O sr. é o ministro mais antigo no primeiro escalão do governo. Está no cargo desde 1992, nomeado pelo ex-presidente Itamar Franco. Que química explica tão longa permanência no cargo? Tem um componente de "mineirice" nisso, no sentido de habilidade política?
Talvez falta de imaginação dos presidentes em achar substitutos (risos). Na verdade, não há explicação maior, a não ser que eu sou do ramo, tenho certa presença na comunidade científica daqui e na internacional. Presidi o conselho executivo da Unesco sou presidente da Academia de Ciências do Terceiro Mundo, com sede em Trieste (Itália), sou um velho professore e por que negar, sou amigo dos dois presidentes, tanto Itamar Franco quanto FHC.
Em 87, quando o presidente Sarney fez mais uma reforma ministerial, o sr. foi contra a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia. Hoje é o titular da Pasta. Como explica essa ironia do destino?
Não é ironia nenhuma. Eu achava e continuo adiando que ciência e tecnologia é um setor presente hoje em todas as áreas. Mas se esta universalidade é uma vantagem, ela gera também problemas e conflitos, e estes são, muitas vezes, de atribuição.
Sendo mineiro, eu não gosto de conflitos. Mas, de qualquer maneira, como a área de ciência e tecnologia é extremamente importante, eu defendia que uma maneira de evitar conflitos era ter uma secretaria especial ligada à Presidência ou ao Ministério do Planejamento um ministério forte, que fizesse com que a ciência e tecnologia estivesse presente em todas as atividades governamentais e que não fosse obstaculizada por conflitos. Portanto, não há nenhuma incongruência nisso. Por outro lado, lendo sido criado o MCT e eu tendo sido convidado para ocupar o cargo, tive a sorte de ser convocado por dois presidentes que deram à ciência e tecnologia grande importância. Primeiro, o presidente Itamar Franco, por formação um engenheiro. Segundo, o presidente Fernando Henrique Cardoso, um cientista social, e, portanto, também uma pessoa que se dá perfeitamente conta da importância geral da ciência e da tecnologia. E, particularmente, da importância critica, aguda neste momento de abertura do comércio mundial, da necessidade das empresas brasileiras se prepararem para enfrentar esta competição, através do uso da inteligência e da racionalidade. Esta é, aliás, uma outra definição de ciência e tecnologia.
Simultaneamente à carreira acadêmica, na qual conquistou o respeito nos meios científicos nacional e internacional, o sr. desenvolveu uma carreira política. Como é possível conciliar a ciência com a ocupação de cargos eminentemente políticos, como o de ministro?
Não sei se por azar ou acidente, o fato é que Aureliano Chaves era engenheiro, professor universitário da área energética, área com a qual eu estava intimamente ligado. Trabalhei anos na Comissão de Energia Atômica da França, sempre me dediquei à área energética, então é natural de certa maneira que o Aureliano me convocasse para compor o governo dele e criar a primeira Secretaria de Ciência e Tecnologia no Brasil. Em seguida, o meu colega de secretariado em Minas, o João Camilo Pena, foi para o Ministério da Indústria e Comércio. Eu então fui para a Secretaria de Tecnologia Industrial para tocar alguns programas importantes, como o da metrologia, o da qualidade, o Programa Nacional do Álcool — o maior programa de energia alternativa do mundo — e outros ligados a área energética. Eu diria que a vida política foi uma coincidência de geração e de opções técnicas, científicas etc, que me ligou a essas pessoas. Agora, me incomoda um pouco a denominação de político, porque eu, em primeiro lugar, nunca disputei um cargo eletivo e, em segundo, não sou e nem nunca fui membro de nenhum partido político.
É mineiro e não teve nenhuma militância ao longo da carreira?
Ah! militância sim. Como estudante fui secretário da UEE de São Paulo quando estudava aqui, fui da UNE e tive uma presença política radical, quando jovem, como todo mundo da época.
Em 86, quando era assessor do então ministro das Minas e Energia, Aureliano Chaves, o sr. via na questão da energia uma espécie de encruzilhada e dizia que ou o País optava por continuar pobre com uma indústria consumindo menos energia elétrica ou ser mais rico consumindo energia nuclear. Esse impasse continua até hoje?
Temos no Brasil uma década perdida, em função de algumas coisas, entre as quais da crise energética. A energia é a capacidade de produzir trabalho. Esta é uma definição técnica, não é retórica nem Literária. A própria linguagem do setor energético recorda isso, quando fala em "1 bilhão de cavalos, 100 mil cavalos". O que é isso? É um motor que substitui o trabalho de mil ou de um milhão de cavalos. Por isso, energia é o melhor indicador de desenvolvimento econômico e social. Sem energia não há desenvolvimento.
E a questão da energia nuclear, especificamente?
Sempre fui favorável à energia nuclear porque ela hoje representa 16% da energia elétrica gerada no mundo e 5% a 6% do balanço energético mundial. Existem países, como a França, em que 70% da energia é nuclear. Evidentemente, quando se fala em energia nuclear há preocupação com custo, com a segurança, mas todos problemas técnicos que podem ser resolvidos.
Energia nuclear é um setor em evolução, dinâmico e que representa já 16% da energia elétrica gerada no mundo. Vamos então falar do Brasil: o País tem um sistema energético extremamente benéfico — "61% da energia consumida no Brasil é renovável. Não há nenhum país de padrão industrial comparado com o do Brasil com uma situação tão benéfica. Com a retomada do desenvolvimento econômico em nível mundial, com as preocupações ambientais, eu não tenho dúvida de que os programas do uso de biomassa, como álcool e energia nuclear, vão representar as opções do futuro. E energia nuclear não afeta o meio ambiente deste ponto de vista, não há emissões de gases.
Como o Brasil pode acompanhar o processo de globalização, no qual imperam fatores como concorrência, competitividade, tecnologia, infra-estrutura e mão-de-obra especializada, com tão pouco investimento em ciência e tecnologia?
Exatamente investindo em educação, ciência e tecnologia. Nós já tivemos um esforço considerável na área universitária, onde saímos de 60 mil estudantes em 1947 para 1,6 milhão no fim dos anos 80. Este pessoal permitiu que no mesmo período nosso PIB fosse multiplicado por um fator de 12.5, inferior apenas ao crescimento do PIB do Japão que foi de 19.6. Todos os demais países tiveram crescimento significativamente inferior. Isso só foi possível porque nós tínhamos quadros técnicos para gerenciar essa tecnologia, o que foi capaz de transformar o Brasil, que era um país agrícola, em um país industrializado. Formamos quadros competentes para gerar o processo de educação básica, que certamente esteve abandonado. Agora é indispensável ainda um grande esforço para ampliação e modernização do sistema, educacional básico.
E como estão os investimentos do Brasil em termos de formação de "cérebros", de pesquisadores e cientistas para alavancar o desenvolvimento industrial?
Só o CNPq e a Capes mantêm cerca de 60 mil bolsistas, 5 mil no exterior. Setores como o de química dobraram o número de doutores nos últimos cinco anos. Fizemos um esforço para enfrentar esse novo mundo e, de 85 para cá, treinamos uma média anual de 20 mil gestores em qualidade industrial de serviços. Hoje já temos 200 mil treinados nessa área e mais de 1.200 empresas no Brasil já têm o ISO 9000.
Ainda em relação ao processo de globalização, que contribuições o Brasil recebe ou pode dar aos demais países do Mercosul?
O Brasil é hoje o único país da América Latina que tem um balanço positivo na exportação de ciência e tecnologia. Podemos dar uma contribuição importante porque temos produtos de alta tecnologia, mas temos também o que aprender, como na área de biotecnologia com a Argentina.
No início de sua gestão, o sr. previu que até o ano 2000 o Brasil estaria participando com 1% do mercado mundial de software. Esta meta será atingida?
Está indo bem. No ano passado, cresceu 100%. Se mantivermos esse crescimento, vamos chegar aos US$ 2 bilhões que esperamos exportar no ano 2000. Esse é um programa exemplar. O governo entrou durante três anos financiou, promoveu articulação do Estado, das entidades, das prefeituras e ao fim desse período saímos do programa e deixamos que as empresas cuidassem de seu gerenciamento. O governo investiu uns US$ 70 milhões, o que é muito barato, porque é um programa que deve criar 50 mil novos empregos até 2000. Temos escritórios nos EUA. Alemanha e China, vendendo software. Vendemos software para o Pentágono, o que não é trivial. Em informática, o segundo programa importante é a expansão da Rede Nacional de Pesquisa, a RNP. Estamos com 1 milhão de assinantes na Internet. Isto é três vezes o número de assinantes da França e as pessoas não se dão conta disso. É mais que a Espanha, mais que a Itália. E nós crescemos nessa área, no ano passado, 800%, tanto que agora estamos examinando com o governo americano uma cooperação. Nos EUA está sendo lançado o chamado Internet 2, que é o Internet científico e técnico e nós estamos participando das discussões. Somos o único país convidado. Na verdade, o único indivíduo convidado é o secretário de informática do Brasil, Ivan de Moura Campos, extremamente competente. Ele está lá participando desse Internet 2 que, para você ter uma idéia de escala, deve gerar interligação em centros de supercomputação a 670 megabytes por segundo. O mais alto padrão hoje é dois megabytes por segundo e é o que nós temos aqui.
Depois de padecer vários anos com uma lei de reserva de mercado na área, como o sr. vê a situação do Brasil, agora, com a vigência de uma nova lei de informática ?
A lei de informática que está em vigor partiu de um princípio do qual eu me sinto muito à vontade para falar, na medida que eu não sou o autor. A lei é do Congresso Nacional e ele chegou à conclusão de que o único sistema de proteção da indústria nacional é a competência, a inteligência. E o que diz a lei? Que as empresas que investirem mais do que 5% do seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento pagam metade do imposto de renda, não pagam IPI etc.
Isso permitiu a criação de três programas nacionais de informática: a Rede Nacional de Pesquisa, o programa de software para gerar o Softex 2000 e o Protem, um programa de pro - desenvolvimento de temas de pesquisa nas empresas. Nós hoje temos mais doutores em informática do que a Coréia do Sul. Eles estão fazendo pesquisas, trabalhando e, para se ter uma idéia, dos 1 milhão de computadores fabricados no Brasil boa parte saem das mais de 5 mil pequenas empresas de "cérebro" que nós nem sabíamos que existiam porque estão cadastradas como prestadoras de serviço. Desse 1 milhão de computadores, 450, mil são fabricados por essas pequenas empresas e 550 mil por fabricantes tradicionais. O setor de informática tem crescido 10% ao ano e esse ano devemos ficar no; patamar de R$ 13 bilhões a R$ 15 bilhões.
A ONU elegeu 98 como o "Ano do Mar", programando uma série, de atividades que serão coordenadas pelo ex-presidente de Portugal Mário Soares. O sr. foi escolhido representante da América Latina. Que propostas o sr. vai levar? Que contribuição a América Latina pode dar para a preservação do mar e melhor aproveitamento de suas riquezas?
Sou vice-presidente da Comissão Internacional Independente sobre Mares. Estamos preparando para as Nações Unidas um relatório sobre a situação mundial dos mares. Este trabalho será concluído em 98, em Lisboa, onde vamos inaugurar uma grande feira internacional dos oceanos. Eu criei uma comissão nacional com a Academia Brasileira de Ciências. Envolvemos cientistas, empresas, um diretor da Petrobrás, outro da Vale do Rio Doce, ao todo 15 pessoas.
Como vice-presidente da comissão, já participei de reunião em Tóquio e organizei uma no Brasil. Teremos ainda reuniões nos EUA, na África e, por último, em Lisboa. O objetivo dessa comissão é a conscientização pública da importância dos mares como suporte de vida. O primeiro fato importante é que ninguém é dono de mar, excetuando-se, é claro, os 300 km da faixa continental. Dai a importância de se conscientizar a todos sobre o problema da poluição marinha e da necessidade de preservação das espécies marinhas. O relatório que será apresentado às Nações Unidas, e que servirá de base para uma política com recomendações, para todos os paises, terá questões políticas, jurídicas, ambientais e científicas.
Como está o trabalho de seu ministério na parceria com a China, em projetos de tecnologia espacial? O MCT coopera nesta área no projeto conjunto que o Brasil desenvolve também com a França?
Temos trabalhos bilaterais com a China, França e EUA. Há um desejo generalizado dos outros países de trabalhar com o Brasil. Na área espacial nós somos o terceiro maior utilizador de imagem do mundo, perdendo apenas para os EUA e Canadá. Compramos muita imagem até porque a nossa dimensão continental exige. Com a China temos um acordo de desenvolvimento de quatro satélites e vamos vender serviços. Vamos estabelecer uma companhia binacional com os chineses para vendermos imagens de satélites para coleta de dados. Estamos fazendo o primeiro satélite de órbita equatorial do mundo que possibilitará a coleta de dados dos recursos naturais, possibilitando uma maior e melhor gestão dos recursos naturais, como por exemplo de nossas florestas. Com a França já temos um satélite em órbita há quatro anos.
QUEM É ISRAEL VARGAS
Nome: José Israel Vargas
Idade: 69 anos
Onde nasceu: Paracatu, Minas Gerais.
Estado civil: Casado; três filhas.
Formação: Bacharel em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais e PhD em física nuclear, pela Universidade de Cambridge.
Atividade profissional: Ministro Ciência e Tecnologia desde outubro de 1992; chanceler da Ordem Nacional do Mérito Científico a partir de 94 e professor emérito da UFMG desde 89. Ocupa ainda cargos em organizações nacionais e internacionais, ligados a ciência e tecnologia entre eles ó de presidente do Comitê de Ciência e Tecnologia da Organização Internacional do Trabalho (OIT), presidente da Academia de Ciências do Terceiro Mundo, membro do Conselho Diretor e Fundador do Clube Internacional de. Energia de Moscou, do Comitê de Assessoramento científico do Centro Regional da Unesco para a Ciência e Tecnologia na América Latina e do Conselho Consultivo Internacional sobre Comunicações científicas Globais. Entre as diversas funções que já desempenhou estão a de vice-presidente do Comitê Assessor das Nações Unidas em Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento, presidente do Conselho Executivo da Unesco e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências.
Prêmios: Prêmio IBM de Ciência e Tecnologia da Academia Brasileira de Ciências e Prêmio Leloir de Ciências (Argentina).
Notícia
Jornal da Tarde