Dois anos para o diagnóstico de autismo. Foi esse o tempo que Rose Aviara, 27 anos, levou para saber que seu filho Douglas, hoje com 9 anos (na época com 7), era autista. "Achava que ele estava bem, que a questão de não se comunicar se dava por conta de eventos ocasionais, coisas emocionais", conta Rose que, depois de iniciar e interromper tratamentos (inclusive medicamentosos) contra outras questões, como mutismo seletivo e bipolaridade, já não sabia mais o que fazer. Somem-se à desinformação confessa da mãe dois problemas muito comuns, até hoje, no encaminhamento de pessoas com autismo: a dificuldade da família em avaliar e aceitar o comportamento dessas pessoas e uma linha diagnostica e terapêutica bastante focada nos relatos dos pais, além do exame clínico.
"Eu não conseguia contar aos profissionais que nos assistiam a real condição do Douglas", explica Rose. É generalizada a crença de que pessoas com autismo, que apresentam déficits de interação social, linguagem e interesses restritos e estereotipados, são incapazes de dizer o que sentem ou dar uma ideia do que se passa com elas. E os relatos ou respostas de mães com a mesma dificuldade de Rose, na anamnese no consultório ou por questionários, tornam-se insatisfatórios tanto quanto essa atitude. Quem perde é a criança, em qualidade de vida, pois demora a desfrutar daquilo que pode explorar o potencial de desenvolvimento que possui, mesmo sendo autista.
Um estudo do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), no entanto, pode tornar mais eficazes a avaliação e o acompanhamento dos casos de autismo. A pesquisa verificou que crianças com autismo seriam, sim, capazes de avaliar seu estado, expressar felicidade ou o contrário. Ao todo, 30 crianças, entre 4 e 12 anos, de instituições especializadas em autismo da Grande São Paulo e da capital paulista, foram submetidas a um questionário com perguntas sobre atividades e situações cotidianas. Imagens auxiliavam nas respostas (algumas representadas por carinhas felizes e tristes). Este mesmo questionário foi adaptado para a terceira pessoa, a fim de que os responsáveis e professores pudessem respondê-lo pensando na criança. Assim foram respondidos pelos respectivos familiares das crianças e pelos 24 educadores que as acompanhavam. Nos resultados, duas importantes revelações: o questionário mostrou-se satisfatório para a análise da qualidade de vida de crianças autistas pelos adultos. Também demonstrou facilidade para que o autista o compreenda e por si só e possa respondê-lo. Marília Bernal, autora da pesquisa, sua tese de mestrado, avalia que "o resultado do estudo foi muito importante porque demonstra a viabilidade de se encontrar meios ainda melhores que extrapolem a barreira comunicacional com o autista". Em depoimento à Agência Usp de notícias, completou que o levanto mostra "ser possível a valorização da resposta da própria criança com autismo. E é isto que verdadeiramente importa para o profissional: valorizar a criança, descobrir se ela está ou não feliz com sua vida, além de buscar entender os motivos que a levam a ter um ou outro sentimento". "Os dados da pesquisa são importantes para a estruturação de serviços que atendam esta população", ressaltou, ainda, a pesquisadora.
Método tradicional
Na opinião de Celso Goyos, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), organizador da "Escola São Paulo de Ciência Avançada: Avanços na Pesquisa e no Tratamento do Comportamento Autista (ESPCA: Autism)"*, que acontece em 2012 para especialistas, é importante comparar o relato dos pais com o comportamento do indivíduo autista". Isso, principalmente, em se tratando dos métodos de avaliação da pessoa com autismo que tradicionalmente, e com bastante peso, levam em conta questionários e entrevistas com os responsáveis.
Ele preconiza, para conclusões mais precisas acerca da qualidade de vida dessas pessoas, a observação delas em vários ambientes. Tudo para identificar a ocorrência sistemática de determinados comportamentos, que também devem ser avaliados por diversos indivíduos, e os fatores que causam tais comportamentos, bem como as consequências deles, facilitando sua predição e controle.
"Quaisquer decisões baseadas apenas em entrevistas com os pais podem ser altamente problemáticas porque seus relatos podem não ser fidedignos em relação aos comportamentos exibidos por seus filhos, demonstrando muito mais suas próprias percepções a respeito de seus filhos, e não necessariamente as necessidades da pessoa com comportamento autista", diz Goyos. Isto pode prejudicar a qualidade de vida da pessoa com comportamento autista, uma vez que muitas de suas decisões são tuteladas, aumentando sua dependência e consequente necessidade de supervisão.
Sobre as dificuldades no diagnóstico do autismo, e das questões que envolvem a promoção de uma maior qualidade de vida do autista, o especialista da UFSCar comenta que o Brasil está começando a se voltar para a necessidade de produção de conhecimento sobre essas áreas. "Estamos começando a criar nossos próprios centros de pesquisa, abarcando tanto pesquisas básicas como pesquisas de ponte, que se preocupam em fazer a transição de laboratórios para a aplicação prática", acredita Goyos. O pesquisador explica, ainda, que, em função de ainda não haver marcadores biológicos e exames específicos para o autismo, e o quadro clínico ser geral e facilitar o enquadramento de outros problemas e síndromes, o diagnóstico muitas vezes é ineficiente e tardio, dificultando intervenções precoces e intensivas que poderiam melhorar a qualidade de vida dessas pessoas, corroborando o caso de Rose Aviara e Douglas, mencionado nesta reportagem. Atualmente, existem escalas que possibilitam uma avaliação mais específica do comportamento autista, o que facilita um diagnóstico inicial, porém essas escalas não levam em consideração idiossincrasias de cada indivíduo, que podem ser consideradas apenas a partir de observações diretas.
Educação especial
As secretarias de educação, como a de São Paulo, classificam algumas crianças com deficiência em categorias. Uma delas é a de "Necessidades educacionais especiais", onde se encontram as pessoas com autismo. Estudos epidemiológicos sugerem uma prevalência de autismo entre 5% a 10% da população. Dados do Censo Escolar do Ministério da Educação e Cultura (MEC/ INEP) destacaram que, entre os anos de 1998 e 2006, houve um aumento no número de matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais de ensino em 640% nas escolas regulares contra 28% nas escolas e classes especiais. Além disso, o Censo apontou o crescimento de 146% de matrículas de alunos com deficiência em escolas públicas regulares e 64% em escolas privadas regulares.
*SOBRE A "ESCOLA SAO PAULO"
A "Escola São Paulo de Ciência Avançada: Avanços na Pesquisa e no Tratamento do Comportamento Autista (ESPCA: Autism)", evento patrocinado pela FAPESP (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (www.lahmiei.ufscar.br/espca), ocorrerá entre 9 e 13 de janeiro. Nela se reunirão pesquisadores do Brasil, dos EUA, Europa e Canadá se reunirão para discutir o autismo. "Embora a questão da transferência do conhecimento ao longo dos vários níveis seja importante em si mesma, e exige atenção específica, espera-se que, muito rapidamente, todos esses esforços possam alcançar a população-alvo, seus pais, cuidadores, instituições especializadas e escolas inclusivas", completa Goyos).