Pressionado pela força da crise econômica como em nenhuma outra época, o setor industrial vem enfrentando o desafio da sobrevivência, em meio a um cenário de rápidas mudanças em função dos avanços tecnológicos. A busca por inovação transformou-se em uma corrida contra o tempo. Abriuse com este cenário a oportunidade para que startups com menos de dez anos de vida, recém-saídas de incubadoras ou de centros de pesquisa e desenvolvimento das universidades, pudessem gravitar na órbita de grandes complexos industriais e ainda ganhar impulso para encontrar uma trajetória própria.
Serviços industriais, especialmente de "inteligência embarcada" ou de pesquisas, engenharia e novos materiais têm gerado negócios ao ritmo médio de expansão de dois dígitos ao ano. A longa insegurança do cenário' econômico exigiu uma reinvenção dos processos, redução de custos e ganho de competitividade para galgar as faixas sofisticadas e mais bem remuneradoras do mercado.
Boa parte dessas inovações de novas empresas acaba encontrando clientela não só no Brasil. É o caso da Engecer, de São Carlos (SP), que desenvolve cerâmicas de alta tecnologia para substituição de materiais metálicos em operações complexas -aquelas em que não é possível a troca constante de peças ou quando os metais entram em reação química com elementos do processo produtivo, comprometendo o resultado da operação.
Pelo menos 80% da produção é embarcada para o exterior. A demanda tem crescido com a vantagem cambial deste ano. "No momento, nossos componentes cerâmicos estão em uso no projeto Sirius de Luz S'mcroton (no acelerador de partículas de elétrons) de Campinas (SP), porque a máquina de alto vácuo evapora metais. Estamos nos aprimorando tecnologicamente em projetos de ponta", explica Marcos Pereira Gonçalves, sóciodiretor da Engecer, mestre em engenharia de produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
A participação no projeto Sirius do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais ( CNPEM) tem financiamento da agência paulista de amparo à pesquisa {Fapesp) e da linha do Finep-BNDES. A Engecer nasceu em 1987 como incubada do polo de tecnologia de São Carlos (SP) e em 1992, depois de transformada em uma venture capital, passou por uma operação de "management buyout", na qual os dois sócios atuais compraram a empresa. "Eram dois polos de pesquisadores na empresa: um da USP e outro da UFscar", conta Gonçalves.
A empresa fornece localmente seus produtos para a indústria petrolífera (plataformas offshore), o setor agrícola (aplicação de defensivos e difusores de água) e o setor de autopeças. Suas cerâmicas utilizam muitos componentes de terras raras. Depois do fechamento da Nuclemon( estatal ligada à Nuclebras ), passou a importar matérias-primas processadas, como óxido de cério, alumina e zircônia.
"Passar a ter moeda externa na variação dos custos de matéria-prima básica exigiu um contorcionismo administrativo e financeiro na empresa, em pleno processo de consolidação. Mas com a expertise do meu sócio, que é advogado e administrador, superamos a fase de quase morte", lembra Gonçalves. Hoje, a empresa tem uma receita na casa dos R$ 10 milhões e 45 funcionários. Para 2018, o desafio da Engecer é a internacionalização e o desenvolvimento de partes do processo, de altíssima pureza dos materiais, mais próximos aos fornecedores externos.
Outra grande exportadora de inovação brasileira é a Finamac, que nasceu há dez anos num apartamento em São José dos Campos (SP). Seu fundador, Marino Arpino (formado em engenharia pelo ITA ), que trabalhava numa indústria aeroespacial, percebeu que a mesma tecnologia de tubos para foguetes poderia servir para cilindros de refrigeração de alta eficiência para sorvetes.
Ele deixou o emprego e, no quintal da casa de seu pai, fixou o primeiro endereço da Finamac, baseado no projeto de inovação para o qual obteve, em 2013, recursos da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportação) e da Fapesp. Hoje a empresa produz mil máquinas de 30 modelos diferentes para sorvetes e embarca pelo menos 70% delas para os Estados Unidos, onde tem uma subsidiária em Miami. Com clientes em 60 países, a Finamac tem 40 patentes registradas, 50 funcionários e oito deles dedicados só à engenharia e inovação. "Hoje terceirizei a produção de peças para focar em pesquisas e projetos inovadores. No momento, estamos investindo R$ 4 milhões em uma máquina nova para sorvetes cremosos e outras duas para picolés", diz Arpino.
Desse total, metade vem de recursos da Fapesp e metade da própria empresa. A Finamac conta com professores do ITA como consultores, além de outros centros de pesquisa no exterior. A empresa obteve certificação da americana NSF (National Sanitation Foundation) para comercializar nos Estados Unidos.
Além de operar com tecnologia digital 3D nos projetos e protótipos de suas máquinas, a Finamac desenvolve softwares para design, construção mecânica e simulações, e os atualiza constantemente por meio de parcerias com escolas e institutos de pesquisa. "Nossos produtos saíram do tipo caixote para formas bastante ergonômicas. Usamos plásticos coloridos de alta performance nos painéis, sempre cuidando do fundamental, que é a excelência na qualidade do sorvete, e com custos menores para o nosso cliente", explica o empresário.
A empresa faz máquinas com capacidade para produzir 100 picolés por hora, processando 30 litros por dia, até 10 mil picolés por hora ou 2 mil litros processados por dia, e tem nas "paleteras" um grande nicho de clientes ao redor do mundo. "Para 2018, estamos programando o lançamento mundial da nossa nova máquina de sorvete de creme. Outras duas de picolés ficarão para 2019", adianta Arpino.
No ramo da 'inteligência corporativa', também há uma explosão de demanda por serviços externos de alta especificidade. A pequena Empreendi na Rede, criada em 2011 da sociedade de três egressos da Escola Politécnica da USP e um da PUC-SP, encontrou seu nicho na intermediação entre grandes empresas ou projetos de propósitos específicos e startups que venham a atender demandas pontuais das corporações.
"Nós fazemos toda a gestão e o desenvolvimento de startups, e identificamos áreas de especialidades e o tipo de tecnologia mais recentes e toda a prototipagem que respondam às necessidades das grandes empresas", resume Dante G. de Jesus Lopes, um dos sócios e CEO da Empreendi na Rede.
A empresa foi contratada, no início de outubro de 2017, pela Votorantim Cimentos para ajudar a líder nacional de material de construção no seu programa para atrair startups com foco na digitalização da companhia, ou a indústria 4.0, batizado de The Digital Cement Open Innovation. "Ao todo, depois do processo de seleção, foram escolhidas sete startups no desafio de apresentar desenvolvimento e prototipagem de soluções para a inovação do processo produtivo da Votorantim Cimentos, com duração até meados de dezembro próximo", explica Lopes, que tem o apoio da Fundação Dom Cabral para o "Corporate Venture".
A Equatorial Sistemas, startup do setor aeroespacial de São José dos Campos (SP), que também participou do projeto Sirius, com um detector de raios X, está mergulhada no desenvolvimento de produtos que integrarão constelações de nanosatélites para executar missões de observação e vigilância da superfície terrestre. Ela tem dois contratos de financiamento de fomento aos seus protótipos, um da agência de fomento paulista Fapesp e outro da Finep-BNDES.
O total do aporte é de cerca de R$ 4 milhões para execução em 18 meses. Mas, de acordo com Cesar Celeste Ghizoni, sócio-diretor da empresa, está difícil manter funcionários altamente qualificados com a falta de contratos efetivos, dado aos cortes nos programas na área espacial no país. "A falta de um programa espacial brasileiro coerente e de longo prazo é uma ameaça séria à sobrevivência das empresas do segmento aeroespacial no Brasil", diz ele.
Para Ghizoni, a inovação real não acontece na academia ou nas universidades. Ela está intimamente associada ao mercado e suas particularidades operacionais, portanto, às empresas. "Mas existem muitas agências, organizações e ministérios públicos dedicados à inovação no país, que consomem muitos recursos, e há pouca política industrial relevante que, de fato, crie as condições favoráveis à inovação", pondera.
Outra startup que atua no setor aeroespacial é a Altave, que desenvolve veículos mais leves que o ar. A empresa ganhou notoriedade com os balões de monitoramento dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Fundada em 2011, por dois engenheiros recém-formados no ITA, está numa incubadora do centro de Ciência e Tecnologia da Aeronáutica (CIA) e tem um escritório no Parque Tecnológico de São José dos Campos (SP), onde comercializa os primeiros aeróstatos cativos para monitoramento e radiocomunicação feitos no Brasil, certificados pela Associação Brasileira de Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança ( Abimde ).
No ramo de nanotecnologia, há startups que já atingiram a fase de comercialização de seus produtos. A Nanox, criada por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, desenvolve materiais inteligentes para combater microrganismos.
A tecnologia, que utiliza nanopartículas de prata, é utilizada em soluções para embalagem de alimentos, aumentando o prazo de validade do produto, além de tapetes e carpetes e equipamentos hospitalares, com pisos e materiais mais fáceis de limpar. Também é aplicada no setor de eletroeletrônicos, para aumentar o intervalo para limpeza dos filtros de ar-condicionado ou bebedouros.
A Nanox recebeu aprovação da agência americana Food and Drugs Administration (FDA) para uso de seus nanopolímeros em embalagens de alimentos. Agora está investindo R$ 3 milhões em instalações nos Estados Unidos para acelerar sua oferta naquele mercado. O montante equivale ao faturamento total da empresa. "Cerca de 60% desse valor é aporte nosso e os outros 40% vêm da Fapesp, Finep e Embrapa", resume Daniel Tamassia Minozzi, sócio-diretor da Nanox.