Ser criativo, inovador, Empreendedor, Todos esses predicados aparecem nas receitas para o sucesso como atributos desejáveis e cobrados de pequenos negócios para conquistar o tão almejado diferencial competitivo capaz de colocá-los na rota do mercado.
Bonito no discurso, complicado na prática. Não que as PMEs não sejam criativas para entrar nessa dança. Idéias novas afloram aos montes, mas é preciso muito mais do que jogo de cintura para lidar com questões como propriedade intelectual, teoricamente suportada por patentes.
A verdade é que há uma realidade muito difícil por trás de palavras como inovação e empreendedorismo. Pensar em inovação dentro de grandes companhias que já têm estruturas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) consolidadas e fizeram de erros, acertos e depósitos de patentes uma rotina é um cenário completamente diferente do que se vê nas verdadeiras batalhas diárias que pequenas empresas brasileiras travam para inovar e, com sorte, ter seu direito à titularidade da invenção garantido.
Não se trata de uma série de tentativas paralelas em que se consegue de vez em quando a patente de um produto de sucesso que rende milhões, compensa e garante o retorno de todo o investimento. Mas, sim, do nascimento de muitas empresas calcadas em uma única invenção na qual depositam todos seus esforços e esperanças.
Saí com a missão de descobrir como as pequenas empresas estavam lidando com o assunto e encontrei idéias genuínas, fruto da dedicação, suor, pesquisa, iniciativa e de muita coragem. Encontrei não pequenas empresas, mas sonhadores com receita zero, sobreposição de custos e uma persistência sobrenatural para correr atrás da conquista de ver suas invenções se tornarem produtos reais.
Não é fácil. O processo de solicitação de patentes é bastante moroso, burocrático e complexo, o que alimenta um mercado caro de consultoria. Um escritório de advocacia do ramo, por exemplo, cobra em média de cinco a sete mil reais pelo serviço de depósito de patente no Brasil, cifra que pode pular para a casa dos 20 mil reais se for um registro no exterior. Além disso, há ainda as taxas cobradas pelo próprio Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), mais amenas, mas que engrossam o custo total.
Com todas essas barreiras para obter um documento de segurança incerta no País depois de uma espera em torno de sete anos, por que apostar em patentes?Dois pontos de vista bem distintos dão a resposta e mostram à sua maneira que aquela frase "sou brasileiro e não desisto nunca" faz todo sentido para os personagens dessas histórias reais que seguem.
Solução econômica, trâmites custosos
A privatização das telecomunicações no Brasil e a opção de escolher a prestadora para originar chamadas de longa distância com a adoção dos códigos, em 200, chegaram aos ouvidos de Roberto Cavalcanti como oportunidade.
No final de 1999, o sócio-gerente da Econolig idealizava um roteador automático para seleção do operador de menor tarifa. O produto era conveniente já que tudo era muito novo para os usuários de telefonia e a confusão entre preços, horários e ofertas de cada prestadora era grande.
A empresa só seria aberta em 2002, mas a novela da petente começou dois anos antes, quando o primeiro pedido foi colocado. "Batia com outras patentes pelo mundo e mudamos para registrar só o que era realmente inovação, em dezembro de 2001", diz Cavalcanti.
Segundo ele, apesar de o depósito estar protocolado há seis anos, o pedido no Brasil ainda estaria na fase de exame. "Acho que nem sendo examinado está. Em 2003 começamos o processo de pedido no exterior pela união internacional de patentes. Em dois anos e meio a patente foi concedida nos Estados Unidos e estamos à espera do registro no sistema da União Européia."
Embora já tenha recebido recursos oficiais da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e sido acolhido pelo Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), a Econolig permanece sem gerar receita e estima ter investido com recursos próprios cerca de 600 mil reais.
Valeu a pena? Colocando tudo na balança hoje ele percebe que talvez não, mas com tanto capital já aplicado prevalece a esperança que o futuro prove o contrário, ainda que a vulnerabilidade das patentes já tenha lhe rendido algumas rasteiras no meio do processo.
"A discussão do mérito técnico na Justiça é meio complicada. Tem de ter peritos que comprovem e hoje em dia, com a troca de informação e as idéias pipocando em vários lugares, não há uma garantia que alguém não teve a mesma idéia. Procurei seguir os caminhos especificados para tentar não correr riscos, mas mesmo assim acontece. Depois que entrei com o pedido de patente, por exemplo, comecei a procurar empresas que quisessem tocar o projeto comigo. A idéia foi divulgada, chegou até um centro de pesquisa e um aluno resolveu fazer um sistema parecido", relata Cavalcanti.
Para ele, a saída das patentes não convém às pequenas empresas, principalmente se, como em seu caso, for um negócio em estágio embrionário. "Nenhum investidor bota dinheiro em uma empresa que não esteja dando dinheiro. Ainda não temos receita, estamos indo para o mercado agora, sem nenhum cliente firmado", diz.
Credenciais para a inovação
Marido, mulher e cunhado. Esses não são os protagonistas de um conto de Nelson Rodrigues, mas personagens de uma outra "vida como ela é". Criada pelos sócios Flávio, Cristiane e Rogério Ulbrich, a BCS Tecnologia nascia em 2005 para preencher uma lacuna na área médico-hospitalar. Já familiarizados com o ramo, os irmãos Rogério e Flávio, que atuavam na venda de equipamentos para o setor, identificaram a demanda por válvulas reguladoras de pressão para hospitais que fossem resistentes a quedas.
Para se ter uma noção, o equipamento que já existia, porém não nessas condições, é um dos itens mais caros e indispensáveis nas UTIs, usado para captar e estabilizar o gás que alimenta respiradores e máquinas de anestesia, por exemplo. De olho nisso, o grupo tratou de desenvolver um protótipo do produto com a inovação de ter proteção antiqueda e ainda um sistema de rápida abertura e fechamento da válvula, outro problema que tornava a troca para deslocamento dos pacientes muito demorada. "Fizemos o protótipo e com base nele a inscrição do pedido de patente. Aconteceu tudo junto. Depois do depósito montamos a empresa e já levamos o projeto para a incubadora (lnova/Unicamp)", conta Cristiane Ulbrich, sócia e diretora de P&D da BCS Tecnologia.
Protocolado, o pedido espera julgamento, mas Cristiane está ciente de que pode levar anos para que a carta-patente chegue em suas mãos, assim como o retorno de todo o capital. "Esperamos que o investimento se pague no lançamento do produto. Estamos aprendendo com a primeira patente. A expectativa é de que a ferramenta ajude no aspecto jurídico, porém o que mais conta pontos para nós é o valor de certificado", justifica.
De fato, estar no aguardo da carta—patente abriu portas. Segundo Cristiane, o depósito ajudou a BCS a conseguir financiamento, outro processo apontado como vilão por muitas pequenas empresas. "É muito difícil conseguir financiamento, mas tivemos uma boa preparação para isso e a patente mostra que tem inovação de verdade no produto. Apresentamos outros projetos sem patente envolvida e não conseguimos o recurso", observa a diretora.
A empresa também tem receita zero e conta com recursos próprios e de órgãos de fomento para se manter Cristiane é a única dos três sócios que se dedica exclusivamente à BCS Tecnologia, enquanto o marido Flávio e o cunhado Rogério seguem com a comercialização de equipamentos médico—hospitalares.
Medo de ver o esforço ir para o ralo com a possibilidade da idéia ser apropriada por outros? Cristiane garante que não tem, mas essa tranqüilidade tem um segredo: antecipar-se aos problemas. "Tomamos o cuidado de montar todo o planejamento do negócio, o que foi fundamental, já que percebemos que precisaríamos evoluir na inovação e trabalhar com outros produtos além da válvula. Enquanto o concorrente estiver copiando a primeira já estamos com quatro atualizações", diz.
A diretora ressalta ainda a importância de se fazer uma projeção financeira antes de arregaçar as mangas e apostar em invenções que não compensem o investimento. "Já resolvemos não lançar produtos por que não dariam retorno".
Com os pés no chão, mas sem deixar de sonhar; a BCS tem grandes expectativas para 2008, que incluem a conquista de mais um financiamento, a possibilidade de firmar negócio com uma venture capital, o uso de nanotecnologia no desenvolvimento de materiais e a intenção de depositar mais patentes no Brasil e dar entrada também no exterior.
Questão na balança
Afinal, vale ou não vale a pena para as PMEs investir em patentes? Um momento que se prima pela colaboração e pela queda de conceitos de exclusividade em mercados cada vez mais comoditizados exige cautela. Antes de tomar essa decisão é necessário ter o propósito que se pretende atingir bem claro para não embarcar numa furada.
Se a intenção é registrar a boa idéia para assegurar o direito de propriedade intelectual ou gerar renda com royalties, muito cuidado.
Infelizmente as garantias são muito frágeis para compensar todo o empenho e capital injetado, além dos prazos serem muito longos e incompatíveis com o ciclo de vida dos produtos cada vez mais curtos.
Quando o foco é atrair as atenções, seja para financiamentos ou para legitimar a credibilidade da empresa, da mesma forma como funciona com selos de qualidade e modelos de referência como ISO e CMMI (integração dos modelos de maturidade da capacidade), a patente é uma boa opção, já que o registro fica disponível para consulta.
Recordista no número de depósitos feitos no Brasil, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) a usa justamente como um mecanismo de difusão e estímulo à inovação. Segundo Roberto Lotufo, diretor-executivo da Agência Inova da Unicamp, além de atrair financiamento privado para tecnologias embrionárias desenvolvidas na universidade, as patentes fazem muito sentido para o meio acadêmico já que ajudam a difundir uma cultura de inovação e a fomentar que professores e alunos façam consultas a bancos de patentes como forma de aprimoramento de análise bibliográfica.
"Procuramos depositar as patentes com todo o cuidado possível e licenciá-las conforme a legislação baseada na Lei de Inovação. O custo do depósito no INPI é bastante acessível. O que é caro é o processo de aconselhamento ao pesquisador e o de escrita da patente em si, além da comercialização", diz.
A dificuldade para pequenas e médias não é exclusividade do Brasil. Países pelo mundo afora discutem como otimizar a questão de patentes para o segmento. A Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) tem presente na pauta, por exemplo, o estudo de novas formas de lidar com a patente de produtos de ciclo de vida curto, além de manter urna ampla variedade de tópicos, incluindo a difusão de melhores práticas num espaço especial no portal da organização (http://www.wipo.int/sme).
Cabe lembrar que a inovação de valor é aquela que realmente é adotada pelo público-alvo. Esse é um dos critérios que tem norteado a decisão de grandes companhias e também serve para os pequenos negócios. Por mais inédita que possa ser a idéia, pesar a potencialidade de uso, funcionalidade, escala e principalmente a rentabilidade que a inovação trará para a empresa são itens importantes na hora de listar os prós e contras. Independentemente do objetivo, quem resolver se aventurar pelo universo das patentes deve estar ciente de que terá muito trabalho pela frente. E se os recursos não permitirem bancar a assistência de consultorias especializadas prepare-se para quebrar a cabeça e encarar o preenchimento de especificações minuciosas dos documentos nada amigáveis para requerer o depósito.
Existem cursos especializados que orientam sobre o preparo desses documentos que podem ser um investimento precioso para minimizar o risco de erros, no entanto não são garantia de que tudo dará certo. O mais importante, porém, é que se faça. Inovação é a moeda de troca da vez, o chamariz capaz de projetar as pequenas empresas. Optando ou não pela patente, deixar para depois o que se pode lançar agora pode ser o mais caro dos enganos.
Como funciona
O INPI recebe cerca de 20 mil depósitos por ano. Podem ser patenteados produtos (invenção) e processos novos (modelo de utilidade). O critério de novidade é mundial. Qualquer coisa que já tenha sido publicada deixa de ter novidade. Também não pode ser óbvio e é preciso ter uma aplicação industrial. Modelos de negócio não são patenteáveis.
Mais de 80% de todas informações estão em bancos de patentes. O primeiro passo é realizar essa busca que pode ser feita pela internet, pessoalmente no INPI ou encomendada ao instituto sob o pagamento de uma taxa. Feito o depósito há um período de sigilo de 18 meses. Ninguém mexe nem publica o texto nesse intervalo.
Passado o período de sigilo, o texto fica disponível para consulta e o depositante deve requerer o exame da patente pelo INPI, que também será pago, assim como a anuidade a partir do segundo aniversário do pedido. Se após ser examinado não houver mais nenhuma outra exigência e o pedido for aprovado, o depositante paga então a expedição da carta-patente.
O prazo depende muito da área, mas hoje gira em torno de sete anos. Segundo Rita Machado coordenadora de cooperação nacional do lNPl, o instituto vem passando por uma reestruturação desde 2004 que deve acelerar os processos, com a perspectiva de que até final de 2008 seja alcançado o tempo de quatro a cinco anos compatível com o nível internacional.
As patentes são válidas em todo o território nacional por 20 anos, para invenção, e 15 anos para modelo de utilidade. No exterior, os pedidos devem ser feitos diretamente aos países de interesse ou ainda por meio do próprio INPI a partir de uma solicitação de extensão da patente brasileira para outros países.
Mais informações estão disponíveis no site do INPI: www.inpi.gov.br