Por Redação TN / Elton Alisson, Agência Fapesp
Tal como ocorre em muitas escolas do ensino fundamental e médio no Brasil, às vésperas do Dia do Índio - celebrado em 19 de abril - os alunos de um colégio público situado na favela Real Parque, no bairro do Morumbi, zona sul de São Paulo, costumam preparar cartazes alusivos à data comemorativa que são espalhados pelas salas de aula. Mas, ao observar os desenhos e imagens que ilustram os trabalhos escolares durante seu trabalho de mestrado, defendido em agosto de 2010 na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), a psicanalista Maíra Soares Ferreira não encontrou nenhuma referência à etnia afro-indígena Pankararu, originária do sertão pernambucano, da qual muitos dos estudantes no colégio são descendentes.
``Apesar de a história da comunidade na qual a escola está situada ser conhecida, ela não estava integrada à cultura escolar. Havia uma tendência de negar as heranças afro-indígenas e nordestinas dos alunos``, disse Maíra à Agência FAPESP.
Na tentativa de estabelecer um diálogo entre o passado e o presente dos estudantes e de integrar sua cultura com a da escola, Maíra iniciou em 2007 uma pesquisa e intervenção com uma turma de 30 alunos da sétima série do colégio público paulista. O estudo resultou em um método de ensino da cultura e história afro-indígena que pode auxiliar os educadores a abordar esse assunto em sala de aula, conforme determina uma nova lei.
Sancionada em março de 2008, a Lei nº 11.465/08 tornou obrigatório o ensino sobre a história e a cultura afro-indígena em todos os estabelecimentos de ensino fundamental e médio, das redes pública e particular, no país. Mas deixou a cargo dos educadores desenvolverem suas próprias metodologias de ensino para isso.
``A lei é muito importante. Porém, é preciso utilizar métodos didáticos que partam da própria história da comunidade onde a escola está inserida para ensinar a história e a cultura afro-indígena. Afinal, toda escola pública no Brasil tem sua comunidade afro-indígena``, disse Maíra.
Retorno às origens
Sabendo das origens dos estudantes da escola da favela Real Parque, a psicanalista viajou para a região do Brejo dos Padres, em Pernambuco, onde está localizada a aldeia indígena Pankararu, e de onde grande parte das famílias dos estudantes partiu no início da década de 1950 rumo a São Paulo para trabalhar em obras como a construção do estádio do Morumbi.
No sertão nordestino, além das tradições dos Pankararu, Maíra deparou com diversas manifestações da cultura popular, como o cordel, a cantoria de viola e o coco de embolada, que registrou em vídeo. Na volta da viagem, Maíra apresentou os vídeos aos estudantes e chamou a atenção deles para as semelhanças entre as rimas, improvisos e a poesia do cordel e dos repentes nordestinos com um gênero musical que a maioria deles apreciava: o rap.
``Eu percebi que nos intervalos e nas aulas vagas eles se reuniam em grupos e ficavam escutando rap, desenhando ou fazendo letras de música``, disse.
Com base nisso, ela encontrou um canal para que os professores pudessem discutir de uma maneira didática com os estudantes questões como a migração, o sertão, a urbanização, a escravidão e a formação de favelas nas grandes metrópoles brasileiras.
``Eles passaram a criar letras de rap, cordel e até mesmo improvisar poesias na métrica dos repentes, além da cantoria de viola e do coco de embolada sobre o preconceito e a discriminação que sofriam por morar em um comunidade carente localizada ao lado de condomínios de luxo``, disse.
De acordo com Maíra, as criações poéticas e musicais representaram o esforço dos estudantes de resistir à negação de origens e identidades e um meio de recombinar suas histórias e expressões culturais. E, com isso, se afirmarem política, social e etnicamente. O trabalho, que contou com apoio da FAPESP, foi distinguido na categoria de pesquisa no Prêmio Mais Cultura de Literatura de Cordel 2010 - Edição Patativa do Assaré, lançado pelo Ministério da Cultura (Minc) em março de 2010 para incentivar a realização de trabalhos relacionados à literatura de cordel.
Como prêmio, a pesquisadora recebeu um auxílio para publicação da dissertação na forma de um livro. A publicação será lançada até o fim de 2011 em São Paulo e nos demais lugares onde a pesquisa foi realizada, como Recife, São José do Egito e outros locais do Nordeste brasileiro.
O estudo está disponível no Banco de Teses da USP, em www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-30082010-102212/pt-br.php