O expurgo de professores e alunos da Universidade de São Paulo no regime militar só não foi maior porque em duas oportunidades os pedidos de novas cassações foram paralisados no Serviço Nacional de Informações (SNI), segundo apuração do jornal “O Estado de S. Paulo”.
Documentos encontrados pela Comissão da Verdade da USP mostram que o órgão de informações impediu que denúncias feitas por integrantes da universidade e pela Assessoria Especial de Segurança e Informações (AESI), ligada à reitoria da USP, atingissem novos alvos, suspeitos de oposição à ditadura. Mais de uma dezena de professores estavam entre os suspeitos, entre os quais Eurípides Simões de Paula, Fernando Novais e Eduardo D’Oliveira França.
Os responsáveis pelo filtro ideológico na universidade também queriam uma devassa na Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), onde consideravam suspeitos o zoólogo Paulo Vanzolini, o físico Oscar Sala e o médico e ex-reitor da USP Antonio Barros de Ulhôa Cintra. Fundamental para essas investidas, a AESI começou a funcionar nos anos 1970, instituída pelo reitor Miguel Reale.
Era ela quem fazia, segundo o relatório da comissão, “a triagem ideológica de alunos, professores e funcionários”. A assessoria produziu 2.895 documentos entre 1973 e 1979 enviados ao Departamento de Ordem Pública e Social (Dops), ao 2º Exército e ao SNI. O número representa um aumento das informações produzidas então pela universidade sobre investigações internas.
De fato, os arquivos do Dops registram 253 documentos enviados pela USP para o departamento entre 1948 e 1973, uma média de 16 por ano. Após a criação da AESI, esse número saltou para uma média de 413 por ano. “A criação da AESI gerou uma prática de vigilância com vistas ao controle ideológico da comunidade acadêmica, dentro de um sistema de informações organizado e centralizado do qual a USP fazia parte”, disse a professora Janice Teodoro da Silva, do Departamento de História da USP. Ela presidiu a comissão, cujo relatório tem dez volumes e foi entregue na última quarta-feira ao reitor Vahan Agopyan.
Exemplo da perseguição praticada, na época, dentro da USP é o documento enviado em 13 de novembro de 1975 ao SNI, no qual a AESI armava que a Fapesp estava sendo usada em “aprimoramento subversivo de alto nível pelo ex-diretor científico Oscar Sala”. Entre os “fatos”, na versão da AESI, estavam o apoio da Fapesp à Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência, a nomeação de “infiltrados”, o dinheiro dado a pesquisas “para deturpar fatos históricos” e “desmerecer o trabalho do governo revolucionário”.
Sala disporia de “400 assessores científicos secretos para dinamizar o trabalho de infiltração marxista no País”. E apontava como idealizadores do plano Vanzolini e Ulhôa Cintra. O SNI respondeu dizendo que acusar Sala de aproveitar- se do cargo “é expressar-se de forma tendenciosa e pouco verdadeira”. E disse que a AESI trazia sobre “educadores da USP dados nem sempre verdadeiros”.