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Jornal do Brasil

Rumo a uma nova ciência? (1 notícias)

Publicado em 05 de setembro de 1998

Por CÂNDIDO MENDES
O pensamento complexo teve impacto maciço na América Latina, ansiosa em escapar do cansaço dialético e da retórica do fim do milênio Edgar Morin checa ao Brasil para a primeira assembléia, no seu vale de Josafá desta massa de seguidores espalhados em todo o mundo, mas de impacto maciço na América Latina, e que encontraram o pensamento complexo para escapar ao cansaço dialético e à mera exasperação crítica ao enfrentarmos esse tempo dos homens checado às tensões e à retórica do milênio. Vamos avaliar no Rio de Janeiro, pela primeira vez, a irradiação deste cogito em desestabilização permanente que tem, como rebate de seu alastramento europeu, estes centros interrogantes do morinismo no México, na Colômbia, no Prata, entre nós. O que os reúne agora não é apenas o que trás o pensamento de Edgar para a marca das grandes sínteses na leitura do universo: o importante é a inserção ativa que nos empresta nesta dialética incessante, onde tudo é reencontro e ida adiante, e recicla o humanismo de nosso tempo. Supera-se o mero enlace ecológico que disputava uma nova visão radical do mundo de ainda uma vintena, tal como se resgata a diferença no mundo globalizado. Terre-patrie não continua a Methode: só a devolve à constante repartida deste Morin, a impor a esta subjetividade pós-moderna o exercício sem cones em que lhe desvenda a trama do complexo. É o pensamento que devolve as totalidades difusas a um radical entendimento da máquina do mundo e preservou este "próprio" do homem, a pique das novas decoupages pelo universo global, de que os mídias confiscaram, de vez o espelho, bem como o código das inteligências artificiais, a caverna platônica, a partir da qual vimos o mundo nestes últimos três milênios de história. O morinismo como testamento ou senha? De qualquer forma como scienza nuova provendo-nos de uma intelecção da realidade na undécima hora, antes das novas reduções triunfais - fim da história, conflitos irrevogáveis de religião, "voyeurismos" da transcendência - nos quais o pensar se guarnece de uma polícia epistemológica e encarcera, sem data, a utopia. É às vésperas desta nova pax cognitiva que Edgar nos deu o tema, esquadrinhou o seu cenário e dotou-nos do método, como do fio de Ariane, neste novo labirinto da complexidade. Unificado, mas ao preço da incessante subversão metódica. Só ela lhe levaria às viagens de Ulisses, escapando aos reducionismos - para nos ensejar o compreender aberto por sobre as disciplinas escatológicas, do Brave New World ou do Apocalipse dos fundamentalismos. Morin pilota esta vasta travessia ao ignoto, munido das credenciais impecáveis, no desencanto fundado pela Sociologia, explorada no egrégio, ou no discrepante; no estudo da quebra dos estereótipos nas Stars, como no domínio do boato, fenômeno limite já das sociedades mirradas nos seus incestos de comunicação em "Plodemet"; no teste da própria experiência de morte pelo vif du sujet; no perdimento na Califórnia, antes do Silicone Valley, quando era a terra prometida do homem feito à escala do mito velho e da inutilidade, neste caso, da transgressão continuada. São os exits antológicos que marcam a legitimidade de Edgar que, afinal, pôde ver a Medusa e nos oferecer a complexidade, no seu frêmito primordial. Purgou-se da só aventura da intelligentisia, no após guerra francês, sabordando "Argument" como um gesto coletivo e único de protesto, somado ao da autocrítica; viu a terra nova das ciências exatas, no que continham da mesma pulsão, da mesma boucle, que pôde de maneira única estender ao domínio precário das nossas ciências moles. Inverteu o plano das miradas para situar, com esta heurística de um copernicanismo temerário, o verdadeiro centramento novo de um ver o mundo. Todo avanço da física desdobrado àquela época, nas pontas de lança de San Diego ou de La Jolla, ou da Biologia do Salk Institute, ganhavam o seu transplante, nas primeiras grandes metáforas experimentais, em que Morin lia Von Foster, Atlan ou Schroedinger, ou já no capeamento da mesma senda, vindo na direção oposta, Ilya Prigogine. Vi em maio de 68 esse Edgar da primeira e ambiciosa abordagem, com o mesmo tempero ibérico dos experimentadores do mar tenebroso mais uma vez cortado pela tensão do instante. Falara em nossa Universidade, ao mesmo tempo que, nos fins de semana, retomava a Paris via Bruxelas, para sentir a pólvora, e os paralelepípedos da Sorbonne, que nos deu o grande insight do intelectual diante da última grande revolta pela utopia, no seio mais encardido da Grande Sociedade Ocidental. A Methode surgiria com este tempo duro e quase sempre demolível das decantações. E forjava os instrumentos para este entendimento, afinal, da realidade apoiada naqueles princípios fundamentais do holograma, da recursão, da retroação, do dialogismo colhendo a dialética e assegurado neste retorno sem fim do conhecente sobre o conhecido. Mas esta sua leitura integrada do mundo é feita cautelosissimamente: não quebra, engloba os sistemas tal como se safa de uma contradialética pelo seu fio dialógico. O recado não escrito da obra - o que os morinianos vão hoje reconhecer no seu vale - é o desta última praxes do pensador, que afinal guarda sempre a última volta do novelo na sua roca, neste labirinto à luz do sol. O seu conhecimento tem a malícia da ruse de onde afinal vai surgir o segredo da complexidade aberta. O que nos dá afinal Edgar é esta reposição do passo do homem numa mecânica que necessariamente o implica mas não o confira, e entrega a Ulisses e Prometeu a última palavra. É esse Morin da última maturidade que agora nos ensina a como elidir o que, no método, pode se tomar a fatalidade do retorno perene. O meta-sabordeur tem sempre como sua garantia, e chegada a Itaca, o faro do seu cão e a lucidez, de sua poesis. Cândido Mendes é presidente do Sênior Board do Conselho Internacional de Ciências Sociais — UNESCO, Membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão de Justiça e Paz e deputado federal pelo PSDB-RJ.