Agência Brasil – O Ministério da Saúde liberou mais R$ 4 bilhões a estados e municípios para ações de combate à Covid-19. O valor é um adicional ao que já recebem para custeio de ações e serviços relacionados à saúde e pode ser utilizado para compra de materiais e insumos, abrir novos leitos e custear profissionais.
A Portaria nº 774/2020 com a liberação foi publicada nesta quinta-feira (9) em edição extra do Diário Oficial da União. O valor corresponde a uma parcela mensal extra do que cada estado ou município já recebe para ações de média e alta complexidade ou atenção primária.
Em mensagem nas redes sociais, o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, disse que os recursos já foram depositados nas contas dos fundos estaduais e municipais de saúde. “A gente acha que, com isso, eles [os gestores de saúde] podem adquirir os equipamentos de proteção individual (EPIs) que a gente começa a trazer da China. Está começando o mercado chinês a se organizar, estamos conseguindo trazer”, disse.
De acordo com o ministro, a primeira carga com 40 milhões de máscaras vinda da China, de uma compra de 240 milhões de máscaras, deve chegar ao país na terça-feira (14). O esforço da equipe do Ministério da Saúde é de trazer 40 milhões por semana. Um edital será aberto para que empresas interessadas em ofertar esses insumos possam se cadastrar.
“Com isso a gente pacifica o mercado brasileiro. E isso, doravante pacificado, a gente já repassa os recursos para que os estados e municípios comprem, a iniciativa privada já está comprando. O mercado está começando a se normalizar, o de EPIs”, explicou o ministro.
Já sobre os respiradores, Mandetta disse que ainda há dificuldade. Segundo ele, foi feito uma acordo com a indústria nacional para elevar de 800 para 15 mil a produção de respiradores mecânicos em 90 dias.
O ministro da Saúde reforçou a orientação da pasta para manter o isolamento social. De acordo com Mandetta, na próxima semana “vamos colher os frutos da difícil redução da mobilidade social”, determinada por estados e municípios nas últimas duas semanas. “Hoje eu vi que o pessoal começou a andar mais, vamos pagar esse preço ali na frente. Esse vírus adora aglomeração, adora contato, adora que as pessoas achem que ele é inofensivo. E aí, as cidades podem pegar a transmissão sustentada [ou comunitária]”, ressaltou.
A dependência extrema de insumos importados explica a precária situação do Brasil na testagem para o novo coronavírus . Mesmo só examinando doentes graves, mortos, profissionais de saúde — e com reconhecida subnotificação —, o país já é o 14º do mundo em casos e o que menos testa entre os 15 países mais atingidos.
O déficit de testes do Brasil em comparação a outros países é abissal. O país faz 296 testes por milhão de habitantes. O Irã, o segundo que menos testa entre os mais afetados, faz 2.755 por milhão. Os EUA, 7.101 por milhão. A Alemanha, um dos países com menor taxa de mortalidade, testou 1.317.887 pessoas — 15.730 por milhão.
Os testes e os insumos são produzidos na China, Índia, EUA e países europeus. Acossados pela pandemia, todos usam o que produzem e, no caso da China, a maior produtora, exporta a quem paga mais e mais depressa.
— Todos os países do mundo querem a mesma coisa ao mesmo tempo —, disse ao “New York Times” Doris-Ann Williams, CEO da In Vitro Diagnostics Association, que representa grandes fabricantes e distribuidores de testes.
O professor de virologia da UFRJ Amilcar Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da universidade, diz que o Brasil está sob a tempestade perfeita: sofre com falta de infraestrutura para produzir testes, é refém da importação em um mercado sob demanda extrema e pena com a falta de ação do governo federal para resolver o problema.
— O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, fez tudo o que podia. Mas falta apoio e uma ação mais incisiva do governo — diz.
Pesquisadores veem uma ameaça à nossa soberania:
— Esse é o preço que pagamos por jamais termos investido em pesquisa e na indústria de biotecnologia. Agora, temos uma extrema dependência do exterior, uma ameaça gravíssima à nossa soberania — afirma Roger Chammas, da Rede USP para Diagnóstico da Covid-19 (Rudic).
Chammas, cujas pesquisas são apoiadas pela Fapesp, diz que a previsão é que a Rudic faça 1.500 testes moleculares diários. Hoje, faz 200 por dia. Não é por falta de capacidade técnica: é falta de insumos. A Rudic integra a plataforma de testes do governo do estado de São Paulo, coordenada pelo Instituto Butantã, que prevê realizar 8.000 testes por dia, mas está à espera da chegada de reagentes.
Todos à espera
Quem se cadastrar nos sistemas da Caixa Econômica Federal para pedir o auxílio emergencial de R$ 600 concedido pelo governo a informais em meio à pandemia do coronavírus mesmo sem ter direito ao benefício poderá cometer crimes de falsidade ideológica e estelionato, afirmam advogados.
Quem receber o dinheiro sem ter direito, segundo eles, terão de ressarcir o valor à União e ainda poderá ser investigado em inquérito policial e ser denunciado pelo Ministério Público Federal.
Desde o lançamento do aplicativo, na terça-feira (7), 27 milhões de cadastros foram feitos para solicitar o valor.
Nesta quarta (8), usuários foram às redes sociais para ironizar quem baixava o app da Caixa para pedir o auxílio sem ter direito a ele. Outros pediam que quem não precisasse não fizesse a solicitação.
Pelas regras, pode pedir os R$ 600 quem não tem emprego formal, tenha renda familiar de até R$ 3.135 (ou R$ 522,50 por pessoa da família) e não recebe benefícios previdenciário, assistencial ou seguro-desemprego.
O sistema da Caixa é baseado na autodeclaração de quem pede o benefício. O cadastro está sujeito a conferência pelo governo, que cruza as informações fornecidas com bases de dados como as do CadÚnico (cadastro único para programas sociais), da Receita Federal, da Previdência Social e da Secretaria do Trabalho.
“Uma pessoa poderia inserir informações falsas que a tornaria apta a receber o pagamento, mas isso caracteriza falsidade ideológica”, diz João Rassi, sócio do escritório de advocacia Siqueira Castro. A pena para o crime varia de um a cinco anos de prisão.
Segundo ele, o delito pode ser cometido ainda que a pessoa não use documentos falsos; bastaria declarar indevidamente ter direito ao benefício para configuração do crime. Se houver uso de documentos falsos para cometer a fraude, haveria o crime de falsidade material, de acordo com Rassi.
Nesses casos, também pode haver o crime de estelionato, se o dinheiro chegar a ser depositado na conta de quem não tem direito ao valor. “O delito de falsidade é um crime para obter o benefício financeiro em detrimento da União, que é absorvido pelo de estelionato”, afirma.
Esse estelionato teria o agravante de ser cometido contra a assistência social, o que aumenta em um terço a pena, que varia de um a cinco anos de prisão, segundo Rassi.
Para o criminalista Leonardo Avelar, sócio do escritório Cascione, pode haver crime antes mesmo de o pagamento ser realizado, porque, para pedir o benefício, o solicitante precisa ler quais são os critérios e declarar que se enquadra neles.
“Quem faz isso incorre em falsidade, e a conduta pode ser caracterizada também como tentativa de estelionato. Seria pouco crível alegar na Justiça que não sabia quais são os requisitos [para receber o auxílio]”, afirma Avelar.
Os advogados dizem, ainda, que uma eventual alegação em juízo de que o valor de R$ 600 é insignificante e que, por isso, não há crime tende a ser desconsiderada pelos tribunais.
Claudio Machado, especialista em gestão de identidades e pesquisador do ITS Rio, diz que o cruzamento da base de dados do governo deve restringir a possibilidade desse tipo de fraudes.
“O aplicativo para solicitação do auxílio foi desenvolvido pela Caixa em conjunto com a Dataprev, estatal que tem acesso a bases de dados como a da Receita e a da Previdência. Se alguém chegar a pedir o benefício indevidamente, é provável que seja bloqueado”, afirma ele.
O maior problema, diz Machado, não é evitar esse tipo de fraude, mas fazer com que a população vulnerável tenha acesso ao recurso. A exigência de ter CPF em situação regular, afirma ele, é uma barreira.