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A Granja

SATÉLITE ANTECIPA PRODUTIVIDADE DA CANA

Publicado em 01 junho 2002

Por José Renato de Almeida Prado
Os satélites espaciais, largamente utilizados em telefonia móvel, televisão e previsão do tempo, passaram em definitivo a fazer parte do dia-a-dia do campo. Com o surgimento da chamada "agricultura de precisão" - expressão que designa uma série de procedimentos para aumentar a eficiência no 'gerenciamento da agricultura, uma nova tecnologia acabou por chegar ao sistema de produção de cana-de-açúcar. Imagens digitais captadas por sensores instalados em satélites e aviões permitem prever, com bastante antecedência, a tonelagem da produção de cana, facilitando as estimativas de safras agrícolas. A nova metodologia foi desenvolvida pelos pesquisadores do Grupo de Estudos em Geoprocessamento (GEO) da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O grupo conseguiu o fato inédito de usar as imagens de satélite para calcular a variabilidade da biomassa na cultura da cana. A técnica, conhecida como "processamento de imagens de satélite para auxílio à estimativa de cana-de-açúcar", está em fase de patenteamento pela Universidade. Segundo o professor e coordenador dos pesquisadores do GEO, Jansle Vieira Rocha (na foto, demonstrando um dos aparelhos), o projeto teve início em agosto de 1999 e o objetivo era verificar o potencial do uso de sensoriamento remoto orbital (imagens de satélite) e não orbital (radiometria de campo e imagens aéreas) no mapeamento da variabilidade espacial da produtividade da cana-de-açúcar. A aplicação seria para agricultura de precisão, uma vez que, conforme o pesquisador, ainda não existem sensores para mapeamento de produtividade para as colhedoras de cana "Os resultados parciais, no entanto, indicaram um grande potencial no auxílio ao processo de estimativa de produção de talhões nas usinas", diz. Rocha explica que a metodologia consiste em coletar imagens de satélite e de videografia multiespectral - por meio de uma câmera colocada em avião ou helicóptero - e processá-las digitalmente para mostrar as variações da produção de biomassa nas áreas plantadas. Determinadas faixas do espectro eletromagnético, refletidas pela cultura e registradas nas imagens, fornecem informações sobre o vigor da plantação. "Algoritmos matemáticos são utilizados para processar essas imagens e obter dados sobre a produção da biomassa", completa. Esse procedimento pode auxiliar bastante o trabalho dos canavicultores. As estimativas de produção em usinas são normalmente feitas por técnicos que observam os talhões em um determinado estágio de desenvolvimento. "Acontece que essa avaliação é feita ao redor da área, não sendo observadas eventuais variações na quantidade de biomassa no interior dos talhões, o que se constitui na maior fonte de erros de estimativa", avalia o professor. As técnicas desenvolvidas proporcionam mapas que mostram a variação de biomassa no interior dos talhões, direcionando a observação dos técnicos e diminuindo erros. As imagens podem revelar também, pela variação de cores, eventuais problemas que possam estar ocorrendo em determinado talhão. Uma área infestada com ervas daninhas, comprometida por braquiária, colonião ou mamona, por exemplo, será evidenciada na videografia multiespectral. Da mesma forma, é possível detectar áreas que apresentarem problemas com pragas de solo (como o nematóide), bem como trechos atacados por formigas. De posse dos dados que mostrem que há algum problema, caberá então ao avaliador verificar exatamente o que é. Satélite - O projeto foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que investiu RR 83.339,61 mais US$ 13.837 em equipamentos importados. Contou também com a parceria de dois pesquisadores do Centro de Ensino e Pesquisas em Agricultura da Unicamp (Cepagri), Rubens Augusto Camargo Lamparelli e Jurandir Zullo Júnior. Alguns resultados foram apresentados em novembro de 2001 no congresso Third International Conference Geospa-tial Information in Agriculture and Forestry, na cidade norte-amerciana de Denver, evento organizado pela Veridian International com apoio da NASA e USDA. Na ocasião, o projeto recebeu o prêmio de melhor trabalho no segmento Local to Regional Crop Yield Assessment, competindo com mais de 150 trabalhos dos Estados Unidos e Canadá. O satélite utilizado pelo sistema, segundo Jansle Vieira Rocha, é o norte-americano Landsat. O GEO da Unicamp tem um calendário da trajetória do satélite, que passa por determinado local a cada 16 dias. "Só temos de saber em que dia ele passa naquela órbita, na posição em que se encontra, por exemplo, a área de uma usina", comenta. No mesmo dia e horário em que o satélite passa pela região onde a equipe está trabalhando, também é feito sobrevôo com avião e coletados dados no campo, para complementar os levantamentos. O preço do serviço está diretamente relacionado à quantidade de imagens que serão necessárias para que as avaliações possam ser realizadas. "Cada imagem do Landsat pega uma era de 185 por 185 quilômetros, mas pode acontecer de uma usina estar numa interseção de quatro imagens, então o custo varia muito", diz Rocha. "Nos testes que fizemos, cortamos até pela metade os erros de estimativas, usando mapas processados a partir das imagens". Aprimoramento - Um teste preliminar feito na Usina São João Açúcar e Álcool, de Araras/SP (que deu apoio de campo ao projeto), revelou que, com o auxílio das imagens de satélite, os erros de avaliação de biomassa em uma determinada área caíram de 15% para 2%. O resultado mostra que a nova metodologia pode ser uma grande ferramenta auxiliar nas estimativas e previsões de safras das indústrias sucroalcooleiras. A produção de cana da Usina São João foi de quase três milhões de toneladas na safra 2000/2001. Um erro de 15% nesse total, embora muito difícil de ocorrer, corresponderia a 450 mil toneladas. E desacertos nas previsões sempre trazem prejuízos. Para o agrônomo João Martins, gerente da divisão agrícola da Usina, a nova tecnologia é um auxiliar importante nas avaliações de safra. "Mas é uma ferramenta que considero ainda não totalmente desenvolvida", opina Ele enfatiza que o erro de 15% antes mencionado restringe-se a uma área específica e jamais se poderia imaginar que fosse estendido a toda a produção da unidade industrial. "A média normal de erro em avaliação de produtividade em uma usina dificilmente é maior que 5%", declara. "Há casos em que essa porcentagem pode ser maior ora se erra para mais em uma área, ora para menos em outro local, e uma coisa anula a outra". Conforme Martins, quando os supervisores avaliam um canavial, levam em conta uma série de fatores, tais como o histórico do tipo do solo, variedade plantada, época em que foi colhida e quanto produziu no ano anterior. "Quando vamos fazer estimativas de campo, é um valor atribuído mas fundamentado em diversas análises e, por isso, os erros são pequenos", considera. Segundo o agrônomo, como complementação, o processamento de imagens de satélite para auxílio à estimativa de cana vai ser importante. "Mas tem que continuar em processo de desenvolvimento". Como o processamento se baseia, em parte, na variação de cores, ainda falta ao método melhor definição, especialmente pela complexidade da cultura da cana-de-açúcar. "Normalmente uma usina planta perto de 15 variedades, a cana-planta tem uma cor e o canavial de soqueira tem outra, se ele tombar por motivo de vento ou chuva vai apresentar outro reflexo na cor, e se foi aplicado maturador, também terá outra coloração. Então, acho que ainda é preciso uma série de avaliações e trabalhos de campo para checar melhor", opina. "É um trabalho que está no começo, mas falta muita coisa ainda". Despertando interesse - Para Jansle Rocha, coordenador do Grupo de Estudos em Geoprocessamento da Unicamp, a metodologia vem sendo utilizada na Usina São João, de Araras/SP, com bons resultados. Tanto é que já vem chamando a atenção de outras empresas do setor, como o Grupo Cosan - maior grupo individual do setor sucroalcooleiro, formado por dez usinas e um terminal portuário. Segundo ele, o grupo está iniciando com o GEO da Unicamp um projeto com duração de um ano, para utilizar imagens de satélite como auxílio à estimativa de produção em três de suas unidades industriais, situadas nas regiões de São Carlos, Piracicaba e Ourinhos, todas no interior de São Paulo. As pesquisas não param por aí. Numa próxima etapa, o GEO estará trabalhando com estimativas para todo o Estado de São Paulo, na geração de estatísticas de cana-de-açúcar. o coordenador prevê que, com o lançamento de outros satélites nos próximos anos (inclusive um brasileiro que deve ser lançado em 2003), a cobertura será mais eficiente. "Em vez de 16 dias, vai chegar uma hora em que vamos ter imagens quase que diárias", entusiasma-se Rocha. Além dessas perspectivas, o interesse no monitoramento já não se restringe às usinas do setor. "Tradings que compram açúcar das usinas estão querendo que monitoremos as plantações, para saber se a estimativa que as empresas estão passando para eles está sujeita a erros ou não".