O cultivo da cana-de-açúcar e a produção de seus derivados está intimamente ligado à própria história e ao desenvolvimento do Brasil. Primeiramente transformada em açúcar, a cana-de-açúcar ocupa um importante papel na economia, surgindo o Brasil como líder mundial na produção de açúcar e álcool. Porém, mesmo após séculos de convívio com a agroindústria canavieira, somente no século XX, o Brasil descobriu no álcool uma opção energética viável. Esse Programa foi desenvolvido para evitar o aumento da dependência externa de divisas quando dos choques de preço de petróleo no começo da década de 1970. De 1975 a 2000, foram produzidos cerca de 5,6 milhões de veículos movidos a álcool hidratado.Mais de 30 anos depois do início do Pro-Álcool, o Brasil vive agora uma nova expansão dos canaviais com o objetivo de oferecer, em grande escala, o combustível alternativo.
A cana-de-açúcar vem sendo considerada como uma das matérias-primas mais importantes da atualidade, pela sua diversidade de materiais produzidos, sendo etanol, açúcar,energia, cachaça, caldo-de-cana, rapadura, além de seus subprodutos, que são totalmente reutilizados, sendo a vinhaça que é destinada a adubação e fertirrigação, devido a grande concentração de nutrientes, que são capazes de potencializar o crescimento e brotação, além de sua utilização para produção de biogás, por também conter em sua composição grandes quantidades de matéria orgânica.
Pode-se incluir também como em suas aplicações, madeira produzida a partir deste subproduto. Existem alguns trabalhos sobre a degradabilidade de forragens amonizadas, para avaliar a eficiência da amonização, forragens essas utilizadas para a alimentação animal, além de novos produtos lançados ao mercado, como o fibrocimento, um cimento que utiliza o bagaço em sua composição a fim de reforça-lo, melhorando sua resistência.Além destas, as fibras de bagaço também é utilizada no mercado de cosméticos, já sendo produzido em grande escala, sabonetes em barra esfoliantes e loção hidratante. Para produção de milho hidropônico, o bagaço é utilizado como substrato, devido sua alta concentração de nutrientes, sendo o milho produzido totalmente puro em proteínas e nutrientes, também utilizado para alimentação animal, e ainda, para produção de fibrocimento, papel e bioplástico.
A cana de açúcar e seus resíduos:
A produção de cana-de-açúcar, que vinha de altos e baixos na década de 1990, não parou de crescer desde o ano 2000. A Tabela 1 mostra a produção de cana-de-açúcar das últimas cinco safras.Dentro do contexto da cogeração, e em face da crise do setor energético brasileiro, que teve início em 2001, o setor sucroalcooleiro tem apresentado um grande potencial de geração de energia, apresentando atrativos econômicos e ambientais, principalmente devido à queima de bagaço de cana-de-açúcar na produção como combustível.
Segundo Moreira e Goldemberg, cerca de 450 a 500 kg de vapor são gerados a partir de uma tonelada de cana-de-açúcar. O potencial de geração de energia a partir do bagaço de cana é da ordem de 15% de toda demanda nacional, patamar que pode ser atingido até 2020. A Revista Pesquisa FAPESP destaca que a geração de eletricidade com a queima do bagaço e da palha poderá superar, já em 2013, a capacidade da maior hidrelétrica do Brasil, a usina de Itaipu.
Dos principais insumos obtidos com a cana, o açúcar foi o primeiro produto a ser produzido no Brasil pela indústria sucroalcooleira. Segundo boletim da Agência de Informações da EMBRAPA, projeções de médio e longo prazo indicam que o consumo mundial de açúcar continuará aumentando. Este crescimento poderá ser de cerca de 21% até 2015, atingindo 176 milhões de toneladas.
Na indústria sucroalcooleira, por muitos anos, existiu o grande desafio em relação ao descarte dos resíduos gerados no processo de produção de açúcar e álcool. Isso se deu porque o processo produtivo gerava externalidades negativas quando os resíduos eram descartados no meio ambiente. Atualmente, tornou-se uma vantagem econômica utilizar esses resíduos, à medida que geram externalidades positivas.No processamento de cana nas usinas e destilarias, para a produção de açúcar e álcool, são gerados, anualmente no Brasil, cerca de 320 bilhões de litros de vinhaça, 88 milhões de toneladas de torta de filtro e 92 milhões de toneladas de bagaço. Spadotto ainda afirma que esses números, que já são altos, devem aumentar consideravelmente nos próximos anos com o incremento no mercado consumidor de álcool, a expansão das lavouras de cana-de-açúcar e o funcionamento de novas unidades agroindustriais.
De todos os resíduos da unidade industrial sucroalcooleira, o bagaço é um dos mais atrativos, apesar de não ser o de maior volume, por causa de seu poder calorífico, o que faz dele o principal combustível de todo o processo produtivo da fabricação do açúcar e do álcool.Atualmente, a destinação das cinzas do bagaço da cana-de-açúcar (CBC) é um dos problemas enfrentados pelos administradores das usinas. A fuligem gerada no processo é recolhida a partir de técnicas de lavagem e decantação e, juntamente com a cinza de caldeira, constituem-se em resíduos finais do processo industrial, no qual não há possibilidade de redução do mesmo.
Para cada tonelada de bagaço que alimenta o processo de cogeração, são gerados, aproximadamente, 25 kg de cinza residual. As características da cinza são influenciadas pelas condições de queima do bagaço. De acordo com Coelho, para um teor de umidade de 50% a temperatura de ignição do bagaço está entre 500°C e 600°C, faixa que cai para 300°C a 400°C quando a umidade encontra-se entre 35% e 40%. Segundo Paula, a incineração do bagaço de cana-de-açúcar em condições não controladas gera cinza que pode conter altos teores de carbono e matéria orgânica. Além disso, a quantidade de carbono tem grande influência na absorção de água, pois o material carbonoso é extremamente fino, o que ocasiona um aumento na demanda de água.
A cinza do bagaço apresenta, em termos de óxidos, uma grande quantidade de dióxido de silício, normalmente acima de 60% (em massa).Outra possível fonte de sílica para a cinza é a areia (quartzo), oriunda da lavoura, que não é totalmente removida durante a etapa de lavagem no processamento da cana-de-açúcar. Esta areia permanece no bagaço e pode ser observada nas operações de limpeza dos salões das caldeiras, onde ocorre a combustão.
Mesmo contaminada por areia, a CBC é um resíduo passível de ser reciclado ou reutilizado em atividades mais nobres do que a fertilização de lavouras, uma vez que não possui nutrientes minerais para esse fim.
Fibrocimento e concreto:
No começo de 1970, esforços globais foram iniciados com legislações para remoção do amianto como reforço em uma grande gama de produtos. O mercado de fibrocimento é o maior usuário de amianto e, por este motivo, nesta classe de materiais de construção, novas alternativas de fibras para reforço estão sendo procuradas para a substituição do amianto (COUTTS, 2005).
Ao longo das últimas três décadas, pesquisas consideráveis têm sido executadas com o objetivo de encontrar uma fibra alternativa em substituição ao amianto em produtos de fibrocimento no Brasil (SAVASTANO JÚNIOR et al., 1999). Técnicas alternativas de produção e processamento dos compósitos também vêm sendo desenvolvidas pelo laboratório de construções e ambiência do departamento de Engenharia de Alimentos da FZEA – USP (DEVITO, 2003; SAVASTANO JÚNIOR et al., 2002).
O reaproveitamento das cinzas geradas com a queima de bagaço de cana na produção de concreto no setor da construção civil poderá transformar o resíduo em mais um subproduto da cana, agregando resultados adicionais ao fluxo de caixa das usinas (UNICA, 2011).
Atualmente, de 100 a 120 milhões de toneladas de areia de rio são consumidas anualmente no Brasil. Em contrapartida, são produzidas cerca de quatro milhões de toneladas de cinza a partir do bagaço da cana. Portanto, do volume total, a cinza representaria 4% da areia. Isto significa que em 1 m³ de concreto, de acordo com nossas pesquisas, a cinza pode substituir até 50% da areia (UNICA, 2011).
As fibras do bagaço da cana também são utilizadas como reforço na produção de fibrocimento e a cinza, proveniente da queima do bagaço, substitui o cimento em massa em 30%.A cinza apresenta grande concentração de sílica, que tem comportamento de cimento pozolânico. A cinza, em contato com a água e em conjunto com cimento, forma um composto aglomerante. No trabalho foi comprovado através de diversos testes que o fibrocimento produzido com esses resíduos é viável. Ele também constatou que o produto feito com esta matéria-prima possui resistência mecânica similar ao produzido nas indústrias (REVISTA ABRIL, 2010).
A substituição da areia por resíduos:
De todos os segmentos da Construção Civil, o que mais se desenvolveu e que teve mais abrangência quanto à aplicação dos conceitos de sustentabilidade, foi o de materiais e componentes da construção, principalmente os que usam o cimento Portland como matriz. Vários estudos têm sido desenvolvidos sobre a incorporação de resíduos nos materiais de construção, até mesmo substituindo produtos já consagrados, como a areia e o cimento Portland, seja de forma parcial ou total.
A produção de areia e pedra britada caracteriza-se pelo baixo valor unitário e pela produção em grandes volumes. O transporte corresponde a cerca de 65% do custo final do produto, o que impõe a necessidade de ser produzido o mais próximo possível do mercado consumidor. Em regiões metropolitanas, como as de São Paulo e Rio de Janeiro, quase toda a areia consumida pela construção civil está sujeita a transporte por distâncias de até 100 km.
Por conta dos riscos ambientais inerentes a extração de areia natural, várias pesquisas têm sido desenvolvidas sobre a viabilidade da substituição de agregado miúdo natural, com o uso de resíduos de origem diversa. Marzouk et al. utilizou o PET (polietileno tereftalato) granulado em substituição ao agregado miúdo em argamassas, com 3 tipos de moagem, em tamanhos máximos de 5 mm, 2 mm e 1 mm. Os resultados mostraram que as propriedades de resistência à compressão e à flexão dos concretos não foram prejudicadas com a substituição de até 50% de resíduo de PET por areia. Os autores também comprovaram que a zona de transição matriz-resíduo não foi alterada com a substituição do agregado miúdo por PET. Ismail e Al-Hashmi estudaram a substituição de agregado miúdo por resíduos de plásticos (RP) não-biodegradáveis (80% polietileno e 20% poliestireno) por agregado miúdo, em teores de 10%, 15% e 20%, para a produção de concretos. Os valores do ensaio de resistência à compressão das misturas com resíduos ficaram abaixo dos valores de referência para todas as idades analisadas.
Outro resíduo atualmente investigado como substituto da areia é o resíduo sólido municipal incinerado. Al-Rawas et al. utilizaram cinzas provenientes da queima de resíduo sólido municipal (RSMI) substituindo areia e cimento na produção de concretos. Foram utilizados teores de substituição de 0%, 10%, 20% e 30%, com fator a/c constante no valor de 0,70. Outros valores de fator a/c foram testados anteriormente, mas produziram concretos com baixa trabalhabilidade, o que levou os autores a aumentarem a quantidade de água.
Macedo também substituiu o agregado miúdo pela CBC em argamassas, no traço 1:3 em massa com relação água/cimento 0,48. Os teores de substituição foram de 0%, 3%, 5%, 8% e 10%, com cinco corpos-de-prova para cada traço. Pelos resultados do ensaio de resistência à compressão aos 56 dias, todos os traços com CBC obtiveram resistência superior ao traço controle, o que pode ser atribuído ao efeito físico de preenchimento dos vazios pelos grãos finos da cinza e à ação do aditivo super plastificante, presente nos traços com 5%, 8% e 10% de CBC. Houve um acréscimo de 23% da resistência à compressão, aos 56 dias, do traço controle para o traço com 10% de CBC. Por conta desses resultados promissores a cerca da substituição de cinzas pelo agregado miúdo, este artigo propõe-se a discutir a troca parcial de areia por CBC na confecção de concretos.
* Luciane Kawa é Química Especialista em Meio Ambiente, Sustentabilidade e Psicopedagogia. Mestre em Ensino Ciência e Tecnologia.
Artigo escrito por Luciane Kawa