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Sandbox no Brasil, inovação e desenvolvimento econômico

Publicado em 15 outubro 2021

Por Marcelo Costa Soares

Um olhar para um nicho de mercado negligenciado

Na atual crise sanitária (Covid-19), é necessário analisar iniciativas que possam ajudar o desenvolvimento e a recuperação econômica no Brasil. Ou seja, utilizar-se de iniciativas que desburocratizam o investimento econômico e, ao mesmo tempo, que incentivem, de maneira positiva, propostas que buscam fomentar avanços tecnológicos e a concorrência de maneira responsável.

Nesse sentido, o artigo tem como objetivo refletir sobre o papel das fintechs no desenvolvimento econômico do Brasil e o potencial crescimento dessas versus empresas tradicionais, fazendo uma reflexão do que acontece atualmente no mercado brasileiro não somente com fintechs mas com startups, de maneira geral, e sobre o que o modelo de sandbox pode propiciar futuramente ao país.

Dito isso, o ano de 2021, apesar de ainda turbulento quanto ao real crescimento econômico, motivado por questões políticas aqui não analisadas, apresenta propostas animadoras no âmbito do mercado brasileiro de startups.

Nesse ano, serão apresentados todos os resultados das empresas aprovadas a participarem dos Sandboxes regulatórios do Banco Central, CVM – Comissão de Valores Mobiliários e SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, sendo que o resultado desta já foi divulgado em seu site no dia 05/04/2021 com nove empresas autorizadas a participarem por um período de 36 meses e tendo como foco produtos massificados de curto prazo, já que produtos nos segmentos de previdência, resseguros e grandes riscos precisariam de um tempo maior, não sendo, a princípio, objetivo de um modelo de Sandbox.

É importante ressaltar que o Brasil, ao longo dos últimos anos, vem tentando acompanhar mudanças tecnológicas que ocorrem em países desenvolvidos.

Através do Decreto 9.283/2018 que regula a Lei 13.243/2016, verifica-se a previsão, ou pelo menos a sugestão, para a criação de ambientes promotores de inovação, tais como: hubs de inovação que proporcionam uma primeira interação e troca de informações entre empresas e órgãos reguladores como também a efetivação de Sandboxes com propósito de serem ambientes regulatórios flexíveis, isolados e seguros, em que empresas participantes recebem autorizações temporárias para desenvolver inovações em atividades regulamentadas, com atuações monitoradas e orientadas pelo órgão regulador responsável.

O objetivo, portanto, é favorecer o aspecto inovador proporcionando a criação de um ambiente dinâmico onde se consiga gerar oportunidades para que modelos de negócios inovadores atinjam um público amplo, gerem ganhos de produtividade e tragam mais competição tecnológica para o Brasil.

Se por um lado o desejo de buscar investimentos parece querer fluir, por outro lado a inovação no Brasil, como um vetor de desenvolvimento, atualmente gira em torno de 0,5% do PIB, de acordo com dados recentes da CNI – Confederação Nacional da Indústria [1]. Conforme a mesma, países como China e Estados Unidos investem em Pesquisa e Desenvolvimento cerca de US$ 380 e 200 bilhões respectivamente. O Brasil, por sua vez, apesar de um orçamento previsto no valor de R$ 7,2 bilhões, autorizou recentemente R$ 400 milhões para Ciência e Tecnologia.

Tendo isso em mente, é importante ressaltar que as inovações de um país precisam ser entendidas de forma sinérgica com intuito de modificar processos de gestão e transformar modelos de negócios. De acordo com o IGI – Índice Global de Inovação, o Brasil caiu quinze posições nos últimos dez anos. Atualmente o país ocupa 62ª colocação no índice, o que não condiz com a sua posição de destaque na economia mundial [2]. Portanto, novidades em relação à fomentação de investimento e tecnologia são sempre bem-vindas.

Nesse sentido, o Sandbox Regulatório irá proporcionar ao Brasil vários aspectos positivos. Vale dizer, as startups, sejam elas fintechs (que atuam no mercado financeiro em vários segmentos), insurtechs (que atuam no mercado de seguros), assim como empresas tradicionais com produtos e serviços inovadores e órgãos reguladores, todos estes, irão se beneficiar da troca de conhecimento que esse ambiente proporciona.

Empresas poderão oferecer produtos e serviços dentro de um ambiente regulamentado, obter feedbacks de consumidores, adaptá-los se for o caso através desses retornos, assim como, por outro lado, órgãos reguladores poderão entender melhor como funcionam os serviços ou produtos dessas empresas e ao mesmo tempo, se for o caso, flexibilizar (sempre com responsabilidade) legislações para que os mesmos sejam apresentados ao mercado e à sociedade através de tecnologias disruptivas ou por meio do uso inovador das mesmas e de maneira segura.

A troca de informações entre esses órgãos reguladores no Brasil também será de essencial importância. Evidentemente que cada regulador tem sua própria política e autonomia. Porém, ao compartilhar informações, cada autoridade poderá aprender com as especificidades regulatórias de cada setor. Diante de uma economia cada vez mais dinâmica não é difícil surgirem startups que ofereçam serviços que abrangem diferentes características. Uma startup, por exemplo, que atua com serviços financeiros e com seguros poderá precisar tanto da orientação do Banco Central quanto da Susep.

Além da troca de conhecimento dentro da própria jurisdição brasileira, se faz necessário dentro de uma economia globalizada, o compartilhamento de know-how entre jurisdições, sem entrar no mérito de aspectos geopolíticos e protecionistas.

Vale dizer, que em 2018, frente à um cenário globalizado, a FCA (Financial Conduct Authority – órgão regulador do Reino Unido e pioneiro no conceito de Sandbox) propôs a criação de um Global Sandbox, ou seja, um ambiente onde se pudesse ter como objetivo a realização de cross-board testing, que nada mais é do que o registro conjunto de reguladores de jurisdições diferentes para autorização de startups e empresas tradicionais, que distribuem e ofertam simultaneamente produtos e serviços inovadores em diferentes jurisdições [3].

Dito isso, é essencial dizer que a ideia prosperou, e que atualmente existe um programa piloto junto ao GFIN (Global Financial Innovation Network) onde a CVM como órgão regulador brasileiro faz parte, e não é à toa que após a divulgação de seu Edital de Sandbox, dentre as 34 propostas recebidas, duas são de jurisdições estrangeiras, demonstrando, portanto, que o incentivo ao investimento econômico e tecnológico se faz com foco na troca de conhecimento, com menos protecionismo, ofertas de bons produtos/serviços, e regulamentações menos engessadas.

Com isso, o resultado das empresas que se inscreveram para o Sandbox do Banco Central regulamentado pelas resoluções CMN nº 4.865/2020 e BCB nº 29/2020 está sendo aguardado com ansiedade. O setor financeiro no Brasil nos últimos anos, mais precisamente desde 2013, vem passando por uma grande transformação. Mesmo sem ainda ter um Sandbox ativo propriamente dito, observa-se ao longo desses últimos anos, várias iniciativas já realizadas pelo Banco Central ligadas à flexibilização da legislação para entrada de novos conceitos e formas de negócio nesse setor, tais como:

autorização para registro de fintechs;

criação do conceito de Instituição e Arranjo de Pagamento, que permitiu que bancos digitais, oferecessem contas digitais, serviço que era exclusividade de grandes bancos;

implementação do conceito de Open Banking que permite que usuários do sistema financeiro compartilhem, por meio de consentimento prévio e de forma segura, suas informações cadastrais e históricos de transações com outras instituições e fintechs, de modo que possam oferecer serviços com maior qualidade e/ou com preços mais competitivos; e

implementação do PIX que possibilita pagamentos instantâneos no Brasil trazendo maior agilidade nas operações de transferência e pagamentos online no país.

Diante do exposto, o que fica de lição para uma retomada econômica é que, por meio de uma economia sempre mais voltada à tecnologia, e na busca de menos entraves burocráticos, a concorrência com responsabilidade se torna essencial e necessária para o desenvolvimento do país. Para se ter noção do potencial dessas startups, o conceito conhecido como Roubo Potencial de Participação de Mercado[4], nos faz entender o motivo pelo qual uma empresa consolidada no mercado e com share de mercado maior pode ter valor de mercado menor do que startups recém-chegadas no mercado. Isso é algo cada vez mais comum no Brasil. O motivo disso é explicado pelo conceito apenas citado.

Não é à toa que o potencial dessas fintechs seja enorme, e conforme pesquisa da Distrito[5], o número de fintechs só cresce. Até agosto de 2020 o Brasil já tinha 742 fintechs, sendo distribuídas da seguinte forma:

70% região sudeste;

20% região sul;

5,4% região nordeste; e

0,7% região norte.

O número parece grande, mas se pensarmos que quase metade da população brasileira economicamente ativa é desbancarizada, não por falta de renda, já que esse grupo movimentava anualmente até 2019 mais de R$ 800 bilhões, mas por não poder, muitas vezes, ter como comprovar renda, percebe-se ainda um grande nicho a ser explorado por essas fintechs. Consequentemente, tal situação faz com que bancos tradicionais comecem a se mexer ofertando mais serviços com tecnologias e desburocratizando, na medida do possível, procedimentos internos.

Nesse sentido, é necessário refletir, o que já foi aqui mencionado como concorrência responsável, e que para alguns autores, é percebido como busca por equilíbrio concorrencial. Surge aí o seguinte dilema: como analisar essa questão concorrencial entre empresas?

Ao se fazer essa análise, surgem algumas reflexões, tais como a de autores que publicaram o artigo acadêmico intitulado – Regulatory Tools To Encourage Fintech Innovations: The Innovation Hub and Regulatory Sandbox in International Practice[6] (Ferramentas regulatórias para incentivar as inovações em relação à Fintech: Centro de Inovação e regulação de Sandbox no âmbito da prática internacional) – e onde se indaga sobre o formato ideal de regulamentação em relação à soluções tecnológicas.

Sugere-se que a regulamentação deveria dar paridade de igualdade entre empresas, ou seja, que os reguladores não deveriam ser nem tanto inclinados à uma visão econômica totalmente liberal, (voltada ao laissez-faire approach) nem tanto rigorosos ao excesso de coibir inovações tecnológicas através de startups, o que eventualmente poderia favorecer empresas tradicionais.

Dito isso, tal análise parece num primeiro momento muito pertinente, todavia, refletindo-se sobre a mesma, e pegando a realidade brasileira, não seria prudente indagar-se sobre: se não se estaria partindo de uma premissa dando mais importância às características de empresas ao invés de se ter como premissa primeiramente a satisfação das necessidades de um nicho de mercado historicamente negligenciado?

Ao se analisar a lógica do modelo de Sandbox Regulatório, a priori, em países onde ele foi implementado, não parece ter existido indícios ligados à empecilhos quanto ao número de vagas correspondente à entradas de empresas com base em suas características.

Startups ou empresas tradicionais cumprindo o que os reguladores exigem para a segurança do mercado como um todo e bem-estar de consumidores deveria funcionar como lógica desse modelo?

O que se tem visto em outros países, é uma preocupação ligada à necessidade que envolva a segurança relacionada ao direito do consumidor final. Nesse sentido, questões ligadas à esse direito, a proteção de dados pessoais de consumidores, com leis específicas ao tema, ganha atenção por parte de órgãos reguladores.

Por outro lado, a dinâmica da concorrência entre startups e empresas tradicionais é algo ainda a ser verificada ao decorrer dos próximos anos. O que se percebe, no entanto, é que a lógica do modelo reflete uma tendência visando um maior estímulo à concorrência com ofertas de produtos/serviços que atendam o bem-estar do indivíduo, independente da característica individual de cada empresa, e ao passo que se prioriza o avanço tecnológico.

Portanto, diante do exposto, com um número sempre crescente de startups no Brasil e frente à Lei Complementar nº 182/2021 que instituiu o Marco Legal das Startups (que entrou em vigor em 01/09/2021), espera-se que por meio do modelo de Sandbox Regulatório se possa efetivamente ter condições especiais e simplificadas para que o país possa sair da crise econômica mais rápido.

Ao mesmo tempo, almeja-se que o Sandbox Regulatório propicie o desenvolvimento de modelos de negócios inovadores, olhando e priorizando necessidades de consumidores (com a dinâmica de um mercado responsável), e ajudando o Brasil se destacar diante de um cenário internacional desafiador e altamente competitivo.

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[1]BIANCHETTI, Mara. Investimentos do Brasil em Inovação são de 0,5% do PIB. Disponível em: 2021. https://diariodocomercio.com.br/web-stories/investimentos-do-brasil-em-inovacao-sao-de-05-do-pib/. Acesso em 05/10/2021.

[2]FAPESP. Brasil Ocupa 62º lugar no Índice Global de Inovação. Disponível em: 2020.https://pesquisaparainovacao.fapesp.br/brasil_ocupa_o_62_lugar_no_ndice_global_de_inovacao/1540#:~:text=O%20Brasil%20melhorou%20quatro%20posi%C3%A7%C3%B5es,ranking%20que%20abrange%20131%20pa%C3%ADse. Acesso em 05/10/2021.

[3]GFIN. The Global Financial Innovation Network (GFIN) was formally launched in January 2019 by an international group of financial regulators and related organisations, including the FCA. This built on the FCA’s early 2018 proposal to create a global sandbox. The FCA now leads and chairs the Network.. Disponível em: 2019. https://www.fca.org.uk/firms/innovation/global-financial-innovation-network. Acesso em 05/10/2021.

[4]GUISSONI, Leandro. Fintechs: conheça as empresas mais inovadoras. Youtube, 27/08/2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ysjBh41X5TY. Acesso em 05/10/2021.

[5]DISTRITO. Distrito Fintech Report Brasil 2020. Disponível em: 2020. https://f.hubspotusercontent30.net/hubfs/7735036/Data%20Content/cms_files_65883_1593523598FinTech_Report_2020_v7.pdf?utm_medium=email&_hsmi=125552684&_hsenc=p2ANqtz-8792ooej1tDwDjlHHNPANF0odlQSnSdwbTlbV4eTVexKqfRyxS17ZakxFc4IZLSEDKep7-vSrYvKZnuM_MaIniwAi843acpNeBpnvnTw4TZk76jfY&utm_content=125552684&utm_source=hs_automation. Acesso em 05/10/2021.

[6]FÁYKISS, Péter; PAPP,Dániel ; SAJTOS, Péter; TOROS, Ágnes. Regulatory Tools To Encourage Fintech Innovations: The Innovation Hub and Regulatory Sandbox in International Practice. Financial and Economic Rewiew, vol. 17. 2018, pp. 43-67.

Crédito: Unsplash (Foto: )

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