A escassez de chuvas causada pelas mudanças climáticas pode reduzir em até 95% o valor calórico do néctar das flores, segundo uma pesquisa publicada na revista Scientific Reports e apoiada pela FAPESP.
Impacto direto sobre plantas e polinizadores
Essa queda impacta diretamente os polinizadores, como abelhas, e prejudica a reprodução de plantas que dependem da polinização cruzada, como a abobrinha (Cucurbita pepo). Mesmo em um cenário menos extremo, com 30% a menos de chuvas, a redução do valor calórico foi de 34%.
A gravidade dessa situação foi reforçada por um relatório da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), que destacou o aumento recorde de secas em diversas partes do mundo entre 2023 e 2024 — tendência que se mantém em 2025.
Néctar escasso significa menos colheita
De acordo com Elza Guimarães, professora do Instituto de Biociências de Botucatu da Unesp e coordenadora do estudo, a redução do néctar afeta toda a cadeia: “Sem néctar para consumir, as abelhas vão embora, as plantas não se reproduzem e os agricultores perdem a produção”. No cenário mais grave, a quantidade de açúcares por hectare caiu de 1.300 quilos para apenas 71 quilos.
O estudo foi desenvolvido no âmbito do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima), sediado na Unesp de Rio Claro.
Chuvas em excesso também preocupam
Embora um aumento na pluviosidade tenha causado um crescimento de 74% no valor energético do néctar, o resultado não é totalmente positivo. Como explica Maria Luisa Frigero, primeira autora do artigo, chuvas intensas e frequentes podem ter efeitos negativos, dificultando o voo de polinizadores e afetando o ciclo de nutrientes do solo.
Segundo os pesquisadores, aves e insetos que visitam flores enfrentam mais dificuldade para voar e regular a temperatura corporal em períodos chuvosos, o que demanda mais energia e reduz sua atividade polinizadora.
Simulações revelam cenários futuros
Os testes foram realizados em estufa com plantas de abobrinha irrigadas segundo quatro cenários climáticos baseados em projeções do IPCC para o fim do século. Foram simuladas as condições normais, a redução de 30% na pluviosidade, o aumento de 57% e um cenário de seca extrema seguido de chuva intensa.
As 120 plantas analisadas foram cultivadas em condições idênticas até a divisão em quatro grupos, com 30 indivíduos cada. O acompanhamento durou 60 dias em ambiente controlado, impedindo o acesso de insetos ao néctar e permitindo a medição precisa de sua produção e do conteúdo de açúcares.
Projeções para outras culturas e ecossistemas
Embora focado em uma cultura específica e realizado em estufa, o estudo serve de alerta para outras espécies e contextos agrícolas. Os pesquisadores agora avaliam como diferentes plantas e polinizadores reagem a ondas de calor e outros eventos extremos.
“Estamos estudando também o comportamento das abelhas diante dessas mudanças nas flores”, relata Priscila Tunes, coautora do trabalho, atualmente em estágio na Queen Mary University of London.
A pesquisa contou ainda com Carmen Boaro, especialista em fisiologia vegetal, e Leonardo Galetto, ecólogo da Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina.
Fonte: Fonte: Agência FAPESP