Quinhentos multiplicado por uma dúzia dizem os matemáticos que dá 6 mil. Esse é o número aproximado de reportagens publicadas pelo Jornal da USP em 14 anos de vida - em média doze por edição -, sem contar os textos de opinião, tradicionalmente inseridos na página 2, as notas breves e todo o material informativo da editoria "Vamos". Nascido com o propósito de traduzir em linguagem acessível a todos os mortais as melhores linhas de pesquisa da Universidade e de apresentar a visão crítica dos cientistas da USP sobre as questões nacionais mais relevantes do momento, o jornal se envolveu, já no primeiro ano, em acirrada polêmica sobre a necessidade de diploma para exercer a profissão de jornalista. O editor responsável da época dizia em editorial que a exigência do canudo não passava de corporativismo de classe e das escolas de jornalismo e só prejudicava as redações. Choveram protestos de professores da ECA, que se consideraram insultados. Dois anos depois (setembro de 87), outra reportagem de fogo. A manchete "Dias de tensão na Universidade" contava a grita de aproximadamente 150 estudantes contra a presença da Polícia Militar que havia ocupado parte do prédio de História e Geografia. Mas nem tudo é polêmica. Grandes temas de diversas áreas do conhecimento, avanços tecnológicos, pesquisas de ponta, as lutas da Universidade contra os desmandos da ditadura e por um ensino de qualidade, a defesa do ensino público e dos segmentos socialmente excluídos, a humanização do trote, os grandes eventos dedicados à apresentação de subsídios para políticas governamentais na saúde, trabalho, educação e meio ambiente tornaram-se uma constante nas pautas do jornal. Sem esquecer as manifestações de arte em museus e exposições diversas, as atividades esportivas e de educação física, as obras construtivas nos campi, os melhoramentos nas redes elétrica e de água e, ainda, a celebração de datas memoráveis como o centenário do tratado de amizade Brasil-Japão. Os alunos mereceram cobertura destacada em muitos momentos, especialmente quando em estágios de cunho social, viagens ao exterior e apresentação de trabalhos de iniciação científica.
ENSINO PÚBLICO E GRATUITO, SEMPRE
A defesa do ensino superior público e gratuito aparece como manchete em outubro de 88, informando sobre encontro de 600 pessoas no Anfiteatro da USP, entre professores e funcionários das três universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp), quando foi lançada a memorável campanha SOS Universidade. Presença de grandes mestres uspianos, a exemplo de Antonio Candido, Aziz Simão e Florestan Fernandes. O tema voltou a ser tratado em diversas outras edições, culminando com a de nº 499A, que anunciou o lançamento na Reitoria de documento preparado por 19 cientistas que concluíram ser o ensino público o responsável pelas maiores conquistas tecnológicas do Brasil e por ações tendentes a levar a sociedade brasileira a um nível de vida mais digno.
Universidade pública: mas como entrar nela? Em junho de 92, a Pró-Reitoria de Graduação, com apoio do Jornal da USP, reuniu professores e especialistas em didática para que analisassem o sistema de provas e correção no vestibular. Um dossiê de 11 páginas trazia as principais conclusões do encontro, a maioria favorável aos testes de múltipla escolha e à prova de redação desde que não eliminatória. Antes disso, a Fuvest fornecera boas pautas para o jornal, sendo que uma delas - em junho de 89 - anunciava a adesão da Universidade Federal de São Carlos ao processo de seleção usado pela USP.
Educação, ainda: em abril de 95 era manchete iniciativa da Escola do Futuro, instituição ligada à Pró-Reitoria de Pesquisa, reunindo educadores da América Latina para debater o uso de redes eletrônicas em educação e cultura. A Escola do Futuro é responsável por projetos que mudaram a cara do ensino de 1º e 2º graus nas escolas públicas e particulares. Aliás, o ensino via computador e a distância, por esse e outros meios, é polêmico. Em julho de 92, era manchete do Jornal da USP: "A Universidade na era da informática", informando o leitor sobre como os computadores ajudam a descobrir novas tecnologias, curar doenças e acelerar o intercâmbio com outros centros do saber. Mais recentemente, novembro de 98, uma reportagem que mereceu capa opôs opiniões de vários especialistas da Universidade quanto à validade, ou não, do uso de micros em salas de aula onde estudam crianças. Um pioneiro da USP na área de computação, o professor Valdemar Setzer, condenava a "máquina diabólica", enquanto Fredric Litto, da Escola do Futuro, dizia que o computador deve ser usado na escola "assim que a criança consiga alcançar o teclado". O texto mereceu artigo elogioso do professor Roque Spencer Maciel de Barros (já falecido), no Jornal da Tarde. O ensino a distância e as instituições que o ministram na USP - especialmente a Fundação Vanzolini, ligada à Escola Politécnica - mereceram muitas outras matérias. Na edição anterior a esta, o jornal analisou em profundidade a proposta do governo de instituir a graduação virtual, à qual a USP não aderiu de pronto, embora não descarte essa possibilidade desde que seja mantida a excelência dos cursos.
E as empresas? É sabido que a universidade brasileira está interessada em estreitar os vínculos com os empresários, que são afinal os que mais aproveitam as novas tecnologias derivadas de pesquisas universitárias e os que estão em melhores condições de aportar recursos para a investigação científica. No quinto ano de vida, dezembro de 1990, o Jornal da USP preparou edição especial, informando que a USP trabalhava na época com cerca de 300 projetos para atender às necessidades de empresas nacionais e anunciava debate sobre a maneira de essa associação garantir o desenvolvimento científico do País. As parcerias USP-empresas são permanentes e um órgão especialmente criado para incentivá-las é a Cecae - Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e de Atividades Especiais. A Cecae também tem atuação destacada em programas de cunho social, como o Projeto Avizinhar, da Reitoria, e que fez por merecer seguidas reportagens do jornal.
DE ÁGUAS E DE ARARAS
Não nos esqueçamos dos temas tão recorrentes e de tanto gosto de naturalistas, antropólogos e defensores da natureza - atualidade que o Jornal da USP entendeu e acompanhou passo a passo: índios, fauna e flora amazônicas, preservação de rios e das águas subterrâneas e até as aventuras do explorador Jean Cousteau. A nação Yanomami compareceu à manchete numa edição de abril de 1987; os caminhos dos ancestrais dos nossos índios, que vieram da Ásia, está na capa do nº 216, de maio de 92, e em junho de 95 o jornal informava que Cousteau, com as bênçãos da Unesco, escolheu a USP para criar na América Latina um curso sobre ecotecnia, uma associação da tecnologia com a ecologia. Um seminário nas Colméias analisou a parceria.
A extensa Amazônia pedia edição proporcional e ela veio em outubro de 91 para informar que em mais de 500 trabalhos, de 200 pesquisadores, e junto com dois grandes projetos (Cena e combate à malária), a Universidade estava ajudando o Brasil a conhecer melhor sua imensa floresta. Nove anos depois, a região do norte ganha projeto bem mais ambicioso, a Bioamazônia, com objetivos científicos, comerciais e humanos. A notícia está na edição imediatamente anterior a esta.
Quanto à água, elemento essencial à vida e aos poetas, tem presença garantida no Jornal da USP. Ilustrada com foto do solo crestado do Nordeste, a manchete "Seca" de uma edição de abril de 93, tão seca quanto a terra visitada pelo fotógrafo, revelava no texto que nada disso deveria acontecer, porque a região é riquíssima em águas subterrâneas e só faltava vontade política para transformar aquilo em hortas contínuas como fez Israel com os seus desertos. "Salvem as águas da vida" trazia o mesmo assunto para a edição de de 23 a 29 de março de 98, aproveitando o "gancho" do Ano Internacional dos Oceanos, quando governos e cientistas programavam encontros e debates sobre temas ambientais. Por ocasião dos debates no evento A USP fala sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente (junho de 99), o jornal usou as páginas centrais para destacar que três temas fundamentais seriam analisados: meio ambiente urbano, biodiversidade e manejo ambiental e instrumentos de gestão ambiental. O assunto também veio à tona na edição 499A, chamado pela criação no Congresso Nacional da Agência Nacional de Águas e pela campanha de uso racional desse elemento nos campi da USP. Bem antes disso, em abril de 92, edição especial apresentava, sob o título "Tietê renasce", centenas de trabalhos e pesquisas da Universidade que ajudariam a conhecer e a limpar o maior rio de São Paulo. Na capa, bela foto da nascente do Tietê, único lugar onde o rio ainda era límpido. Em outras edições, o jornal tratou do saneamento e aspectos humanos do Vale do Ribeira (dezembro de 94) e a região de Paranapiacaba (março de 95). A reportagem do Vale do Ribeira contava atividades multidisciplinares do pessoal da USP, mais ou menos à semelhança do Projeto Rondon.
Que as araras-azuis não fiquem de fora. Foi em junho de 92 que um repórter do Jornal da USP acompanhou um dia de trabalho de uma bióloga no Pantanal Mato-Grossense. A pesquisadora, subindo em árvores como esquilo, descobria e conservava ninhos dessa espécie de psitacídeos, ameaçada de extinção. A foto de capa traz uma dupla de araras-azuis espiando o mundo do ninho, encravado num tronco de árvore centenária. Longe da redação fica a Ilha de Trindade (ES), mas ela compareceu às páginas do jornal em edição de fevereiro de 97 como "A porção brasileira do paraíso". Tratava-se de um álbum sobre ilhas e contava e ilustrava o Projeto Brasil Aventura, criado pelo fotógrafo Roberto Linsker e a jornalista Ana Augusta Rocha.
LARANJAS, AIDS E TUBERCULOSE
O relembramento dos 500 números do Jornal da USP empaca quando se quer destacar as melhores pesquisas na área da tecnologia. São tantas que se é tentado a ficar na situação do burro que morre de fome e sede porque não consegue se decidir entre o capim e a água. Fiquemos em apenas alguns feixes: em novembro de 97, o jornal trazia a primeira reportagem sobre projeto da Fapesp de seqüenciar geneticamente a bactéria do "amarelinho" que devasta os laranjais paulistas. Um ano depois (novembro de 98), voltava ao assunto com o título "Biotecnologia em três tempos", informando que pesquisadores do Projeto Genoma observavam com especial atenção dez genes da bactéria Xylella fastidiosa, que aparentemente explicariam o surgimento da doença cítrica. Na mesma edição, um professor da Faculdade de Medicina Veterináriam e Zootecnia da USP explicava em artigo remetido da cidade de Leeds, Reino Unido, a polêmica sobre alimentos geneticamente modificados. Em 1996, 2 de março, o jornal contava que equipe do Laboratório de Biologia conseguiu localizar no cromosso 5 um dos genes causadores da distrofia muscular. Pesquisa semelhante era ocupação de vários anos de cientistas da Europa e Estados Unidos.
Notícia boa de publicar (agosto de 99) foi a de que um professor da USP de Ribeirão Preto, Célio Lopes Silva e equipe estavam para iniciar testes em pessoas de uma vacina gênica contra a tuberculose. As pesquisas continuam ainda e se tudo der certo a vacina vai salvar da morte milhões de pessoas em todo o mundo.
Por sinal, no campo da saúde o Jornal da USP praticamente não deixou passar semana sem matéria. Já em seu quarto ano (janeiro de 88) trazia notícia de campanha interna da USP para o combate à Aids, anunciando a primeira reunião de um grupo de trabalho criado pelo então reitor José Goldemberg. A Aids e o séquito de doenças que ela faz ressurgir permearam páginas e páginas em edições subseqüentes. Memorável a edição de 22 a 28 de maio de 95 com a manchete "Amor cego e submisso é aliado da Aids". A reportagem dizia que, quando apaixonadas, as mulheres não se previnem, mesmo conhecendo os riscos, e costumam culpar-se em vez de acusar o marido ou o companheiro que as infectou. A cobertura das comemorações do centenário de amizade Brasil/Japão e, depois, dos 90 anos de imigração japonesa, foi esteticamente e graficamente facilitada porque os festejos não se limitaram a discursos e coquetéis, mas trouxeram para os palcos e pátios grupos folclóricos e danças típicas dos dois países. Exemplo disso é a edição de 24 a 30 de agosto de 98, que nas páginas centrais trazia o título "Brasil e Japão no ritmo do taiko e do berimbau".
E sobre política, nada? Tudo nas edições 196 de 18 a 24 de novembro de 91 e 209 de 23 a 29 de março de 92. A primeira - "Esquerda, volver" - perguntava se essa turma estava perplexa, desatualizada ou órfã de uma ideologia. "Isoladamente ou em conjunto, todas essas situações da esquerda diante do desmoronamento do socialismo são admitidas por um grupo de pensadores. Exceto um, todos acham que o socialismo deve se renovar e prossegu8ir". A outra manchete- "A esquerda atrás de idéias" - anunciava que, passado o choque da queda do comunismo no Leste Europeu, os nossos intelectuais tinham propostas para corrigir as falhas do velho socialismo. Tantas e tão discordantes que até hoje a busca continua.
Uma só vez o Jornal da USP se permitiu uma brincadeira. Na edição de 1º de abril de 91, informou em manchete a descoberta da técnica do empacotamento da água. O texto, preparado com a conivência do então diretor do Instituto de Química, professor Walter Colli, quase revelava a mentira: "O cientista Gudrum Wasserfeld, do IQUSP (Instituto de Química da USP), descobriu um método revolucionário de hiperempacotamento de água. Ele, que só agora revela a descoberta com exclusividade ao Jornal da USP, até já construiu um aparelho de médio porte capaz de transformar 10 litros de água em pó de água em, aproximadamente, 10 minutos". A alquimia resolveria o problema das enchentes em São Paulo: "Bastará sugar a água através de potentes mangueiras de um lado e recolher o pó de água do outro". O pior é que Gudrum Wasserfeld, que se doutorou na "Universidade de Achetwoo, Springwater, EUA", não escondia a expectativa de um Prêmio Nobel. Alguns pesquisadores não acharam graça nenhuma.
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