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A Tribuna (Santos, SP)

Santista usa genética contra o câncer (1 notícias)

Publicado em 04 de fevereiro de 2001

Por PAULO FREITAS
Um santista ocupa lugar de destaque entre os pesquisadores paulistas que se preparam para utilizar o seqüenciamento genético no combate ao câncer. José Fernando Perez não só autoriza o financiamento do Governo do Estado, como também participa do Projeto Genoma, que agora tentará identificar os genes que ajudam na prevenção e tratamento dos tumores. Página A-9 SANTISTA COMANDA PESQUISA INÉDITA SOBRE CÂNCER Marcelo Eduardo dos Santos - Da Reportagem Um dos maiores feitos da ciência brasileira no século 20, o seqüenciamento dos genes da bactéria Xylella fastidiosa, causadora do amarelinho da laranja, está mais ligada a Santos do que se imagina. E não é porque as exportações do produto passam pelo porto. A decisão de desenvolver o projeto foi de um santista, o diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), José Fernando Perez. Eufórico com novas idéias, ele se prepara para colher os resultados de outras pesquisas de ponta, como o Genoma do Câncer Humano. Um ano depois de ter entrado para o clube dos poucos países que dominam o seqüenciamento de genes, o Brasil se prepara para utilizar a tecnologia para combater o câncer. O Projeto Genoma Humano do Câncer, parceria da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São. Paulo (Fapesp) com o Instituto Ludwig, utiliza a genética para investigar os tumores que mais afetam os brasileiros. O diretor científico da Fapesp, José Fernando Perez, de 56 anos, explica que o projeto investigará os genes dos tumores, principalmente porque o câncer ocorre devido às modificações genéticas nas células. "Saberemos quais são os genes que ajudam na prevenção e na terapia". Segundo Perez, o trabalho entrou na fase do genoma clínico do câncer. A equipe estabelece as características genéticas de determinado tumor e avalia sua evolução durante o tratamento. O prazo para terminar depende dos resultados. "É um trabalho pioneiro internacional". Para o projeto, a Fapesp se uniu ao Instituto Ludwig, criado a partir da fortuna de Daniel Ludwig, investidor do Projeto Jari, na Amazônia. O inglês Andrew John Simpson, o responsável técnico pela pesquisa, trabalha no quinto andar do Hospital do Câncer e comanda vários laboratórios. Para seqüenciar os tumores, todos utilizam d método Orestes, que investiga a parte central dos genes. Perez revela que o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos possui projeto similar, mas com método que investiga as pontas dos genes. "Só que a informação está no meio da palavra". Ao invés da disputa, os pesquisadores das duas nações decidiram juntar as bases de dados. Graças ao projeto o Brasil se tornou o segundo maior depositário de informações de genes humanos. Perde apenas para os Estados Unidos. O projeto possui grande empatia junto à opinião pública porque nunca se falou tanto na doença, seja em novela, em relação à saúde do governador Mário Covas ou à possibilidade de cura. Na verdade, o avanço começou com o seqüenciamento do genoma da bactéria causadora do amarelinho da laranja, a Xylella fastidiosa. A Xylella é a inimiga número um da exportação de laranja. Em algumas regiões a praga chega a contaminar 40% das plantações, com prejuízos para a economia do Brasil. Em janeiro foram decodificados os 2.782 genes da Xylella. Na sala de Perez, um quadro traz a enigmática seqüência de genes, representados por barras de diferentes tamanhos e cores. A missão agora é descobrir a função de cada um deles para se combater o amarelinho. Sucesso no exterior - O reconhecimento pelo pioneirismo com a Xylella - o primeiro seqüenciamento de agente que ataca vegetais - só foi acontecer em 13 de julho, quando a mais conceituada revista científica, a britânica Nature (-www.nature.com) concedeu capa para o assunto. Em cascata, Le Monde, The Economist e The New York Times, entre outros, encamparam o tema. Provada a competência nacional, estava dado o primeiro passo para o País avançar no mundo dos genomas. No final de janeiro, a Fapesp anunciou nos Estados Unidos o seqüenciamento do Xantomonas citri, causadora do cancro cítrico. Ciúmes internacional - Segundo Perez, se descobriu que a Xylella também atinge as uvas da Califórnia. Para surpresa dos brasileiros, os norte-americanos pediram socorro à Fapesp. "Os laboratórios de lá protestaram e um deles até se ofereceu para trabalhar de graça". SAIBA MAIS SOBRE GENOMA O genoma é o conjunto de genes de um organismo. Eles trazem as informações sobre as características hereditárias de determinado ser e a predisposição por doenças. Em poucas palavras, descobrir o papel de cada gene significa melhorar e ampliar o padrão de vida. Os genes são compostos de DNA, sigla em inglês para ácido desoxirribonucléico. A molécula de DNA é uma dupla hélice em forma de espiral e unidas por barrinhas. As substâncias químicas são ordenadas de tal forma nesse filamento que um indivíduo será diferente do outro. Define, por exemplo, cores da pele ou do cabelo e até tendência a doenças. O objetivo com os projetos Genoma é estudar o seqüenciamento da disposição dos nucleotídeos (as bases químicas) do DNA As bases são representadas por quatro letras: adenina (A), citosina (C), guanina (G) e timina (T). Além dos projetos Genoma da Fapesp e de várias outras nações há o Projeto Genoma Humano, consórcio formado por 18 países e que em 26 de junho anunciou o seqüenciamento de 97% do código genético do homem. JOSÉ FERNANDO PEREZ FEZ CARREIRA INTERNACIONAL Trinta e oito anos atrás José Fernando Perez deixou os amigos do Colégio Santista e do futebol na Ponta da Praia para estudar engenharia eletrônica na Politécnica da USP. A Cidade perdeu um morador, mas dado ao País um jovem que se tornaria um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento científico recente do Brasil. Perez nasceu em Santos em 13 de outubro de 1944. Filho de Rosa La Scala Perez, de 87 anos, e de José Demar Perez, que morreu em 1976. Ele se lembra do tempo em que pegava a linha 4 do bonde para ir ao Santista e no caminho subiam as alunas do Stella Maris. Em 1963, Perez entrou para a Politécnica da USP e simultaneamente fez Física. Foi um dos primeiros moradores do Crusp, o alojamento dos alunos da universidade, fechado em 1968 pelo regime militar. "Cerca de 800 pessoas foram levadas de ônibus para o Presídio Tiradentes e fiquei quatro dias preso". Passado o susto, Perez terminou a pós-graduação em 1969 e, em seguida, foi para a Alemanha e Suíça pesquisar Física Quântica. Depois voltou para São Paulo, mas viajou várias vezes como professor visitante para Londres e Roma e, durante 15 anos, para a Universidade da Califórnia. Professor de Física da USP, Perez assumiu a Diretoria Científica da Fapesp em 1993. É por ele que passam os pedidos de financiamento de pesquisas, como os projetos Genoma. Antes da opção pela Xylella, Perez sabia que a biotecnologia via genética molecular era o que havia de mais avançado e o País estava atrasado nessa área. Fernando Reinasch, do Instituto de Química da USP, pediu o Projeto Genoma. Uma equipe do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) insistiu no genoma da Xylella, rechaçada por ser uma bactéria difícil de se trabalhar. "Quem nos convenceu foi o José Marie Bové, que foi quem comprovou que a bactéria provoca o amarelinho". Bové, cientista francês, é pai de José Bové, líder nacionalista dos agricultores franceses. Escolhido o alvo da pesquisa, Perez entrou com verba de R$ 13 milhões e gastar em prédios cadastrou 34 laboratórios e os uniu pela Internet. Estava criada a rede virtual Onsa (sigla em inglês para Organização de Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos). A Onsa possibilitou a essencial troca de informações para a pesquisa. Em dezembro, Perez e Reinach foram citados na Revista Isto É como os brasileiros do ano no campo da ciência. PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS BRASILEIROS TRIPLICA A publicação de pesquisas brasileiras em revistas estrangeiras especializadas triplicou em 15 anos, segundo José Fernando Perez. Só a Coréia do Sul cresceu tanto. Por outro lado, o Brasil não vai bem no registro de patentes, que é 30 vezes inferior ao do Tigre Asiático. Perez afirma que em 1985, das pesquisas do País, 0,4% eram publicadas no exterior. Em 2001 o índice subiu para 1,2%. Importante na carreira do cientista, a veiculação dos trabalhos em revistas e jornais estrangeiros é apontada como uma fonte de perda de patentes. Norte-americanos e europeus lêem as idéias do Brasil, fazem modificações superficiais e as patenteiam, denunciam cientistas do País. Perez não se impressiona com o tema e revela que até os próprios brasileiros fazem o caminho inverso. Lêem os artigos estrangeiros e os reaproveitam. Para o diretor da Fapesp, a baixa safra de patentes brasileiras é resultado do modelo econômico. Ele explica que a pesquisa coreana, assim como nos países mais ricos, é feita basicamente dentro da empresa privada. No Brasil, ocorre nas universidades. De acordo com Perez, a Fapesp incentiva as pequenas empresas a pesquisar. Em relação ao Projeto Genoma, a Fapesp já patenteou o genoma da Xylella e de um conjunto de genes, como os que produzem a goma xantana (de mascar). Por um método transgênico, insere-se um gene desse tipo numa bactéria, que passa a produzir a goma. Segundo Perez, o sucesso atual com os projetos Genoma precisa ser entendido como uma revolução para a ciência brasileira. Ele lembra que o País teve grandes pesquisadores no passado, mas que agora o sucesso se deve ao crescimento vigoroso de um sistema científico. PROJETO EM EXECUÇÃO 1°) Xylella fastidiosa Iniciado em 1997 e a um custo de R$ 13 milhões, o projeto concluiu em janeiro de 2000 o seqüenciamento genético da bactéria causadora do amarelinho, praga que ataca a laranja e o café e prejudica as exportações. O próximo passo, já em execução, é descobrir a função individual de cada um dos 2.782 genes da bactéria. 2°) Xantomonas citri O seqüenciamento do genoma dessa bactéria, que causa o cancro cítrico, foi divulgado no final de janeiro,em San Diego, Estados Unidos. Com esse trabalho, o Brasil é o responsável por desvendar o genoma dos dois primeiros fitopatógenos (causadores de pragas em vegetais) do mundo, a Xylella fastidiosa e o próprio Xantomonas citri, que afeta colheitas de laranja, arroz, maracujá e feijão. 3°) Câncer humano Faz o seqüenciamento genético dos tumores mais comuns no Brasil, utilizando tecnologia brasileira, e com meta para descobrir milhão de genes. Devido à pesquisa, o Brasil só perde para os Estados Unidos como o maior depositário de informações de genes humanos. O próximo passo será avaliar o comportamento dos genes do câncer em paciente sob tratamento. 4°) Cana-de-açúcar Faz o seqüenciamento genético da cana-de-açúcar para se, descobrir, por exemplo, quais os genes relacionados ao metabolismo da sacarose. Iniciado em 1999. Fonte: José Fernando Perez/Fapesp