O desperdício alimentar e a produção incessante de lixo são dois desafios para os quais a cadeia de produção alimentos procura respostas imediatas, sob pena de comprometer a segurança alimentar e a preservação do meio ambiente. Investigadores brasileiros desenvolveram uma nova tecnologia à base de vegetais que conseguiu aumentar o tempo de vida útil. Veja como.
Uma nova tecnologia desenvolvida por investigadores brasileiros – um revestimento feito à base de plantas – conseguiu aumentar de cinco para 12 dias o tempo de vida útil da primeira cultura testada: o morango. O resultado é fruto do avanço da nanotecnologia, que proporcionou o desenvolvimento de uma nova “nanoemulsão antimicrobiana” formulada com diferentes compostos vegetais.
Para chegar a este resultado, cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) combinaram as propriedades dessas substâncias para gerar um revestimento funcional. O material tem resistência mecânica, térmica e hidráulica, além de propriedades óticas e antimicrobianas. Mais especificamente, os investigadores incorporaram numa matriz de amido de araruta nanocristais de celulose, nanoemulsão de cera de carnaúba [palmeira endémica do Brasil] e óleos essenciais de hortelã-verde e palmarosa [variedade de capim].
“O material tem resistência mecânica, térmica e hidráulica, além de propriedades óticas e antimicrobianas.
“Com a absorção dos óleos essenciais, o revestimento foi capaz de reduzir significativamente a severidade do mofo cinzento causado pelo fungo Botrytis cinerea, um dos principais patógenos do morango, que ataca o fruto tanto em campo como na pós-colheita, e pelo Rhizopus stolonifer, responsável pela podridão mole em frutos, principalmente em pós-colheita”, dizem os investigadores da Embrapa.
No entanto, para além da proteção já destacada contra os fungos, este novo revestimento produzido no Brasil foi capaz de conter a desidratação do morango, aumentando também o teor de compostos bioativos benéficos para a saúde – tais como a vitamina C e antocianinas durante o armazenamento do fruto. O estudo foi conduzido pelo bacharel em Agroecologia Josemar Gonçalves de Oliveira Filho, no âmbito do trabalho de doutoramento em Alimentação e Nutrição, pela Unesp.
A procura de soluções naturais
Com esta nova proposta, os cientistas procuram uma nova abordagem de revestimento, baseado em produtos naturais, em conformidade com a alta procura por soluções sustentáveis, tanto a nível nacional como internacional. O investigador Oliveira Filho explicou que os frutos foram imersos em soluções de revestimento bionanocompósito e depois foram secos ao ar. Depois disto foram colocados em caixas plásticas e armazenados por 12 dias em temperatura refrigerada.
“Neste método, toda a superfície do alimento é submersa na solução formadora de filme a uma velocidade constante, permitindo a cobertura total, garantindo a completa molhabilidade (capacidade de um líquido em manter contato com uma superfície sólida) do fruto”, esclarece Oliveira Filho. Em escala laboratorial, a imersão é um dos principais métodos utilizados para o revestimento de frutas devido à sua simplicidade, sem dependência de equipamentos.
“Além disso, revestimentos de bionanocompósitos, carregados com óleo essencial de hortelã-verde e palmarosa, foram capazes de reduzir em mais de 60% a severidade das podridões causadas pelos fungos B. cinerea e R. stolonifer inoculados em morangos”, destaca Oliveira Filho.
“Revestimentos de bionanocompósitos, carregados com óleo essencial de hortelã-verde e palmarosa, foram capazes de reduzir em mais de 60% a severidade das podridões causadas pelos fungos
Josemar Gonçalves de Oliveira Filho, bacharel em Agroecologia
A nanotecnologia na alimentação
Os cientistas já sabem que a aplicação de propriedades em nanoescala proporciona benefícios em comparação com partículas de maior tamanho e que, somado ao conhecimento de vários polímeros naturais que existem, conseguem desenvolver fontes sustentáveis para os alimentos. Um exemplo disso mesmo é o amido, um polímero natural muito promissor, de baixo custo e com boas propriedades de formação de revestimento, além de ser biodegradável.
Outro exemplo é o amido de araruta, obtido do tubérculo da Panc (planta alimentícia não convencional) Maranta arundinacea. De baixo custo e mais resistente mecanicamente, devido ao alto teor de amilose em comparação com outros amidos como o de mandioca e milho, esta substância tem um ponto negativo que é sua característica hidrofílica, que resulta em fracas propriedades de barreira à água. Os investigadores utilizaram, por isso, recursos da nanotecnologia como estratégia para melhorar os revestimentos e dar origem a novos materiais com propriedades eficazes, conhecidos como bionanocompósitos.
De acordo com o investigador da Embrapa Instrumentação, Marcos David Ferreira, as melhorias são importantes para garantir a manutenção da qualidade dos alimentos, bem como reduzir o desenvolvimento de microrganismos, como bactérias, fungos filamentosos e leveduras, e a ação de radicais livres que deterioram os alimentos e reduzem a vida de prateleira. Além disso, para obter uma boa atividade basta apenas uma proporção menor dessas substâncias, que em baixas concentrações não afetam negativamente as propriedades sensoriais dos alimentos.
Marcos David Ferreira, investigador da Embrapa Instrumentação
“Os nanocristais de celulose, utilizados como nanoreforço, ajudaram a fortalecer a matriz biopolimérica e as características mecânicas dos revestimentos, além de melhorar a sua adesão à superfície da fruta, enquanto as propriedades antimicrobianas foram incorporadas por meio dos óleos essenciais – agente antimicrobiano natural. A nanotecnologia é uma ferramenta promissora para atender a esta procura pela capacidade de melhorar as propriedades desses revestimentos, principalmente à base de cera, reduzindo a necessidade de soluções sintéticas”, explica o cientista.
A investigação recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologias do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI/SisNano) e Rede de Nanotecnologia para o Agronegócio (Rede Agronano). A próxima etapa é a finalização da tecnologia com avaliações em condições comerciais para inserção no sistema de produção e análise de aceitação no consumidor. As parcerias público-privadas têm sido utilizadas para viabilizar essa etapa com transferência de tecnologia.
“O tempo estimado para validação da nanoemulsão junto ao setor da produção e comercialização, incluindo análise de mercado e escala industrial, é de dois a quatro anos”, conclui Marcos Ferreira.
Evitar o desperdício de alimentos
Com o mundo a chegar aos 8 milhões de habitantes, aumentou a necessidade de alimentos para toda esta população. Evitar o desperdício alimentar pode ser a primeira meta, e também talvez a mais fácil, mas é necessário reforçar o combate à insegurança alimentar que ainda existe, principalmente nos países mais pobres.
Falando especificamente do morango, alvo deste estudo, é possível dizer que ele é fonte de compostos bioativos devido aos altos níveis de vitaminas C e E, além de compostos fenólicos, como as antocianinas, que são pigmentos que conferem o vermelho ao fruto e estão relacionados com os benefícios para a saúde. No entanto, existe um ponto negativo bastante evidente, que é a vida curta deste fruto depois da colheita.
Morango no top dos mais desperdiçados
No Brasil, o morango é um dos frutos com maiores perdas em valor no setor dos hortofrutícolas, de acordo com a 21ª avaliação de perdas no retalho brasileiro. O documento foi apresentado no Fórum de Prevenção de Perdas 2021 da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e aponta ainda que esta fruta está apenas atrás do tomate e da batata, que registam perdas significativas.
Em Portugal não há números oficiais segmentados, mas um estudo realizado na Universidade Aveiro ‘Avaliação do Desperdício Alimentar em cadeias de Supermercado’, datado de 2019, revelava que (dados de 2018) os morangos embalados ocupavam igualmente o 3º lugar dos frutos com maior desperdício durantes os meses de março e abril. A banana e a alface frisada eram os primeiros nesta tabela.
“Tecnologias para reduzir perdas e desperdícios de alimentos contribuem para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 12) da Organização das Nações Unidas. Uma das metas até 2030 é reduzir para metade o desperdício de alimentos per capita mundial, tanto no retalho como no consumidor, e reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheita”, conclui a Embrapa.
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Leonardo Gottems