A invasão de ecossistemas brasileiros por espécies provenientes de outros biomas, países ou continentes é um desafio para os conservacionistas. Há vários exemplos, como os javalis originários da Europa e importados para fazendas no Uruguai, de onde escaparam para o Brasil nos anos 1990, alastrando-se desde então pelas regiões Sul e Sudeste.
Entre os invasores há também anfíbios. Um grupo de biólogos das universidades paulistas acaba de publicar o primeiro levantamento de anfíbios invasores dos biomas brasileiros. Contabilizaram a presença de nada menos que seis espécies diferentes, entre sapos, rãs e pererecas, espalhados por boa parte do país.
Algumas invasões são recentes, como é o caso da perereca-assobiadora (Eleutherodactylus johnstonei), introduzida acidentalmente na cidade de São Paulo há menos de uma década. Outros casos são mais antigos, como o sapo-cururu (Rhinella jimi), que chegou ao arquipélago de Fernando de Noronha há 130 anos.
Resultados do trabalho foram publicados na PLOS ONE em artigo de Lucas Forti, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luís Felipe Toledo, chefe do Laboratório de História Natural de Anfíbios Brasileiros da Unicamp, Célio Haddad, professor do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e outros. A pesquisa contou com diversos apoios da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), sob a forma de auxílios e bolsas.
A ideia de fazer um levantamento dos anfíbios invasores nos biomas brasileiros surgiu no verão de 2013-2014, quando Forti observou nos jardins de um condomínio no Guarujá (SP), uma infestação de pererecas-das-bromélias (Phyllodytes luteolus). “Trata-se de uma espécie cujo habitat original são as porções de Mata Atlântica que se estendem desde o norte do Rio de Janeiro até a Paraíba”, disse.
O pesquisador suspeita que as pererecas-das-bromélias tenham sido introduzidas no Guarujá acidentalmente, por meio do comércio de plantas ornamentais, uma vez que a espécie, como seu nome indica, costuma viver nos acúmulos de água entre as folhas das bromélias.
Outra invasão foi identificada em algumas ruas do Bairro do Brooklin, na Zona Sul da cidade de São Paulo. Em 2014, diversas famílias começaram a se queixar de um barulho ensurdecedor que tirava seu sono.
Cururu e rã-touro
Há, ainda, outros dois casos de bioinvasão bastante conhecidos pelos cientistas. Um deles é na ilha de Fernando de Noronha, onde os primeiros sapos-cururus, naturais do Nordeste, foram introduzidos pelo padre Francisco Adelino de Brito Dantas (1825-1893), que em 1888 assumiu o posto de capelão da colônia penal que lá funcionava.
O anfíbio bioinvasor com presença mais ampla no Brasil e com as consequências mais graves é a rã-touro (Lithobastes castesbeianus). Natural da América do Norte, foi importada para a ranicultura nos anos 1930 e logo escapou dos ranários para o meio ambiente, encontrando-se hoje disseminada pelas manchas de Mata Atlântica em diversos estados do Sul e do Sudeste. É um animal grande, de até 20 centímetros, e que come de tudo, desde insetos, filhotes de pequenos mamíferos e pequenas aves até membros jovens da própria espécie.
Além de competir com espécies nativas por recursos, a rã-touro é um reservatório natural de Batrachochytrium dendrobatidis, fungo que ameaça a população mundial de anfíbios. Esse fungo é o causador de uma doença chamada quitridiomicose, que ataca a pele dos anfíbios e interfere na troca gasosa dos animais com o meio ambiente.
Nos últimos anos, tem sido registrada uma acentuada extinção de espécies de anfíbios em várias regiões do planeta. A bioinvasão de rã-touro, que se alastra por diversos continentes, pode estar relacionada a tais extinções em massa, pois o fungo foi identificado pelos cientistas brasileiros na pele da rã-touro, que é resistente à doença.
As outras duas espécies de anfíbios invasores identificadas no estudo são a perereca-de-banheiro (Scinax x-signatus), natural da Venezuela e da Colômbia e que, como o cururu, também infesta Noronha, e a rã-pimenta (Leptodactylus labyrinthicus), que hoje se prolifera na Amazônia Central.
Mudanças climáticas
Os autores do levantamento dos anfíbios invasores também investigaram qual poderá ser a distribuição futura das seis espécies em função das mudanças climáticas. Simulações foram feitas tomando por base os prognósticos climáticos para 2100, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
“A boa notícia é que, das seis espécies invasoras identificadas, quatro terão a sua área de distribuição reduzida até 2100, inclusive a famigerada rã-touro. Não é o caso, contudo, da perereca-assobiadora e do sapo-cururu, que podem vir a ter a sua distribuição ampliada”, disse Toledo.
Fonte: Fapesp