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A Tribuna (Santos, SP)

Santos troca poeira dos arquivos pela internet (1 notícias)

Publicado em 01 de março de 2011

A Irmandade da Santa Casa de Santos enviou ofício à Assembleia Legislativa pedindo ajuda financeira para custear o tratamento de vítimas de doenças tropicais provocadas por mosquitos, na Cidade.

O requerimento foi feito há mais de 150 anos. Mas retrata situações vividas pelos moradores de Santos, no ano passado, durante o surto de dengue.

Está arquivado na caixa 027, página 4, código 39, sob o número 459 entre os 350 mil documentos originais que foram digitalizados pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). E faz parte de um acervo colocado à disposição de qualquer estudioso, via Internet, a partir de hoje, por um novo serviço cultural que pode ser consultado gratuitamente no portal www.al.sp.gov.br/ geral/acervoHistorico.

A liberação desse acervo, segundo a professora, historiadora e pesquisadora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade, doutora em História pela Universidade de São Paulo (USP), representa um avanço da popularização do conhecimento. Contribui para despertar o interesse pela pesquisa e a possibilidade de mostrar, principalmente a estudantes, originais de documentos importantes para a História, "Mas não bastam as facilidades oferecidas pela digitalização do acervo. E preciso ter interesse pela pesquisa desses documentos", assinala.

NA TELA

Até então, o acervo podia ser consultado por especialistas na própria divisão onde está arquivado, em prédio anexo ao Palácio 9 de Julho. Esse serviço continua aberto. Mas a inclusão dos documentos no portal vai permitir a consulta por qualquer pessoa interessada na história de São Paulo (e no período em que o Paraná fazia parte do território paulista). Na tela dos computadores será possível ler, por exemplo, o original dessa carta enviada pela Irmandade da Santa Casa.

Segundo o diretor da Divisão de Acervo Histórico da Alesp, Carlos Ungaretti Dias, a tecnologia para preservar informações históricas tornou-se, desde 1999, melhor, mais simples e mais barata, o que permite que os Poderes Públicos digitalizem seus acervos de documentos e publiquem na web o que é de interesse geral. "Trata-se de um processo que favorece a aproximação do cidadão com o Estado e resgata a memória paulista. O universo de documentos permite repensar a história do aparelho estatal e das relações sociais em São Paulo".

A longa história de um hospital modelo

Para enfrentar a epidemia de febre amarela e cólera, em 1859, a Santa Casa da Misericórdiade Santos mandou o apelo "aos Digníssimos Membros da Assembleia Legislativa Provincial (de São Paulo)" porque, na qualidade de hospital de caridade, lutava "com as mais graves dificuldades que ameaçam arrastala a uma crise próxima", confiando "que as suas reclamações serão atendidas, e remédios eficazes virão em seu auxílio".

No texto (aqui reproduzido na forma de escrever da época), a Irmandade dizia que precisava de recursos para tratar os doentes que eram abandonados às suas portas, no prédio que ocupava no Morro do Jerônimo (o atual trecho sobre o Túnel Rubens Ferreira Martins).

FEBRE AMARELA

A febre amarela foi introduzida pelo Porto de Santos em 1850, assolando os centros urbanos da baixada litorânea. Segundo a pesquisadora Isabela Bensenor (graduada em Medicina, mestre e doutora pela USP), o mosquito Aedes aegypti veio da África nos navios negreiros e trouxe junto a doença.

Várias medidas sanitárias, principalmente em relação ao fornecimento de água, diminuíram a transmissão da doença antes de se saber que era causada por um vírus e seu transmissor era um mosquito. A abertura de canais em Santos, por Saturnino de Brito, ajudou a debelar a enfermidade.

MAIS ANTIGA

A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos é a mais antiga instituição assistencial e hospitalar em funcionamento do Brasil. Braz Cubas, auxiliado pelos moradores mais prósperos da região, iniciou em 1542 a construção de um hospital, que inaugurou no ano seguinte, provavelmente no primeiro dia de novembro.

Pesquisa elaborada pelo jornalista Carlos Pimentel Mendes (ver www.novomilenio.inf. br) indica que o primeiro prédio foi construído no sopé do Outeiro de Santa Catarina, próximo ao edifício da Alfândega, no Centro de Santos.

No período de 1804 a 1830, a Irmandade utilizou o Hospital Militar no edifício do antigo Colégio dos Jesuítas, onde hoje se situa a Alfândega. Em 1835, o provedor Capitão Antonio Martins dos Santos iniciou a construção do terceiro prédio próprio da Santa Casa, no sopé do Morro de São Jerônimo, junto à sua Igreja de São Francisco de Paula.

O MAIOR

O hospital cresceu, tendo sido criado um pavilhão para os tuberculosos. Um grande deslizamento de terras na face leste do Monte Serrat, em 10 de março de 1928, soterrou a parte posterior do hospital e algumas edificações próximas. O atual imóvel, na Avenida Dr. Cláudio Luiz da Costa, foi inaugurado em 2 de julho de 1945, pelo então presidente Getúlio Vargas. Na época, tinha 1.400 leitos. Ainda é o maior hospital da Região Metropolitana.

Santa Casa se queixa. Com razão

A leitura do acervo comprova a tese de que a história se repete, pelo menos do documento que a Irmandade mandou aos deputados provinciais. Feito em 1859 - quando Santos vivia um dos piores surtos de febre amarela e cólera -, o pedido de ajuda reflete um curioso quadro de doenças endêmicas que faz lembrar a dengue em 2010. Da mesma forma, reproduz uma situação de dependência financeira na área de saúde hospitalar que atravessou os séculos.

No documento, os dirigentes do hospital explicam que a "Santa Casa de Santos (vem se mantendo) com os seus acanhados recursos, nunca esquecendo os sagrados deveres de prestar à humanidade enferma, que procura abrigo, o socorro compatível com as suas forças".

E ressaltam que estão desgostosos de ver que, a despeito dessa situação, o Governo (imperial) continua enviando recursos para hospitais novos, esquecendo os que prestam serviços gratuitos à população.

As atas são feitas em letra cursiva por profissionais de uma época em que não havia máquinas de escrever. Com paciência, é possível ler os relatos, embora alguns documentos exijam conhecimento histórico e linguístico. Descobrir os nomes dos signatários dessas petições, prestação de contas, comunicados e avisos é um pouco mais difícil.

Caminho do Mar faz parte de recordações

Os documentos digitalizado vão desde a instalação do Conselho de Província de São Paulo (em 1828), até o fechamento da Assembléia Legislativa de São Paulo (1937), durante o Estado Novo. Incluem detalhes históricos de fatos relevantes nos municípios paulistas. As atas descrevem, por exemplo, a liberação de verbas para reformar a ligação entre Santos e Cubatão (a Estrada Velha do Caminho do Mar); a solicitação de recursos para obras na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (no antigo Largo do Rosário, hoje Praça Rui Barbosa).

O acervo reúne séries peculiares, como os documentos relativos ao atual Estado do Paraná, outrora integrado a São Paulo e que se tornou uma província à parte em 1853. Feito com a parceria da Fapesp, entre 1998 e 2001, o trabalho permitiu o escaneamento e a catalogação, em preto e branco, dos documentos mais antigos do Legislativo de São Paulo.

O material será útil também para estudantes e professores de todo o Estado para consultar dados sobre sua história local e, em alguns casos, traçar um panorama de seu município desde sua fundação. Os documentos estão classificados e poderão ser copiados, já que os arquivos têm formato PDF.

LIVROS

A Assembleia também disponibiliza na íntegra livros, revistas e o guia produzidos pelo Acervo Histórico e, marcando o início de um novo serviço, o primeiro exemplar de obra rara da Biblioteca: a obra L"EnseignementMutuel - ou Histoire de l"Introduction et de la propagation de cette méthode.

Pesquisadores também contam com o acervo dos Anais da Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo (de 1835 e 1947) e o banco de fotografias, com mais de 150 mil imagens, desde a década de 1950. Além de 1000 horas de fitas de som.