Dispositivo desenvolvido na USP São Carlos funciona como teste de covid-19, custa cerca de mil reais e a resposta sai em 30 minutos.
Os desafios trazidos pela pandemia de covid-19 têm estimulado inovações em várias frentes. Uma delas é o desenvolvimento de métodos de baixo custo para o diagnóstico clínico. Nesse campo, inserem-se os genossensores. Baseados em ácidos nucleicos que detectam fitas simples com sequências complementares de DNA ou RNA, os genossensores são biossensores que possibilitam testes em massa para detecção imediata e sensível de material genético.
Um dispositivo desse tipo, de eficiência comprovada na detecção do SARS-CoV-2, acaba de ser produzido por uma equipe multidisciplinar de pesquisadores de várias instituições, coordenada pelo físico Osvaldo Novais de Oliveira Junior, professor do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP). O resultado da análise pode ficar pronto em 30 minutos, com custos em escala laboratorial de menos de um dólar para cada genossensor. O custo dos componentes do medidor de impedância, que constitui uma parte durável do dispositivo, é inferior a mil reais. O dispositivo já existe, em escala de laboratório, e a tecnologia pode ser transferida para qualquer empresa que cumpra os requisitos necessários para a produção em massa.
“Nosso genossensor é capaz de imobilizar uma fita simples de DNA, utilizada como sequência de captura. Em condições apropriadas, a fita simples imobilizada liga-se a outra fita simples e complementar de DNA eventualmente contida na amostra líquida a ser analisada. Esse processo, chamado de hibridização, denuncia a presença do SARS-CoV-2 na amostra, que pode ser constituída por saliva ou outros fluidos corporais”, diz à Agência Fapesp a química Juliana Coatrini Soares.
Como funciona – O dispositivo é composto por uma monocamada auto-organizada do ácido 11-mercaptoundecanoico (11-MUA) ligada quimicamente a eletrodos de vidro contendo trilhas de ouro de dimensões micrométricas ou a superfícies contendo nanopartículas de ouro. Esse ambiente consegue imobilizar a fita simples de DNA ou RNA empregada como sequência de captura. E a hibridização com a fita complementar eventualmente existente na amostra é denunciada por meio da variação de parâmetros físicos, detectada por espectroscopia de impedância elétrica ou eletroquímica e ressonância de plásmons de superfície localizada.
“Após a hibridização, ocorre um aumento da resistência elétrica na superfície do sensor, que pode ser monitorada por um analisador de impedância de baixo custo, na faixa de US$ 100, desenvolvido em nosso laboratório pelo engenheiro Lorenzo Buscaglia, um dos integrantes do grupo. Outro efeito da hibridização entre a sequência de captura e a sequência complementar do SARS-CoV-2 é o deslocamento do pico de absorbância no espectro transmitido, que pode ser monitorado por meio de ressonância de plásmons de superfície localizada, utilizando-se um espectrofotômetro”, explica o químico Paulo Augusto Raymundo Pereira, do IFSC-USP, que participou da pesquisa.
A maior sensibilidade alcançada no estudo corresponde a 0,3 cópia por microlitro – suficiente para detectar a sequência de DNA na saliva ou em outros fluidos corporais. E o diagnóstico de sequências complementares de SARS-CoV-2 também foi feito por meio de técnicas de aprendizado de máquina aplicadas a imagens de microscopia eletrônica de varredura obtidas de genossensores expostos a concentrações distintas das sequências de DNA complementares. “Ao aplicar algoritmos de aprendizado de máquina ao processamento de imagens, pudemos obter uma alta precisão de distinção entre as diferentes concentrações de sequências complementares de DNA do SARS-CoV-2”, informa Raymundo Pereira.
Em todos os experimentos de detecção, a seletividade dos genossensores foi verificada com amostras-controle, incluindo uma sequência negativa para SARS-CoV-2 e outros biomarcadores de DNA não relacionados ao novo coronavírus. Analisando os dados obtidos com a técnica de projeção multidimensional IDMAP (do inglês interactive document mapping), uma separação clara foi observada entre as amostras da sequência de DNA complementar em várias concentrações e as amostras contendo uma sequência não complementar e outros biomarcadores de DNA não correlacionados ao SARS-CoV-2.
“A vantagem de se usar várias metodologias de detecção está na versatilidade do modo de operação que permite implementação do método de diagnóstico de acordo com a realidade de cada país ou de cada região de países continentais, como é o caso do Brasil. E nosso genossensor é promissor para detectar material genético de novas variantes do SARS-CoV-2. Para isso, uma vez conhecido o sequenciamento genético da variante, basta trocar a fita simples de DNA usada como sequência de captura”, comenta Oliveira Junior. A equipe multidisciplinar que desenvolveu o dispositivo integrou pesquisadores do IFSC-USP, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP), Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC-USP), da Embrapa Instrumentação e do Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe, de Curitiba, Paraná.
Fonte: R7