Notícia

Observatório do 3° Setor

SP tem um dos locais mais contaminados por microplásticos do mundo (89 notícias)

Publicado em 28 de outubro de 2023

Por Maria Fernanda Garcia

Estudo realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revelou que o estuário de Santos, no litoral paulista, é um dos locais mais contaminados por microplásticos do mundo.

Estudo realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revelou que o estuário de Santos, no litoral paulista, é um dos locais mais contaminados por microplásticos do mundo. Na pesquisa, foram avaliadas três áreas: a região da balsa Santos-Guarujá, a praia do Góes e a ilha das Palmas.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores compararam dados internacionais, publicados anteriormente em mais de cem estudos de 40 países, com amostras de ostras e mexilhões coletados nessas três regiões durante o mês de julho de 2021. O ponto em que foi observado maior nível de contaminação foi a área da balsa. Nesse trecho, os animais avaliados apresentaram o pior estado nutricional e de saúde, com uma média que variou entre 12 e 16 partículas plásticas por grama de tecido.

“Em um dos mexilhões, nós encontramos mais de 300 microplásticos por grama. É importante destacar que o ponto de coleta do Góes era uma comunidade tradicional de pescadores até bem pouco tempo. Hoje, vivem cerca de 300 pessoas ali, uma praia que é meio afastada e só dá para chegar de barco ou por uma trilha. Muito provavelmente, [essas pessoas] consomem esses animais na dieta, tendo em vista que esse paredão rochoso é de fácil acesso aos pescadores”, destaca Victor Vasques Ribeiro , doutorando no Instituto do Mar (IMar-Unifesp).

O estudo publicado na revista Science of the Total Environment foi conduzido durante o mestrado de Ribeiro, com apoio da FAPESP.

“Os microplásticos têm grande potencial para alterar a biota e o ecossistema oceânico do nosso planeta como um todo”, diz o físico Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais. “Esse tipo de poluição tem efeitos ainda não totalmente entendidos e quantificados. Precisamos de muita pesquisa científica para caracterizar o material e estudar a extensão de sua distribuição, suas concentrações, seus efeitos nos ecossistemas e sobre os seres vivos e como removê-lo do meio ambiente.”

O estuário de Santos, localizado na região metropolitana da Baixada Santista, abriga o maior porto da América Latina e está sob a influência direta de descargas de resíduos industriais e domésticos dos municípios ao seu redor.

“Da minha perspectiva, nenhuma surpresa”, afirma o professor da Unifesp Ítalo Braga de Castro sobre os resultados divulgados no artigo.

“Como eu já estudava outros contaminantes, via que essa região era recordista de contaminação também para outras substâncias químicas perigosas. Aqui, nós temos o porto mais movimentado da América Latina e um dos maiores adensamentos urbanos brasileiros. Santos é uma cidade populosa: considerando toda a Baixada Santista, temos algo em torno de 1 milhão de habitantes. Tudo isso contribui para que o estuário seja alvo do lançamento de várias substâncias químicas perigosas e resíduos, que vêm das atividades domésticas e industriais, além do transporte de materiais plásticos no mar”, acrescenta.

Um dos achados que chamou a atenção dos pesquisadores foi o número de fibras incolores de tamanho entre 10 e 1.000 micrômetros encontradas na análise das ostras e dos mexilhões, além de compostos de celulose e acrílico, provavelmente vindos da poluição do estuário pelo lançamento de esgotos domésticos que contêm resíduos de lavagem de roupas. “As fibras têxteis têm sido apontadas como o tipo mais comum de microplásticos encontrados em zonas com altos índices de ocupação urbana”, observa.

O professor explica que, toda vez que um navio transporta matéria-prima para a produção de plásticos, ele deixa escapar pequenos pedaços. “São bolinhas de plástico, chamadas de pellets, que vêm nos contêineres. Durante as operações de carga e descarga, muitas dessas bolinhas acabam escapando para o ambiente, contaminando o estuário e as praias da região com esse material. No entanto, os microplásticos encontrados nos moluscos não foram originados dos pellets e sim de fibras têxteis”, destaca o professor da Unifesp.

A fonte provável, segundo ele, é a lavagem doméstica de roupa. “Hoje em dia, grande parte das nossas roupas é sintética, portanto, plástica. Quando você as lava, muitas dessas fibras se soltam e caem na rede de esgoto, onde o resíduo é lançado. Como não tem tratamento nas estações para remover essas partículas, elas acabam contaminando o ambiente”, ressalta Castro.

Por isso, segundo o grupo de pesquisa, além de fornecer as bases para estudos futuros, o objetivo deste levantamento também foi o de reunir dados para ajudar a pautar novas políticas públicas para saneamento básico em todo o Brasil, tendo em vista que, atualmente, a legislação não exige a remoção dos microplásticos dos efluentes.

Por enquanto, o que temos é a Lei Nº 7.661, de 16 de maio de 1988, que estabelece regras para o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, além da Constituição Federal, que também protege o meio ambiente. “Não é uma ilegalidade, embora seja um absurdo, por gerar um impacto para a saúde do estuário, dos organismos e, na ponta final, para saúde das pessoas”, conclui o cientista.

Nos últimos anos, o grupo da Unifesp tem se dedicado a diversos estudos sobre o tema, avaliando, por exemplo, a contaminação por microplásticos no interior de áreas marinhas protegidas. “Queremos entender se essas áreas, dedicadas à conservação da biodiversidade, estão sob a ameaça da contaminação. Temos duas alunas de doutorado do laboratório dedicadas a essa temática. A Yonara Garcia Borges Felipe focará em áreas protegidas do Estado de São Paulo, em colaboração com o professor da USP Alexander Turra e com Maria Teresa Castilho Mansor , da Fundação Florestal. Já o estudo da doutoranda Beatriz Zachello Nunes está avaliando o problema dos microplásticos em escalas globais e nacionais, com apoio de instituições ambientais australianas”, informou Castro.

Fonte: Fapesp