de viagem e melhoria na qualidade do serviço – uma vez que é possível aumentar a frequência dos veículos, sem expandir a frota –, a implantação de corredores exclusivos diminui as emissões de GEE por esse setor, afirma Speicys.
“Um ônibus operando em uma velocidade maior, em um corredor exclusivo, emite menos gases de efeito estufa”, diz.
Também foram mapeadas as áreas de alagamento em linhas de ônibus dessas duas cidades a fim de possibilitar aos gestores públicos operar melhor a rede em condição de chuva (leia mais em https://pesquisaparainovacao.fapesp.br/1287).
A cidade de Belo Horizonte, por exemplo, foi fortemente afetada por chuvas no verão anterior à pandemia de COVID-19, que causou alagamentos em áreas da cidade até então sem registro de acúmulo de água.
“Os gestores da cidade foram surpreendidos com avenidas que até então nunca tinham sofrido alagamento e que, com as fortes chuvas, ficaram completamente alagadas. Essas vias são eixos importantes do transporte na cidade”, diz Speicys.
Uma vez que esses eventos climáticos devem se tornar mais frequentes e intensos, as cidades deverão começar a adaptar suas infraestruturas de transporte para minimizar os impactos, indica o especialista.
“Estamos estabelecendo uma parceria com a Climatempo para gerar alertas de tempestade. Com isso, será possível identificar as linhas de ônibus que apresentam maior risco de serem afetadas nas cidades, em tempo real”, diz Speicys.
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