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O Dia (SP)

Sítio do Ouro Negro (1 notícias)

Publicado em 23 de abril de 2006

Por Pedro Landim (landim@odialnet.com.br)
Como Monteiro Lobato previu a história da auto-suficiência do petróleo, arriscando a carreira e a vida por um sonho adulto

O primeiro poço de petróleo brasileiro foi perfurado no Sítio do Pica-Pau Amarelo, na década de 30, pela "Companhia Donabentense de Petróleo". A história está no livro "O Poço do Visconde", de Monteiro - Lobato. Resumo de um dos ideais da vida do autor, a obra foi uma aula aos jovens leitores de um país cujo governo negava a existência do Ouro Negro em território nacional. Personagem múltiplo do século 20, escritor, empresário e nacionalista ferrenho, Lobato dedicou parte da vida à militância contra a exploração dos recursos naturais brasileiros por multinacionais. A lembrança de seu nome é obrigatória nesta nova era em que o Brasil goza a, tão sonhada, auto-suficiência na produção do petróleo.
O criador de Emília, Pedrinho e Narizinho chegou a abrir a própria petrolífera e publicar livro adulto sobre o tema, além de artigos e conferências. Tanto fez que acabou preso por contrariar determinações do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), no governo Getúlio Vargas.
Numa dessas coincidências que parecem ter ingredientes do além, na mesma semana do anúncio da auto suficiência pela Petrobras comemorou-se, na terça-feira, dia 18, o aniversário dos 124 anos de nascimento do escritor. Lobato ficaria radiante com as boas novas.

Enfim, o Petróleo nosso de cada dia
Escritor infantil foi preso por defender a exclusividade do Brasil na exploração. Morreu sem ver o sucesso da Petrobras.
No diálogo entre os personagens infantis de Monteiro Lobato, Pedrinho faz a pergunta: "Como pode o imenso Brasil não ter petróleo, se há poços em todos os países vizinhos?". O livro "O Poço do Visconde" foi publicado em 1937 e narra a abertura do poço 'Caraminguá nº 1' nas terras de Dona Benta, "com a vazão de 500 barris por dia". É uma aula de Geologia, na qual Lobato mostra que conhece profundamente o assunto e levanta com muita autoridade a sua bandeira. No ano anterior, publicara 'O Escândalo do Petróleo e Ferro', mostrando aos adultos a importância estratégica do Ouro Negro para o desenvolvimento nacional — o livro teve duas edições esgotadas no mês de lançamento. Disposto a tudo para impedir que os estrangeiros colocassem as mãos no petróleo brasileiro, Lobato fez constantes apelos públicos ao governo, e aos militares: "Se não ter petróleo é inanir-se economicamente, militarmente é suicidar-se", disse, em discurso, à época. Em outra ocasião, durante conferência sobre petróleo em Belo Horizonte, o escritor afirmou: "Compreendi ser o petróleo a grande coisa, a coisa máxima para o Brasil, a única força com elementos capazes de arrancar o gigante do seu berço de ufanias".
No início dos anos 30, após temporada nos EUA onde se dedicou ao estudo de novas tecnologias e técnicas de extração, o já consagrado escritor e editor deixou a literatura de lado e fundou a Companhia Petróleos do Brasil. Defendendo a extração de petróleo através da iniciativa privada, vendeu ações e chegou gás a descobrir gás de petróleo num poço de 250 metros de profundidade, em Alagoas. Batalhador incansável
Mas o sonho de contribuir para a independência econômica do País durou pouco. Após denunciar manobras da americana Standar Oil para abocanhar lençóis petrolíferos brasileiros, e enviar seguidas cartas ao presidente Getúlio Vargas cobrando soberania e reclamando das barreiras impostas pela burocracia do governo à sua empresa. Lobato foi preso em 1941 sob a acusação de desmoralizar o Conselho Nacional do Petróleo.
Em 1939, o petróleo havia jorrado pela primeira vez no Brasil. O fato ocorreu na Bahia, em um bairro de Salvador chamado — por incrível que pareça — Lobato. Vítima de um derrame, o escritor morreu em 1948, dois anos antes da deflagracão nacional da campanha "O Petróleo é Nosso". A mobilização da sociedade abriu caminho pa ra a aprovação de nova legislação sobre o petróleo no Brasil e a conseqüente fundação da Petrobras, em 1953. O criador de fábulas que escrevia para as crianças de olho no futuro estaria hoje satisfeito em ver que aqueles meninos cresceram e os poços de petróleo brasileiros vão muito bem, ohrigado.

Vitoriosa militância literária
"Monteiro Lobato foi um personagem complexo e múltiplo, numa época de industrialização e modernização, na passagem do século 19 para o 20", define o lingüista Carlos Vogt, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e autor de diversos artigos sobre o setor de petróleo no Brasil.
"O surgimento da Petrobras respondeu de certa forma à militância do escritor", afirma Vogt. "No período pós-guerrá, num confronto de idéias nacionalistas e entreguistas, a forte militância literária de Monteiro Lobato o levou à prisão. Seus ideais sempre foram muito claros".
O jornalista Vladimir Sachetta, co-autor da biografia 'Monteiro Lobato — Furacão na Botocúndia', vencedora do Prêmio Jabuti, acrescenta: "Até o general Horda Barbosa, que presidia o CNP e foi um dos responsáveis pela prisão do escritor, assumiu posteriormente suas bandeiras, durante a campanha a favor do petróleo", diz

Disputa de quase 10 anos
Até os anos 40, Monteiro Lobato vendeu 1 milhão e meio de livros de uma obra de cerca de 40 títulos. Atualmente, eles andam sumidos devido à disputa judicial de quase 10 anos entre herdeiros do escritor e a Editora Brasiliense. Mas o problema parece estar no fim. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) rescindiu contrato firmado em 1945 entre escritor e editora, que valeria até 2018, quando tudo cairia em domínio público. A família quer reeditar os livros, o que pode trazer de volta às prateleiras títulos adultos como 'Urupês' (1918), 'Cidades 'Mortas' (1919) e 'O Escândalo do Petróleo' (1936).