Primeira socióloga a assumir a diretoria da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo, a professora Maria Tereza Leme Fleury diz que o maior desafio em sua gestão, nos próximos quatro anos, será enfrentar o grande número de cursos, graduações, especializações e MBAs que invadiu o mercado de ensino, seduzindo estudantes e profissionais com modelos trazidos de fora, sem qualquer identidade com o conhecimento acadêmico desenvolvido no Brasil e, o pior, com uma estrutura de apoio muito fraca.
Sua arma para fazer frente à multiplicação de concorrentes é investir em qualidade. "Um curso da FEA se diferencia como produto de conhecimento. É uma unidade que faz pesquisa, extensão, ensino, com profissionais comprometidos com a realidade brasileira, que estão em constante diálogo com a teoria e a realidade de outros países, tanto nos cursos de graduação e de pós, quanto nos cursos de extensão." Mesmo assim, ela pretende renovar os cursos de graduação com uma revisão da estrutura curricular e da metodologia de ensino, com o uso combinado de recursos de ensino a distância com o estudo presencial.
INTERAÇÃO DO CONHECIMENTO
O diferencial de qualidade é reforçado pela interação com outras unidades da universidade, "que possibilita trocar informações e fazer parcerias com diferentes áreas de conhecimento, montar projetos interfaculdades, como o curso MBA de Relações Internacionais, desenvolvido junto com a faculdade de Direito e a de Ciência Políticas". Os núcleos de pesquisa também utilizam profissionais de outras unidades. Como o Núcleo de Pesquisa em Gestão e Tecnologia, que tem profissionais de administração e engenharia para trabalhar projetos específicos sob diferentes perspectivas.
O investimento na reciclagem didática dos professores é uma constante, diz Maria Tereza. A partir deste mês, quatro professores da FEA estarão fazendo um curso sobre Metodologia para Elaboração de Casos, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Através de uma Comissão de Cooperação Internacional, a FEA mantém cerca de 40 convênios de cooperação acadêmica com instituições de ensino superior da Europa e das Américas do Norte e do Sul, que permitem o intercâmbio de alunos e professores, a elaboração conjunta de projetos e pesquisas, troca de material acadêmico, entre outras iniciativas.
A nova diretora da FEA pretende também ampliar a prestação de serviços a empresas através de trabalhos de consultoria. Como coordenadora de Projeto da Fundação Instituto de Administração (FIA) desde 1983, Maria Tereza atuou como consultora de diferentes empresas nas áreas que compõem sua linha de pesquisa: gestão de pessoas e competências e mudança organizacional. Ela já realizou pesquisa, diagnóstico de clima e cultura organizacional junto a empresas estatais, nacionais e multinacionais. Entre elas, FMC do Brasil, Aracruz Celulose, Dow Química, Vale do Rio Doce e Telefônica Celular. E realizou projetos de consultoria para organizações públicas como o Ministério do Trabalho e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Filha do engenheiro Ruy Leme, criador do curso de engenharia de produção da Escola Politécnica e professor de administração na FEA, e da psicóloga Maria Alice Vanzolini da Silva Leme, também professora da USP, além de sobrinha do zoólogo e compositor. Paulo Vanzolini, Maria Tereza sempre transitou com facilidade no meio acadêmico - que ela considera "instigante por ser formado por pessoas inteligentes e questionadoras." É casada com Afonso Carlos Correa Fleury, doutor em engenharia de produção pela Poli.
Formada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, onde foi aluna do presidente Fernando Henrique Cardoso e de Ruth Cardoso, ela ingressou como professora na FEA há 22 anos, época em que não existia banheiro feminino em suas dependências. Maria Tereza é hoje uma das 24 mulheres de um quadro de 191 docentes e dá aulas nos cursos de graduação e pós-graduação na área de Recursos Humanos. Ela disputou o cargo com Cláudio Felisoni de Ângelo e Marcos Cortez Campomar. A diretora dispõe de uma verba aproximada de R$ 5,4 milhões por ano para custeio das atividades da FEA, como apoio às pesquisas, publicações, manutenção de equipamentos, treinamento de alunos, valor que é rateado nos diferentes departamentos, que estabelecem suas diretrizes. O valor gasto com os salários dos professores é vinculado ao orçamento da reitoria.
Coordenadora do Programa de Estudos em Gestão de Pessoas (Progep), Maria Tereza é autora de cinco livros e acaba de coordenar o lançamento do livro "As pessoas na organização", pela Editora Gente, em que assina dois artigos. Consultora de instituições como o Fundo de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ela desenvolveu pesquisas em universidades da Inglaterra, Japão, Coréia e França.
GESTÃO DA COMPETÊNCIA FAZ A DIFERENÇA
Somente setores da economia mais avançados têm preocupação com gestão de competência e de pessoas, na opinião da professora Maria Tereza Fleury Leme. "São empresas que sabem que as pessoas fazem muita diferença em seu resultado, que precisam trabalhar com conhecimento, inteligência e comprometimento dos funcionários." Entre esses segmentos, ela cita a indústria aeronáutica, telecomunicações, setor financeiro, cadeia automobilística e química petroquímica. Algumas prestadoras de serviços também investem nessa área.
As empresas que procuram o Programa de Estudos em Gestão de Pessoas (Progep) estão interessadas em fazer um diagnóstico sobre quais competências que têm de desenvolver para competir melhor em seus mercados, diz Maria Tereza.
Foi assim com a Embraer que, ao ampliar a cadeia de suprimentos e logística (supply chain), sentiu necessidade de treinar sua equipe. Segundo Eurico Barini. na época diretor de Recursos Humanos da Embraer e hoje vice-presidente de pessoas e organização da OPP Química, a Embraer registrava grande crescimento desde 1998 e, em apenas três anos, dobrou o número de funcionários para 10 mil. "Na área de suprimentos, foram contratadas pessoas de diferentes idades, que vinham de diferentes empresas, com uma renovação muito grande do nível gerencial." Barini diz que. no início de 2000, quando foi iniciado o trabalho sob a coordenação da professora Maria Tereza. não havia no mercado outra consultoria que pudesse desenvolver- "com a mesma eficiência e dedicação" - o perfil de competência para cada função e estabelecer padrões de desempenho para uma indústria tão específica como a Embraer e para um setor tão estratégico como o de suprimentos. "Foi um produto desenvolvido sob medida, que resultou em um programa de formação e treinamento, de 250 horas, para 50 executivos do nível gerencial da área de suprimentos".
Maria Tereza desenvolveu o trabalho em parceria com a Fundação Vanzolini para "aliar conhecimentos da área de administração e de engenharia de produção'". Após quatro meses de trabalho, foram formados três blocos de capacitação: competências estratégicas do negócio, competências sociais e competências técnicas. Além dos cenários políticos e econômicos nacionais e internacionais, foram trabalhados temas específicos como contratos, legislação cambial, logística, supply chain management, estratégias, gestão de parceria de negócios, manufatura e gestão de pessoas. "O trabalho foi impecável e a implementação do programa muito bem conduzida", enfatiza Barini.
A FMC TECHNOLOGIES DO BRASIL
Recorreu aos serviços da FEA cinco vezes no período de 1997 a 2000, segundo o gerente geral Dimas Ferreira. "Tínhamos necessidade de um trabalho customizado, bem orientado às nossas necessidades." O primeiro projeto, de diagnóstico e gerenciamento da diversidade cultural, foi encomendado com o objetivo de se adequar à demanda da matriz, nos Estados Unidos, onde existe legislação rigorosa a respeito de chances iguais de trabalho para as minorias "Aproveitamos o mote da diversidade para questionar as vantagens de uma população heterogênea no trabalho em relação a uma homogênea." Durante o trabalho foi possível também discutir a criatividade resultante da diversidade cultural existente em uma organização e conto gerir as peculiaridades de cada grupo.
Foram aplicados também três programas de desenvolvimento: de liderança; gerencial e de competências. Segundo Ferreira, ao invés de adaptar os programas da matriz norte-americana, a filial preferiu adaptar o conteúdo ao Brasil, com bons resultados, cm sua opinião.
A empresa também contratou professores da FEA para a aplicação de um compacto de MBA para 25 executivos. Foram 400 horas/aula, as sextas e sábados, em que os professores se deslocavam até a sede da empresa, em Araraquara, no interior paulista.
Notícia
Gazeta Mercantil