A segunda maior câmera no mundo para observação astronômica, a JPCam, registrou na noite de 29 de junho sua “primeira luz”, como é chamado o momento em que um instrumento astronômico é apontado para o céu e coleta, pela primeira vez, fótons vindos de estrelas e galáxias.
As imagens foram divulgadas na quarta-feira (15/07) pelo Observatório Astronômico de Javalambre (OAJ), na região de Aragão, na Espanha, onde a câmera está instalada no telescópio principal, com espelho de 2,5 metros de diâmetro, batizado de Javalambre Survey Telescope (JST/250).
A construção da câmera teve a participação de pesquisadores brasileiros por meio de um projeto apoiado pela FAPESP e de recursos aportados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) (leia mais em agencia.fapesp.br/20848/).
“A entrada em operação da câmera é um feito extraordinário, que mostra a capacidade da comunidade brasileira de astronomia fazer ciência e desenvolver tecnologia de ponta”, diz à Agência FAPESP Laerte Sodré Junior, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e membro do consórcio para a construção da câmera.
A JPCam possui mais de 1,2 gigapixel (bilhão de pixels) divididos em um mosaico de 14 detectores científicos, que trabalham em alto vácuo e sob uma temperatura de 110 ºC abaixo de zero.
Esses detectores de silício para captação de imagem (CCD), que convertem fótons em elétrons, têm capacidade muito maior do que a das câmeras de smartphones, por exemplo.
“Os primeiros detectores CCD desse tipo foram feitos para a JPCam”, diz Sodré.
A câmera é capaz de produzir imagens em 56 cores de cada estrela, galáxia, quasar, supernova e objetos do sistema solar. Para isso, conta com um inovador sistema de filtros que em vez de usar cinco ou seis filtros, como a maior parte dos levantamentos de galáxias tradicionais, é composto por 56, dos quais 54 são de banda estreita.
“Isso possibilita uma cobertura da região azul do espectro até a região vermelha muito mais detalhada do que a obtida por meio de sistemas de filtros tradicionais”, compara Sodré.
Para visualizar uma imagem produzida pela câmera, sem perda de qualidade, seriam necessários 570 monitores full HD, comparam especialistas.
A câmera é o principal instrumento de uma missão astronômica, chamada J-PAS, com o objetivo de fazer um mapeamento do Universo observável a partir do hemisfério Norte durante quatro anos.
A meta da missão é produzir um mapa tridimensional com centenas de milhões de galáxias, compreendendo um quinto de todo o céu do planeta e uma área de 8,5 mil graus quadrados visíveis a partir de Javalambre.
A expectativa dos pesquisadores é que os levantamentos (surveys) da J-PAS contribuam de forma significativa em estudos sobre energia escura e a expansão acelerada do Universo, além de ajudar a entender a estrutura da Via Láctea e a formação e evolução de outras galáxias.
Os dados da J-PAS também poderão ser usados para o estudo sistemático de asteroides no sistema solar.
“A entrada em operação da JPCam é um marco extraordinário para a J-PAS e possibilita o início de fato do mapeamento tridimensional da distribuição das galáxias com instrumentação completa”, avalia Sodré.
Testes e ajustes
As primeiras observações da JPCam foram de apontamentos a regiões do céu onde se podem observar dezenas de milhares de estrela em cada exposição, a fim de verificar a qualidade das imagens e a homogeneidade em todo o campo de visão.
Essa primeira etapa também tem como objetivo verificar se o funcionamento essencial do telescópio e da câmera, que pesa mais de uma tonelada e meia, está de acordo com as especificações técnicas do projeto.
Após o registro da primeira luz, a equipe de engenheiros do observatório iniciará uma etapa de testes e ajustes para aprimoramento dos sistemas da câmera e do telescópio, assim como da infraestrutura de gestão e análise de dados, para que a operação científica da J-PAS seja iniciada.
O projeto de construção da câmera, da concepção inicial à finalização, levou 10 anos. Esse extenso período de desenvolvimento reflete a alta complexidade de se integrar os detectores e a eletrônica da câmera, que ficam distribuídos no grande campo de visão do telescópio JST/T250, equivalente à área de 36 luas cheias.