Problemas de saúde são mais comuns em pessoas que desenvolveram casos graves da doença. Pacientes chegam a enfrentar mais de seis meses de sintomas
Depois de mais de um ano do início da pandemia da Covid-19 no Brasil, a extensão dos sintomas e das sequelas da doença nos pacientes ainda é estudada por especialistas. A chamada síndrome pós-covid pode se manifestar desde a permanência da perda do olfato e do paladar até problemas mais graves como, por exemplo, episódios de trombose. Alguns pacientes já estão levando mais de seis meses para se recuperar.
Resultados preliminares de uma pesquisa recente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) feita com pessoas que desenvolveram casos graves da doença mostraram que 89,3% delas tiveram algum sintomas prolongados da doença (veja quadro). Entretanto, a situação também se estende para pessoas que desenvolveram quadros leves e moderados da Covid-19 (leia mais ao lado).
O anestesiologista Solon Maia, de 40 anos, teve Covid-19 em dezembro e ficou 80 dias internado e precisou de uma ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea), que funciona como um pulmão artificial, para sobreviver. Em março, ele teve alta. Porém, a previsão é de que o tratamento dele dure de uma dois anos.
Solon teve necrose na cabeça do fêmur de ambas as pernas por conta do uso de medicamentos, estreitamento da garganta pelo tempo que passou entubado e enfrenta a síndrome dos pés caídos pelo tempo que ficou internado, necessitando de um aparelho para ajudá-lo a se locomover. Além disso, tremores nas mãos fazem parte da rotina. “Sei que todo dia eu caminho para melhorar”, pontua.
A designer de interiores LanaZedi, de 58anos, teve a doença em fevereiro e necessitou ficar em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI por dez dias. Durante esse período ela teve 90% de comprometimento pulmonar e precisou ser entubada. Entretanto, depois de recuperada, ela continuou com um comprometimento de 30%.
No próximo mês, Lana ainda terá dese submeter a outros exames para ver seo pulmão continua comprometido. Além disso, ela ainda tem de lidar com alguns sintomas como, por exemplo, a falta de memória. Entretanto, a designer ainda considera que teve uma boa recuperação. “Levando em conta minha idade e o fato de que nunca fui uma grande esportista, acho que estou bem.”
O infectologista Marcelo Daher diz que quanto mais grave um paciente fica, mais comum é ele continuar com sintomas, mesmo depois da alta médica. “Um paciente com comprometimento pulmonar elevado, vai ter uma chance maior de ter problemas depois. Essas pessoas também precisam ter atenção para os eventos tromboembólicos”, aponta.
Entre as principais queixas dos pacientes com síndrome pós-covid, ele aponta a perda do olfato e paladar, confusão mental, perda de memória, falta de concentração, cansaço e fraqueza. “São eventos bastante relatados. O que recomendamos é que esses pacientes (graves) continuem fazendo acompanhamento para avaliação do quadro geral”, esclarece.
PRINCIPAIS ÓRGÃOS
Apesar de ser mais incomum, a síndrome pós-covid pode afetar órgãos importantes como o cérebro e o coração, especialmente naquelas pacientes onde o quadro da doença foi mais grave.
O presidente da Sociedade Goiana de Cardiologia (SGC), Leonardo Sara, aponta que as complicações cardiovasculares mais sérias podem estar relacionadas com o processo inflamatório do músculo cardíaco. “ Isso pode deixar áreas de fibrose no coração, se tornando foco de potenciais arritmias ”, diz. Ele afirma ainda que outra possibilidade de sequelas é o enfarte, seja porque o coração foi sobrecarregado ou porque ele sofreu trombose de alguma artéria.
O neurologista José Guilherme Schwam explica que é possivel que a Covid-19 cause lesões no cérebro e acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Entretanto, esses episódios são mais raros. Ele conta que os sintomas neurológicos vão desde os mais leves, como fraquezas e dificuldades de concentração, até mais graves, como a neuropatia (inflamação dos nervos).
O médico revela que tem sido cada vez mais comum pacientes chegarem ao consultório com sintomas prolongados da doença. Schawm aponta queo melhor caminho para evitar e atenuar esses sintomas é mantendo uma boa rotina de sono, exercícios físicos e alimentação. “Entretanto, caso esses quadros sejam persistentes, a melhor saída é fazer a consulta com um profissional.”
Prejuízos à saúde mental também são significativos
Além das sequelas físicas quea Covid-19 pode deixar, danos psicológicos também estão associados à sindrome póscovid. Estudo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) feito com pacientes graves recuperados da doença mostrou que altos índices de delírios (6,35%) e alucinações (8,71%) em relação a dados disponíveis sobre a população geral.
Na prática, a psicóloga Adriene Rodrigues, diz que tem visto muitos casos de crise de pânico, ansiedade e depressão associados a Covid-19. “Isso vai depender muito do paciente e de como ele e as pessoas próximas enfrentaram a doença”, explica Adriene.
A psicóloga afirma que a maioria dos casos está associada aos pacientes que desenvolveram a doença de forma grave. “Os quadros de depressão e ansiedade são mais comuns nas pessoas que tiveram sequelas relacionadas à saúde física de forma mais acentuada”, aponta.
Adriene afirma que a vontade dos pacientes superarem as sequelas e sintomas prolongados acaba gerando muita ansiedade, o que pode desencadear problemas psicológicos. “Entretanto, é preciso ter paciência durante o tratamento. Pacientes com perda de memória, por exemplo, precisam fazer exercícios para retomar esta habilidade. Isso leva tempo.”
A psicóloga explica que, por si só, a sociedade já vivencia um momento delicado e que as incertezas relacionadas à evolução da doença e as possíveis sequelas posteriores geram ainda mais insegurança nos pacientes. “Esse desequilíbrio interfere na saúde mental das pessoas e isso é, de certa maneira, até natural”, esclarece.
Por isso, o acompanhamento psicológico e até mesmo psiquiátrico deve ser feito assim que os pacientes perceberem comportamentos| diferentes rotineiros. “Sono conturbado, falta de energia e uma agitação exacerbada são sinais que merecem atenção. Quando eles ocorrem, é a hora da pessoa procurar uma ajuda profissional”, finaliza a psicóloga.