Sobre o editorial "Um golpe contra o Terceiro Setor" (4/7), que diz que o novo Código Civil viria impedir a instituição de fundações como a Fundação Getúlio Vargas, a Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo e a SOS Mata Atlântica, por entender que, segundo o artigo 62 da nova lei, somente poderão ser criadas fundações com finalidades "religiosas, morais e culturais", há um equívoco quanto à redação do parágrafo único do artigo 62, que é a seguinte: "A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência", tendo sido inexplicavelmente suprimidas estas duas últimas palavras como manifesta alteração do sentido do mandamento legal em apreço. Em segundo lugar, há engano em se interpretar o adjetivo "cultural" em acepção estrita, relativo apenas a valores intelectuais ou artísticos. Foi olvidado o sentido lato da palavra "cultura", que significa o conjunto de conhecimentos e obras realizados pelo homem. Sobre o assunto, permito-me citar o que escrevi sobre o conceito de cultura, à página 123 de meu livro O Belo e Outros Valores, Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, 1989. "O conceito de cultura possui duplo sentido, um mais pessoal ou subjetivo, como 'aperfeiçoamento da sensibilidade e do intelecto pelo conhecimento dos homens e das coisas'; e outro mais social e objetivo, em acepção a um só tempo filosófica, antropológica e sociológica, copio 'acervo de bens materiais e espirituais acumulados pela espécie humana através do tempo, mediante um processo intencional ou não de realização de valores' (...). "As duas noções acham-se tão intimamente ligadas que, a rigor, poderiam ser consideradas dois aspectos complementares de um mesmo conceito..." O citado preceito da nova Lei Civil não impede a criação de fundações em qualquer campo da atividade humana.
Miguel Reale, Capital.
Notícia
Jornal da Tarde