"Sombra", do inglês Michael Morpurgo, também autor de "Cavalo de Guerra", filmado por Steven Spielberg, começa quase como um conto de fadas inglês e vai nos surpreendendo a cada página, a cada capítulo, levando ao aprofundamento dos dramas humanos. Em meio à guerra no Afeganistão, uma cachorra perdida, ferida e esfomeada, da raça springer spaniel, aparece diante de uma caverna, onde uma família tenta se proteger das ameaças dos soldados do Talibã. Um garoto afegão procura protegê-la e ela não o larga mais, apesar de enxotada e apedrejada por outras pessoas. Ele, .então, a apelida de "Sombra". Uma sombra que vai protegê-lo, guiá-lo e ajudá-lo a fugir do inferno.
O enredo está acontecendo agora, neste exato momento, permeado pela fome, frio, dor e morte. E o drama atualíssimo dos refugiados, uma tragédia que vem afligindo grande parte da humanidade, sobretudo nas últimas décadas. Milhões de pessoas estão sendo obrigadas a abandonar as suas raízes em busca de um pouco de paz. E a diáspora moderna dos que fogem da guerra, da fome, da perseguição.
Um jornalista inglês aposentado, seu neto e um garoto afegão estruturam esta história sensível e comovente, que começa em Cambridge e faz um tour forçado pelo Afeganistão, passando por vários países, até retornar à Inglaterra, exatamente ao Yarl"s Wood, um centro de remoção de imigrantes em Bedfordshire. E lá que os refugiados ficam e de onde muitos são mandados de volta.
Apesar do tema dramático, o autor consegue banhá-lo com um humanismo sem fronteira. O livro pode ser lido por uma criança, um adolescente, um adulto, um idoso. E todos vão se identificar, entender exatamente o que está se passando. E tomar partido, inclusive aqueles que acham que cada um deve ficar em seu país de origem, como se o planeta não fosse a morada de todos os homens, indistintamente.
Embora seja uma obra de ficção, "Sombra" mostra um ângulo feio da humanidade, que muitos pretendem esconder. E um enfoque sobre um caso isolado, mas que chama a atenção para milhões de outros. Para amenizar esta tragédia universal, o poeta e escritor Morpurgo banha cada página com muito humanismo, deixando a crueldade como pano de fundo. Outro ponto forte desta obra são as ilustrações de Christian Birmingham, que se fundem à história, tornando-a ainda mais pungente.
Se perguntarem se dói, esta história dói. Mas não é o drama pelo drama, um comércio de emoções baratas. Ao contrário, leva-nos a entender que a vida é uma só em qualquer lugar, frágil e bonita, encantadora e misteriosa. Sombra é uma obra de luz, um farol que pode nos guiar a um mundo melhor. E os cachorros têm um bom faro para isso.
Em seu terceiro titulo publicado, Rafael Ruiz analisa a história de nosso continente através de uma de - suas paixões, a literatura. Ao tomar emprestadas as lentes de Maquiavel, Thomas More, Miguel de Cervantes, entre outros, o autor de "O espelho da América de Thomas More a Jorge Luis Borges" tem a visão do artista: consegue perceber nuances e sutilezas de um universo feito de eventos e sentimentos que estão além de teorias e modelos e, com isso, compreender os períodos históricos que quer analisar.
No trabalho de Ruiz, a visão inovadora sobre o tema acaba por apimentar uma acalorada discussão em que o impasse, sob o ponto de vista do historiador, é definir se a obra trata de Literatura ou de História, afinal, entre outras premissas, está estabelecido que História são as certezas sobre o passado, são fatos concretos, certo? Nem tanto.
Para o autor, que acredita na necessidade de novos rumos para as humanidades, este livro é o resultado da vontade de conjugar os avanços teóricos na História das Américas com a literatura clássica e esclarece: "A partir da análise dessas -ai obras clássicas, é possível desentranhar, ao longo da Primeira Modernidade da América, os conceitos e as categorias que nos permitem entender melhor os processos históricos e a dinâmica da construção das sociedades americanas." Foram dez os autores escolhidos e onze obras.
Rafael Ruiz é professor adjunto do departamento de História da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do núcleo de estudos ibéricos da mesma instituição. Atualmente, desenvolve a linha de pesquisa "direitos e justiça nas Américas", financiada pela Fapesp, destacando o estudo das tensões e adaptações entre norma e experiência nas Américas portuguesa e espanhola.