Pouca gente sabe, mas o campus da Universidade de São Paulo, às margens do Rio Pinheiros, um dos pontos mais movimentados do país, recebe diariamente animais como bois, cavalos e cabras. São pacientes do Hospital Veterinário (HVET-USP), o maior do gênero na América Latina. O endereço nobre não atende só a reprodutores famosos ou campeões de hípicas e haras. É comum aparecerem animais que puxam carroças, levados a pé pelos seus donos. 'Há proprietários que chegam montados no animal. Já vi também cavalo grande em caminhonete e até dentro de uma Fiorino', conta Wilson Roberto Fernandes, responsável pelo departamento de clínica médica do setor de eqüinos.
Os animais pertencem, em sua maior parte, a pequenos sitiantes, e chegam de cidades da Região Metropolitana, como Cotia e Embu. E também do interior do estado, das regiões de Bragança Paulista e Vale do Paraíba. Para Olavo Rodrigues de Moraes, dono de um hotel de cavalos em Itapecerica da Serra, interior de São Paulo, enfrentar o trânsito e o estresse da metrópole compensa. 'Há vinte anos levo meus cavalos lá, e eles saem bonzinhos', garante.
A localização, que em nada combina com a atividade rural, para muitos é uma alternativa ao hospital veterinário da UNESP - Universidade Estadual Paulista, que fica em Botucatu, a cerca de 230 quilômetros da capital. Graças aos produtores do entorno da região metropolitana que 'descobriram' o serviço recentemente, o número de consultas não pára de subir. Em 2002 o hospital recebeu mais de mil animais, entre bovinos, caprinos, ovinos e eqüinos. No setor de ruminantes, o aumento do número de consultas foi de 37% em relação ao ano anterior. Isso sem contar o atendimento que é feito nas fazendas. Neste serviço, a demanda cresce mais por atendimento a ovinos. 'Passamos de 20 para 160 animais atendidos por ano', diz Eduardo Harry Birgel Júnior, responsável pela clínica ambulante (leia 'Hospital também vai até a fazenda').
Para levar o animal ao Hospital Veterinário não é preciso agendar consulta. Basta verificar o horário de atendimento (veja informações na página seguinte) e pagar vinte reais, quantia inferior à praticada no mercado. 'Nós não queremos fazer concorrência com os veterinários. Nosso objetivo é ensino e pesquisa. Gostaríamos de oferecer um serviço gratuito, mas não temos condições', diz Birgel.
Um investimento de 450 mil dólares da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo melhorou a infra-estrutura do hospital em 1998. Foram criados setores específicos para o atendimento de animais de grande porte. O setor de ruminantes, comandado pelo professor Fernando José Benesi, atende a bovinos, ovinos e caprinos - não há especialistas em suínos. Há 30 baias para a internação de bois e 16 para cabras e ovelhas. A internação, a alimentação e a estadia não são cobradas. Os medicamentos são doados por empresas farmacêuticas, como a Schering-Plough e a Minerthal.
CÓLICAS No setor de atendimento a eqüinos a consulta também custa 20 reais, e pode incluir exames como o raio X e ventigrafia, que mede a capacidade respiratória do animal. Mas quando o cavalo tem cólicas, o preço do atendimento sobe para 120 reais, devido a necessidade de exames extras e aplicação de medicamentos. Além disso, o valor da internação é de dezoito reais a diária, incluindo despesas com alimentação e hospedagem. No ano passado foram atendidos 501 cavalos, incluindo animais de estados como Mato Grosso, Minas Gerais e Bahia. Um dos maiores obstáculos do atendimento no hospital é o transporte, que custa em média um real para cada quilômetro rodado. O produtor de leite Flávio Marchese que o diga. Da sua propriedade em Atibaia, no interior de São Paulo, até o hospital, ele paga cerca de 250 reais de frete para levar apenas um animal. Como não tem um veterinário em sua fazenda, utiliza com freqüência os serviços do HVET-USP. No entanto, consegue diminuir os custos através de um acordo com o hospital. 'Eu cedo a fazenda para os estudantes virem até aqui aprender, e eles me ajudam com os animais'. Em casos em que há interesse didático e consentimento do criador, o setor de ruminantes dispõe de um transporte para buscar o animal sem cobrar nada. 'Este serviço é utilizado apenas duas vezes por semana porque não temos verba', explica Birgel.
Mas quando o apego pelos animais cria uma relação que supera o simples valor comercial, as despesas tornam-se um problema secundário. Há algum tempo, quando Marchese levou a vaca Elly ao Hospital Veterinário, ela mal conseguia ficar de pé. Os médicos chegaram a um triste diagnóstico: Elly estava com leucose e tinha que ser sacrificada. 'A pior coisa que existe é determinar a morte de um animal. A gente se apega muito a esses bichos', diz Marchese. A perda da vaca não afastou o produtor do serviço hospitalar - muito pelo contrário. Para ele, o atendimento é excelente. 'O animal está em boas mãos. Os veterinários são como pediatras, porque o bicho não fala onde está sentindo dor. É uma profissão muito nobre', acredita.
HOSPITAL TAMBÉM VAI ATÉ A FAZENDA
Os médicos do setor de ruminantes do Hospital Veterinário não se limitam a esperar pacientes em São Paulo. O serviço ambulante atende a quase mil animais por ano nas propriedades rurais. Além de dar consultas, os doutores aproveitam as viagens para desenvolver atividades de pesquisa. Não há infra-estrutura disponível para este serviço. São os carros dos próprios professores que vão até a fazenda. Por isso nem todos os casos podem ser atendidos in loco. Segundo Eduardo Harry Birgel Júnior, responsável pela clínica ambulante, é mais vantajoso atender aos problemas que acometam vários animais de uma mesma propriedade. O serviço da clínica ambulante custa o transporte dos profissionais e o material que é utilizado. O serviço não é oferecido pelo setor de eqüinos do hospital.
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Globo Rural