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ABM Brasil - Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração

Saudação do prof. Hélio Goldenstein ao prof. Ivan Gilberto Sandoval Falleiros

Publicado em 12 novembro 2013

Excelentíssimo Senhor Prof. Dr. José Roberto Castilho Piqueira, Diretor em exercício da Escola Politécnica da USP;

Excelentíssimo Senhor Prof. Dr. Vahan Agopyan, Pró-Reitor de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo, desincompatilizado;

Excelentíssimo Senhor Prof. Dr., José Roberto Cardoso Diretor da Escola Politécnica da USP, desincompatilizado ;

Excelentíssima Senhora Ângela Teresa Buscema, Assistente Técnica Acadêmica da Escola Politécnica, demais autoridades presentes colegas, convidados querido professor ivan falleiros

É com satisfação e certeza plena da justiça da homenagem que, em nome da Congregação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, faço a saudação ao prof. Ivan Falleiros, nesta cerimônia em que lhe é conferido o título de Professor Emérito.

1. INTRODUÇÃO

Sabemos que o título de professor emérito é uma distinção excepcional e que poucos colegas da Epusp foram distinguidospela Congregação da Epusp na última década (apenas o Prof. Célio Taneguchi). Confesso que uma das motivações do Conselho do Departamento de Eng. Metalúrgica e de Materiais, além de uma homenagem, foi a de buscar prolongar a presença do professor Ivan entre nós, através do papel de " velho da montanha", exercido pelos "Professores Emeritus" em universidades no exterior, trazendo sua experiência e autoridade para auxiliar os colegas mais novos, a presença com que se pode contar nos momentos difíceis.

Inicialmente faço um breve retrato da carreira do Prof. Ivan e de sua atuação institucional na Universidade e fora, na indústria, de forma a apresenta-lo aos colegas que só conhecem parte de sua história. Em seguida tento fazer uma interpretação pessoal e subjetiva da importância do Prof. Ivan para minha geração.

Pesquisador e professor, depois administrador dentro e fora da Universidade, o Professor Ivan exerceu, e exerce ainda, profunda influência no nosso meio, tanto dentro da comunidade metal mecânica como, nos últimos anos, na engenharia como um todo.

Para entender a importância singular do Prof. Ivan na engenharia metalúrgica de São Paulo é necessário retroceder ao que era a engenharia metalúrgica ensinada na Poli nos anos 60; um repositório de práticas e conhecimentos, na maior parte desenvolvidos empiricamente, tendo como campo de prova para a aquisição deste conhecimento as instalações do IPT. Neste contexto, a contratação de três jovens e brilhantes recém formados, Cyro Takano, Adolar Pieske e Ivan Falleiros foi uma verdadeira revolução.

Como no livro "Electron, Atoms, Metals and Alloys" do Prof. Hume Rothery, que líamos embevecidos na década de 70, escrito como um diálogo de Platão entre "o velho metalurgista "e o "jovem cientista", estes três encarnaram o "jovem cientista" do Hume Rothery para nós, e corresponderam a esta expectativa: o professor Cyro renovou a metalurgia extrativa e teve um importante papel também no IPT e na indústria; o professor Adolar participou do início da renovação da metalurgia física, e depois afastou-se da Poli para renovar a engenharia de fundição e a indústria do ferro fundido do Brasil.

O professor Ivan conseguiu a proeza de, sem em momento algum abandonar seu papel fundamental na universidade, passar a ter um papel fundamental e decisivo no desenvolvimento do pólo de alta tecnologia da engenharia metalúrgica industrial brasileira, através de sua atuação inicialmente no grupo Villares e que depois se irradiou por toda a indústria.

É minha opinião pessoal que esta influência se deve em grande parte ao fato de que em todas suas atividades, o Professor Ivan tenha se mantido fiel à sua postura de professor, formando as pessoas ao seu redor.

O Prof. Ivan ingressou como docente em RDIDP na Epusp em 1967, recém formado e portanto teve seus anos de formação já como docente. Participou da montagem do primeiro laboratório do departamento, o laboratório de metalografia, já no campus da Cidade Universitária, junto com Adolar Pieske, apoiados pela experiência de Renato Rocha Vieira e de Jorge Finardi.

Esta experiência o preparou para anos depois montar o centro de 5 pesquisa da Villares tendo um laboratório metalográfico em seu núcleo. No mesmo período realizou as pesquisas que levam ao seu doutorado direto, defendido em 1970.

Partiu em 1971 para um pós-doutorado na Inglaterra, junto ao Prof. R. Doherty na Universidade de Sussex onde ficou até 1972. Em Sussex sofreu a influencia dos Profs. R. Cahn e J.W.Martin. Ao voltar passou a lecionar também na pós-graduação, criando um elenco de disciplinas em que a moderna metalurgia física era ensinada: "Precipitação em Metais", "Recristalização", e principalmente, "Teoria de Transformação de Fase" que passaria a constituir o "cerne duro" da formação dos novos engenheiros e pesquisadores da área. Na Epusp o Professor Ivan passa a desenvolver um trabalho nunca mais abandonado de ser o formador do conjunto de conhecimentos e modos de abordagem que caracterizam o metalurgista moderno.

Na vivência deste processo de aprendizado pela qual seus alunos e subordinados passaram, vem junto, de contrabando, a exposição a um pacote de atitudes muito pessoais, como um fino humor, cheio de ironias e referencias eruditas escondidas, resultado de sua formação pessoal e de sua abordagem analítica tanto da ciência e engenharia como das relações pessoais, influenciada talvez pela sua experiência de jogador de xadrez agressivo e de alto nível e com certeza pela sua experiência na Inglaterra e sua imensa cultura.

Uma década após ter ingressado na carreira docente, Prof. Ivan passou ao regime de turno completo, para participar de um momento de importância fundamental para a engenharia brasileira: em meados da década de 70 grandes grupos industriais nacionais e estrangeiros, no Brasil assim como empresas estatais foram levados através de medidas políticas do governo federal a montarem centros de pesquisa e desenvolverem competência para produzir localmente pela primeira vez a sua própria tecnologia.

A oportunidade única de intervir e participar neste processo levou o prof. Adolar Pieske a afastar-se para fundar o centro de pesquisa da Fundição Tupy em Joinville , o prof. Cyro Takano a ir para a CBMM e o professor Ivan foi criar o centro de pesquisas do grupo Villares, inicialmente centrado nas atividades siderúrgicas em São Caetano. É neste momento de transição que a geração seguinte é contratada, o prof. Andre Tschiptschin em 1973 e eu em 1976, ambos com formação ainda incompleta, cursando a pós-graduação.

Não por acaso, fomos ambos orientados no doutoramento pelo professor Ivan, que conseguiu a façanha de unir as duas carreiras mesmo estando fora da dedicação exclusiva, firmando-se como a grande influência na formação de engenheiros com capacidade crítica e autonomia de pensamento tanto no meio acadêmico, como na formação de pessoal para os centros de pesquisa da Fundição Tupy, Villares, Pirelli, da Cofap, da Metal Leve, da CBMM, Rhodia, pesquisadores e engenheiros para a área nuclear através do Ipen-CNEN, pesquisadores para o IPT e também engenheiros para a Cosipa ,Clark, Confab, Brasimet, e inúmeras outras empresas do nosso entorno.

O curso de Transformações de Fase, ministrado continuamente, ao longo desses anos, em duas versões, na graduação e na pósgraduação, tornou-se o pino mestre do modo-de-pensar "engenharia com ciência" e foi certamente o embrião do que se tornaria depois a ciência dos materiais na Epusp. O Prof. Ivan se consolidou como o "Maitre a Penser" da metalurgia física, ao menos no estado de São Paulo e na zona de influencia da Epusp.

Em 1978 passou a tempo parcial, ampliando sua participação na Villares e deixando responsabilidades maiores nas mãos do Andre e na minha. Neste período o centro de pesquisa se consolidou e passou gradualmente a exercer de fato o papel de um centro de formação de quadros interno, papel que durante mais de uma década levou a formação de inúmeras gerações de engenheiros, hoje espalhados por toda a indústria metal mecânica em posições de destaque.

Apesar de estar em tempo parcial, Prof. Ivan consegue defender em 1983 a livre docência, com uma tese experimental em assunto que nada a tinha a ver com suas atividades na Villares. Em 1986 obteve o cargo de Professor Adjunto e em 1990 o Prof. Ivan tornou-se Professor Titular da Escola Politécnica.

Na indústria, a partir de 1989 passou a diretor da Villares, cargo que ocupou até 1994, quando tornou-se assessor da presidência do grupo todo, para assuntos de tecnologia. Na indústria, com sua equipe, foi responsável por inúmeras inovações, muitas patenteadas, e pelo desenvolvimento de produtos e processos de importância fundamental na cadeia produtiva brasileira.

Pode-se dizer que toda a indústria de aços ferramenta, de superligas e ligas de níquel, a indústria de grandes peças fundidas e forjadas, de cilindros de laminação, de tubos de aços refratários centrifugados para a indústria de petróleo e gás, aços válvula, aços inoxidáveis não planos, e muitas outras tem seu know-how atual inteira ou parcialmente devedoras dos conhecimentos gerados sob sua liderança.

Talvez mais importante, os quadros que formou e/ou influenciou na formação, hoje em plena maturidade, são administradores e engenheiros de muitas empresas importantes do setor metal mecânico em S. Paulo e no Brasil. Muitos deles ainda hoje ao se confrontar com dificuldades, pensam com seus botões: "Como o Prof. Ivan faria nesta situação?" como me confidenciou o eng. Marcos Stuart Nogueira, diretor da CBMM.

Em 1997 o Prof. Ivan retornou à Universidade e pleiteou a dedicação exclusiva. A partir daí o prof. Ivan retomou antigas linhas de pesquisa, reforçou o time de pesquisadores de metalurgia física do departamento ao participar de um projeto temático Fapesp e passou a manter colaboração fértil com os docentes pesquisadores, em particular com a linha de pesquisa do prof. F. Landgraf.

Paralelamente passou a exercer funções administrativas como chefe do departamento, por dois mandatos, depois vice diretor da escola e diretor da escola por outros dois mandatos. Como administrador na universidade mostrou-se um chefe sereno, que facilita aos que estão tentando trabalhar para que tenham sucesso.

Nas palavras da Angela Buscema, assistente administrativa da Epusp que com ele trabalhou por oito anos, ele deixa todos trabalharem, mas ao mesmo tempo coloca limites claros sobre o que é adequado e o que não se pode fazer. Tanto na diretoria como na chefia de departamento ele, em nenhum momento demonstrou personalismos e nunca exerceu favorecimentos, se colocando acima de pequenas disputas acadêmicas.

Ao lidar com divergências e opiniões diferentes das suas nunca ameaçou com represálias nem sufocou a manifestação de opiniões, apenas ocasionalmente fustigava os portadores destas opiniões contrárias com sua ironia sutil.

Agora falo um pouco do Prof. Ivan como ex-aluno e colega. Eu ingressei na Poli e na Física simultaneamente, pois como muitos de minha geração, não sabia se queria ser engenheiro ou pesquisador. Era evidente que deveria haver um nexo profundo entre a física e a engenharia metalúrgica, mas na hora em que comecei a cursar disciplinas no departamento este nexo não foi evidente o que me levou a pensar seriamente em abandonar o curso.

Só com a descoberta da apostila Princípios Básicos de Metalurgia escrita pelo Prof. Luiz Coelho Corrêa da Silva, o primeiro politécnico a obter um PhD em eng. metalúrgica, este nexo começou a aparecer. Na ausência do Prof. Ivan, que estava em Sussex, coube ao prof. Adolar Pieske me introduzir no mundo das transformações de fase e ao R.R.Vieira e J. Finardi no mundo da metalografia e tratamentos térmicos.

Quando o prof. Ivan retornou da Inglaterra, sua presença me pareceu razão suficiente parapermanecer na Epusp para um mestrado sob sua orientação, e não ir para a Coppe, onde já tinha sido aceito. Neste mesmo período o prof. Ivan elaborou um projeto de auxílio à Pesquisa à Fapesp com o qual foi possível montar uma sala de fornos, comprar um microscópio metalográfico de primeira linha e montar um laboratório de fotografia, as ferramentas de que necessitávamos para fazer pesquisa na época.

Neste período cursei os cursos de pós-graduação oferecidos pelo professor Ivan, "Transformações de Fase", que acabei cursando duas vezes e "Recristalização". Assistir a estes cursos foi uma experiência profundamente marcante; tivemos outros excelentes professores, alguns verdadeiros showman, carismáticos como professores de cursinho, mas os cursos ministrados pelo Prof. Ivan eram completamente diferentes.

Ser aluno do professor Ivan é participar de um debate que exige atenção e participação e em cada momento nos desafia a pensar e criar um modelo próprio, inventar nossas próprias respostas. Em uma ocasião o então colega Fernando Landgraf comparou a aula de Transformações de Fase a uma discussão teológica, só que ao invés de discutirmos quantos anjos dançam em uma agulha discutimos a natureza da movimentação atômica em uma interface entre duas fases durante a transformação e ao invés de textos sagrados, discutimos artigos científicos.

O prof. Ivan desenvolveu a arte de lançar frases curtas, aforismas ou comentários, que funcionam como um koan de um mestre Zen (desde que se reflita sobre elas suficiente), as vezes aparentemente contraditórios, as vezes superficialmente secos e frios, mas que pouco a pouco se revelam direcionamentos certeiros e trazem insights profundos.

A origem deste estilo certamente está ligada à sua personalidade reservada, mas também ao modo de pensar moldado pela prática do xadrez e à uma possível influencia britânica, seguindo o princípio da navalha de Ockam, um princípio de parcimônia, de procurar sempre entre as explicações aquelas que usem o mínimo de pressupostos.

Aliás esta influência britânica é evidente em seu humor irônico, que não visa fazer rir, mas quase sempre irrompe de surpresa em situações tensas, de aula, reuniões etc., como um comentário sobre os processos internos de seu pensamento, algumas vezes trazendo também insights certeiros. Eu sempre me diverti muito com estes comentários, mesmo quando o alvo era eu mesmo.

Finalmente gostaria de revelar a vocês uma faceta do prof. Ivan que ele não mostra facilmente. O professor Ivan é, entre os colegas que conheço da escola, a pessoa que mais lê em áreas não diretamente relacionadas a nossa especialidade. Dezenas de vezes em nossa convivência eu apareci com uma resenha sobre um novo livro e fiquei sabendo que o prof. Ivan não só já tinha comprado como já tinha lido e tinha opiniões sobre o livro.

Ele tem interesses muito variados, com certeza muitos assuntos de que não tenho a menor ideia, mas sei que lê vorazmente sobre filosofia e historia da ciência, evolução das ideias nas ciências e engenharias, história recente, biografias de cientistas e pensadores e muitos outros temas. Esta vasta cultura nunca é "esfregada" na cara da gente, é uma cultura que fica subentendida e talvez por causa disto , é vislumbrada algumas vezes na erudição recôndita de seus comentários irônicos.

Finalizando, espero ter deixado claro que o professor Ivan foi o principal mentor de minha vida acadêmica e quanto eu o admiro. Gostaria de acrescentar que, fiquei muito feliz em acompanhar suas realizações e ter compartilhado estes anos de sua carreira.

A homenagem, que hoje esta casa presta ao Prof. Ivan Falleiros é o reconhecimento por tudo que ele ensinou à tantos, dentro e fora da Escola Politécnica, pelo trabalho de uma vida inteira, íntegra e produtiva, e um reconhecimento também ao exemplo de comportamento ético e discreto que ele nos legou.

Espero que seja também uma porta de oportunidade para que possamos continuar a contar com sua presença nos momentos de necessidade e para atividades prazerosas, pois com sua boa saúde e sua mente privilegiada continuará produtivo por muitos anos ainda.

Algumas frases do professor Ivan, recolhidas por diferentes gerações de alunos:

-"Eu sou o professor do óbvio."

-"Eu vou ensinar o que vem antes do livro."

"Eu queria ver na prova idéias, idéias e ligações entre as idéias

-"Nenhum átomo está na posição de menor energia ou melhor equilíbrio - não existe cristal perfeito, assim como não existe prédio perfeitamente rígido (prédios balançam, e isso é aceitável desde que não passe dos limites) ou pessoa sem pecados (todos temos pecadinhos)."

-"Aprender a aprender é diferente de aprender a jogar xadrez, que serve para jogar xadrez."

-"A Ciência vira Engenharia cada vez mais rapidamente."

-"Uma figura vale mais do que mil palavras, mas exige mil minutos de reflexão."

-"Princípio hiperbólico de Tiberio: conhecimento x ampliação da imagem = constante."

-"Decorar sem querer: quando se esquece da onde aprendeu, aprendeu bem."

-"Não importa se falamos de cristais ou de países, a confusão ocorre nas fronteiras, sempre."

-"Feinman (físico da bomba atômica): Se quisermos deixar uma mensagem para outra civilização em uma caixa indestrutível, devemos dizer que tudo é feito de átomos, já que qualquer complicação é uma soma de pequenas complicações simples, a última é o átomo."

-"A imaginação é uma combinação de ideias, não só fantasia."

"Democracia é bom, mas demora."

"XXXXX, eu gosto das suas perguntas. Não gosto das suas respostas..." (XXXXX tinha ido muito mal na p1 e resolveu participar mais da aula)"

"O ataque do São Paulo não existe, mas as discordâncias sim."

"O professor é dispensável, por isso ganha pouco."

"Que a vida seja generosa com vocês."

"Se eu não estivesse de pé também estaria dormindo"

"Agora que já enrolei vocês por 50 min vamos começar a aula"

"Vocês serão engenheiros piores do que eu"

"A caneta sabia mais que você" (pro aluno que tirou 0.7, com 0.5 de bonus por fazer a prova a caneta)

"Mas o livro tá errado"

"Eu sei o que é uma pizza grande, mas não um (qualquer coisa) grande"