Por Cláudia Collucci
Tradicional exportador de cérebros, o Brasil começa a receber de volta médicos e pesquisadores que deixaram o país em busca de melhores condições de trabalho, consolidaram carreiras no exterior e agora retornam motivados pelo crescimento da economia brasileira e o aumento de verbas para pesquisa.
A expansão de hospitais privados -só em São Paulo, os investimentos são na ordem de Re 2,7 bilhões nos próximos cinco anos- também tem atraído esses profissionais de volta.
Não há dados sobre a reversão da fuga de cérebros brasileiros, mas tanto o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) quanto a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) confirmam a tendência.
A Folha conversou com quatro médicos que estão voltando (ou já retornaram) ao país, após anos trabalhando em instituições americanas, como o NIH (Institutos Nacionais de Saúde) e a Universidade de Pittsburgh.
Na última década, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento no país passaram de Re 26,3 bilhões (em 2000) para Re 43,7 bilhões (em 2010), segundo o MCTI (Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação).
O valor representa 1,19% do PIB brasileiro, quase o dobro da média de outros países da América Latina. Mesmo assim, o país não atingiu a meta estabelecida pelo governo de ter investido 1,5% do PIB em pesquisa até 2010.
No mesmo período, o orçamento dos Estados americanos para ciência caiu 20%. "Está muito difícil obter financiamento para pesquisa nos EUA", diz o professor da USP Rodrigo Calado, que trabalhou nove anos no NIH e retornou ao Brasil.
"Temos atraído não só pesquisadores brasileiros que estão no exterior e querem voltar como estrangeiros que procuram o país para desenvolver projetos", afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp.
Artigo publicado em 2011 na revista "The Economist" coloca o Brasil como líder internacional em pesquisa em medicina tropical e sugere que o país é um destino promissor para pesquisadores do mundo todo. Diz o título: "Go south, young scientist" (vá para o sul, jovem cientista).
Desde 2003, o Ministério da Saúde tem destinado recursos a linhas de pesquisa relacionadas às doenças "negligenciadas", também chamadas de doenças infecciosas da pobreza (como dengue, doença de Chagas e malária). O Brasil está no topo da lista de países que financiam pesquisas em dengue, por exemplo.
Mas nem tudo é festa. A burocracia ainda emperra os projetos de pesquisa. "Tem um aparelho que estou tentando comprar desde outubro, que já foi aprovado pela Fapesp, mas que a papelada ficou parada em alguma mesa, à espera de algum carimbo", diz Rodrigo Calado.
"Em breve, Brasil vai competir com EUA e Europa"
Após concluir a residência médica em um hospital em Miami, em 1997, o hematologista Phillip Scheinberg, 41, foi convidado para ficar. Quatro anos depois, o seu endereço de trabalho já era o NIH, na área de pesquisa clínica e laboratorial.
Tornou-se responsável pelo desenvolvimento de protocolos de pesquisa na área de falência medular. "Os americanos vão te dando corda, seu nome começa a aparecer e você não consegue parar mais. É um "miniópio"", brinca.
Nos últimos cinco anos, publicou mais de 50 artigos em periódicos de renome, entre eles o "Jama".
No início do mês, Scheinberg passou a chefiar o serviço de hematologia do Hospital São José. Também continua dedicado à pesquisa médica. "Em breve, o Brasil estará competindo com os EUA, a Europa e o Japão. Quero ajudar nisso."
"Temos sobrecarga de pacientes"
Após nove anos trabalhando como médico pesquisador no NIH, Rodrigo Calado, 38, voltou ao país em maio de 2011 depois de passar em concurso público para professor na USP de Ribeirão Preto, onde se formou e fez mestrado e doutorado em hematologia.
No NIH, Calado trabalhava com doenças causadas por alterações nos telômeros (pontas dos cromossomos). Seu grupo identificou, pela primeira vez, que o encurtamento dos telômeros está relacionado à anemia aplástica, uma falência da medula óssea.
O médico ainda mantém colaboração com o NIH. Pesquisa a associação dessas mutações nos telômeros com a cirrose hepática.
Na última década, ele publicou mais de 40 artigos científicos em periódicos renomados, como o "New England Journal of Medicine".
Além de pesquisador, leciona na Faculdade de Medicina da USP e atende pacientes no HC de Ribeirão. "Temos uma sobrecarga enorme de pacientes. Vou tentando controlar essas três atividades."
"Aqui tem verba para pesquisa em novas áreas"
Foi uma bolsa de dois anos do CNPq que possibilitou ao cirurgião do aparelho digestivo Ruy Cruz Júnior, 41, fazer seu pós-doutorado na Universidade de Pittsburgh (EUA).
Quatro anos depois, em 2006, após intenso treinamento na área de transplantes, ele conseguiu uma vaga de professor-assistente na mesma universidade.
No final de fevereiro, Cruz Júnior retorna ao Brasil, onde integrará o grupo de transplante multivisceral do Hospital das Clínicas de São Paulo. Volta casado com uma enfermeira americana.
Segundo ele, a intenção é continuar a parceria com a universidade americana.
"Vim para os Estados Unidos para treinar e, algum dia, voltar para o Brasil. Nunca foi meu sonho morar aqui para sempre", diz ele.
Cruz Júnior acredita ser o momento propício para o retorno de pesquisadores brasileiros. "Tem verba para pesquisa e novas áreas médicas estão sendo valorizadas."
"Farei mais diferença no Nordeste"
O imunologista João Bosco Oliveira Filho diz que foi contagiado pelo vírus da pesquisa em 2003, quando estagiou no NIH (j por três anos. Depois disso, atuou com o professor na USP, e em 2008 decidiu voltar ao EUA, dessa vez como pesquisador contratado do NIH.
Agora, está prestes a terminar o primeiro sequenciamento genético de um brasileiro. "Isso será importante para saber como as nossas mutações se comportam. A maioria da pesquisa genética que prediz riscos de doenças é feita em população europeia, americana ou japonesa", diz ele.
Formado pela Universidade Estadual de Pernambuco, Bosco retorna em maio para Recife, sua terra natal, com três projetos: atuar em uma instituição filantrópica que atende crianças com defeitos de imunidade, orientar doutorandos na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e abrir seu próprio negócio, um laboratório privado de genômica que fará diagnóstico de doenças raras. "Acho que vou fazer mais diferença no Nordeste do que no Sudeste."