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SARS-CoV-2 usa estratégia similar à do HIV para infectar células de defesa (101 notícias)

Publicado em 08 de outubro de 2020

Um estudo coordenado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) traz novas evidências de que o vírus SARS-CoV-2 é capaz de infectar e de se replicar no interior de linfócitos, podendo levar essas células de defesa à morte e comprometer ao menos temporariamente o sistema imunológico.

O novo coronavírus parece atuar por um mecanismo semelhante ao do HIV, causador da Aids. Os dois afetam um tipo de linfócito conhecido como T CD4, que é responsável por coordenar a chamada resposta imune adaptativa – auxiliando tanto os linfócitos B a produzirem anticorpos como os linfócitos T CD8 – responsáveis por reconhecer e matar células infectadas – a se proliferarem. Essa coordenação se dá por meio da liberação de moléculas sinalizadoras conhecidas como citocinas.

Segundo um dos coordenadores da pesquisa, Alessandro Farias, os resultados sugeriram que em alguns pacientes, o coronavírus causa um quadro de imunodeficiência aguda não apenas porque mata parte dos linfócitos T CD4, mas também porque prejudica a função dessas células. Isso faz com que os linfócitos T CD8 se proliferem menos e os linfócitos B produzam anticorpos com menor afinidade e duração.

Sobre a pesquisa

Os pesquisadores realizaram os experimentos com culturas primárias de linfócitos (isolados do sangue de voluntários não infectados e de pacientes com COVID-19).

Na primeira etapa da pesquisa, foram incubadas células de doadores saudáveis com o SARS-CoV-2 e acompanhou-se o que acontecia nas 24 horas seguintes por meio de diferentes técnicas, como hibridização in situ, microscopia eletrônica de transmissão e RT-PCR (a mesma usada para diagnosticar a infecção na fase aguda).

Os pesquisadores observaram que havia presença do novo coronavírus no interior de aproximadamente 40% dos T CD4, sendo que 10% dessas células morreram ao final do período de observação. Eles perceberam ainda, que a carga viral mais do que dobrou entre as medições feitas duas e 24 horas após o início do teste – sinal de que o vírus estava se replicando nas células em cultura.

O passo seguinte foi analisar com as mesmas ferramentas os linfócitos T CD4 isolados de pacientes diagnosticados com COVID-19 em busca de sinais do SARS-CoV-2. Nas pessoas que apresentavam quadros moderados da doença foram encontrados poucos linfócitos infectados e eles estavam produzindo, como era esperado, a citocina interferon-gama (IFN-?) – importante para a resposta antiviral. Já nos pacientes graves, além de haver um número muito maior de linfócitos com o vírus, as células estavam produzindo no lugar da IFN-? a interleucina-10 (IL-10), uma citocina com ação anti-inflamatória. Ou seja, nesses doentes com COVID-19 severa, os linfócitos T CD4 estavam sinalizando para o sistema imune a necessidade de frear o combate ao vírus.

“A produção de IL-10 desliga o sistema imune e permite ao vírus permanecer mais tempo no organismo. Por enquanto ainda não é possível saber o que é causa e o que é consequência, ou seja, se esses pacientes evoluíram para a forma grave porque tinham mais linfócitos T CD4 infectados ou o contrário. Mas há uma clara associação entre esses dois fatores”, afirma o pesquisador.

A entrada do vírus

Vários estudos já publicados apontam a molécula ACE2 (enzima conversora de angiotensina 2, na sigla em inglês) como a principal porta de entrada para o SARS-CoV-2 na superfície das células humanas. No entanto, os linfócitos T CD4 sabidamente expressam uma quantidade muito pequena dessa enzima na superfície de sua membrana plasmática, que é recoberta pela proteína que dá nome à célula: a CD4.

Para desvendar a estratégia usada pelo novo coronavírus para entrar nesses linfócitos – que normalmente são refratários à infecção por vírus e bactérias – o grupo da Unicamp realizou dois novos testes com as amostras de doadores saudáveis. No primeiro, antes de colocar o vírus, foram acrescentados na cultura celular anticorpos capazes de neutralizar a proteína CD4. No segundo experimento, foram colocados anticorpos contra a ACE2. Com isso, os pesquisadores perceberam que quando houve a neutralização da ACE2, a infeccção foi totalmente bloqueada, e portanto, é necessária pelo menos uma pequena quantidade para que o linfócito seja invadido.

“Acreditamos que o vírus apresenta uma artimanha para entrar nessa célula. Ele usa a proteína CD4 apenas para ficar perto da membrana celular e conseguir localizar a ACE2, que então lhe dá passagem para o meio intracelular”, explica o pesquisador Alessandro Farias.

Por: Maria Eduarda Lima

Fonte: Agência Fapesp/ Jornal da USP.