Cidade busca entrosamento entre universidades, empresas e poder público para estimular investimento em pesquisas.
Ao iniciar na última quinta-feira, dia 18, a venda de lotes no Parque Industrial da Restinga (PIR), a Prefeitura Municipal de Porto Alegre avançou na concretização de um projeto que vem tomando forma há mais de um ano: a transformação da capital gaúcha em uma tecnópole. Isto é, um centro de intenso entrosamento de universidades e instituições de pesquisas com os agentes econômicos e poder público, para a geração e difusão de alta tecnologia aplicada a produtos e serviços mais competitivos.
O objetivo imediato dos investimentos em novas áreas industriais e revitalizar a produção manufatureira na cidade, atraindo plantas compatíveis com o adensamento urbano e não agressivas ao meio ambiente. Estrategicamente, porém a intenção é potencializar as vantagens competitivas de Porto Alegre, como localização privilegiada no interior do Mercado Comum do Sul (Mercosul), com fontes abundantes de tecnologia, mão-de-obra qualificada e tradição industrial.
Os investimentos públicos para o impulso da economia de Porto Alegre - que neste ano somarão US$ 40 milhões - estão orientados por documento denominado Plano de Desenvolvimento Econômico (PDE), elaborado pela prefeitura da capital com três diretrizes básicas: dinamização da economia, qualidade de vida mínima aos excluídos e qualificação da cidadania. "Ao articular seu próprio desenvolvimento, a cidade abdica da condição de subordinada ao modelo de Estado centralizador, com profundas limitações para operar relações sociais, políticas e econômicas", diz o prefeito Tarso Genro. A capital gaúcha, na década de 70, passou a registrar uma desindustrialização relativa. Seu peso na renda industrial do estado se manteve estável em 25% entre 1939 e 1970, mas declinou para 20% em 1975, em tendência que persistiu até 1985, quando a participação de Porto Alegre no produto industrial se resumiu a 12%. A contração coincide com o crescimento da região metropolitana, cujo peso industrial saltou de 25% em 1970 para os atuais 34%.
Este comportamento reflete os efeitos da recessão dos anos 80 sobre a capital nas últimas duas décadas, o percentual de trabalhadores que ganham até dois salários mínimos subiu de 17 para 27% da força produtiva - mas também significa que o tecido industrial da capital mudou. Grandes fábricas deram lugar a empresas de menor porte, que se beneficiam das economias da urbanização.
De fato, 93% das cercas de 2,9 mil indústrias instaladas em Porto Alegre ocupam áreas de até 2 mil metros quadrados, segundo informação do secretário de Produção, Indústria e Comércio, José Luiz Vianna Moraes. A indústria responde atualmente por 22,51% do Produto Interno Bruto da capital, enquanto comercio e serviços têm um peso de 76.97%. Trata-se de um perfil totalmente distinto em e relação a outros municípios da região metropolitana como Triunfo, que abriga o pólo petroquímico e deve 94,88% de seu produto à indústria.
O ciclo industrial de Porto Alegre, entretanto, não esta esgotado. O Plano de Desenvolvimento Econômico prevê que o número de indústrias pode crescer 10% no curto prazo, apenas com a ocupação do Parque Industrial da Restinga, que oferece no total 233 lotes. A primeira fase, já urbanizada, possui treze lotes, já colocados à disposição do mercado.
A próxima fase de ocupação do parque industrial será destinada a indústrias de alta tecnologia - informática, biotecnologia, telecomunicações, novos materiais e outros setores caracterizando a expansão típica de uma tecnópole.
Os esforços da Prefeitura de Porto Alegre na articularão com agentes econômicos e instituições produtoras de ciência e tecnologia é um eco da tendência européia de renovação e ampliação do papel das cidades, sobretudo médias, na formulação de suas próprias estratégias de desenvolvimento. Diante da queda de barreiras nacionais no interior dos grandes blocos, as cidades voltam a ter a forte identidade que alcançaram na Idade Média, como centros de comercio, cultura o ciência, abertas à competição e integração com outros centros similares. No final do século XX, as cidades ascendem ao conceito de "habitats da inovação", conforme destaca o pesquisador Roberto Spolidoro, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRG).
Esta é uma decorrência da fatalidade geográfica, como explica o prefeito Tarso Genro. "Todo o processo econômico se dá no território do município, que tem capacidade de indução em três níveis: na definição das regras para utilização do espaço, na implantação de infra-estrutura e na articulação dos agentes do desenvolvimento", observa o prefeito.
Os municípios, de fato, podem atuar como indutores do processo econômico, embora esteja totalmente fora de seu controle e manejo das políticas macroeconômicas, uma prerrogativa da União. No entanto, ações localizadas podem ser de grande eficácia. A decisão do governo municipal de facilitar o acesso das inicio e pequenas empresas às licitações para fornecimento de materiais e serviços à prefeitura, bem como a criação do Trade Point, que abrevia o caminho para as exportações e importações, através de mecanismos internacionais de consultas e cotações, abriu novas perspectivas de atuação para este segmento de empresas.
No ambiente da tecnópole, cria-se um foro permanente para a identificação das demandas econômicas e tecnológicas por parte das empresas, ao mesmo tempo que os agentes políticos e geradores de conhecimento estão coordenador paras oferecer soluções. Somente as três universidades diretamente envolvidas no projeto - UFRGS, PUC e Unisinos - tem a oferecer novecentos laboratórios para ensaios e pesquisas, além de um contingente de 2.4 mil mestres e doutores em várias áreas.
APOIO PARA PEQUENOS INVENTORES
Paulo Trevisani Jr. - de Porto Alegre
Incubadora tecnológica reduz riscos no desenvolvimento de novos produtos
Pequenas e microempresas cujas atividades tenham base tecnológica podem desenvolver novos produtos usando a Incubadora Empresarial Tecnológica (Ietec). O projeto existe desde dezembro de 1991 e é mantido pela prefeitura e entidades ligadas à pesquisa. Desde então, a Ietec ajudou cerca de vinte empresas a desenvolver aproximadamente setenta produtos.
A incubadora foi criada para dar suporte a projetos das áreas eletrônica, informática, mecânica, construção civil e biotecnologia, que demandem pesquisas e conhecimentos tecnológicos. Esses projetos devem partir de empresas que pretendam pôr no mercado o resultado de sua pesquisa
O gerente da Ietec, César Rech, informa que a incubadora inovou em dois aspectos, é gerenciada por uma prefeitura e oferece a chamada '"pós-"incubação" - um acompanhamento de dois anos para que os projetos desenvolvidos na Ietec não sofram demais o impacto de sair da incubação.
As empresas que ingressam na Ietec podem usar a incubadora por até três anos (dois anos prorrogáveis por mais um). Nesse período, pagam taxas mensais reajustadas a cada quatro meses. O valor inicial é R$ 40. Ao final de dois anos, será de R$ 100 - e de R$ 200 no último quadrimestre do terceiro ano.
A incubadora oferece um conjunto de dez salas e uma infra-estrutura administrativa (telefone compartilhado, fax, xerox subsidiada, salas de reunião e palestras, auxílio para registro de marcas e patentes). Cada empresa pode ocupar uma sala. Também é possível receber o auxílio da Ietec sem se instalar no prédio da incubadora. A incubação externa existe para empresas que podem desenvolver projetos em suas próprias instalações, precisando apenas de um suporte tecnológico.
Esse suporte é oferecido, principalmente, pelos laboratórios das universidades que fazem parceria com a prefeitura na '"incubadora": a Universidade Federal (UFRGS), a Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS) e a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
Também participam do projeto Ietec a Fundação Universidade Empresa de Tecnologia e Ciências (Fundatec), a Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec), o Sindicato das Microempresas (Sindimicro), Sebrae, Banrisul e Petrobrás (Refinaria Alberto Pasqualini).
Representantes dessas instituições formam o Conselho de Administração da Ietec. O Conselho traça diretrizes de atuação e analisa os projetos candidatos a uma vaga na incubadora. Se o órgão considerar os planos do candidato inovadores e competitivos, o projeto será aprovado.
Durante a '"incubação", os empresários podem assistir e ministrar cursos e palestras, abordando desde aspectos específicos de seu projeto até questões de ordem administrativa, como informa César Rech.
Segundo Rech, a Ietec procura propiciar aos incubados a oportunidade de participar de feiras e eventos afinados com a área de atuação de cada um.
Atualmente a Ietec tem seis salas ocupadas e sete empresas na "incubação'" externa. Outras três recebem a pós-incubação. Rech acredita que a incubadora serve de vitrine para essas empresas. "A sociedade está sempre atenta para as novidades que são desenvolvidas aqui", assegura.
TECNÓPOLE DEVE SE ESTENDER À REGIÃO
A idéia é repetir em Porto Alegre a concentração tecnológica do Vale do Silício, nos EUA
Roberto Beraldi - de Porto Alegre
A TecnópoIe de Porto Alegre é um projeto regional, que tem a capital como centro, mas cujos efeitos positivos devem irradiar-se para toda a região metropolitana.
O conceito de tecnópole está profundamente associado às economias do Primeiro Mundo. O exemplo natural é o Vale do Silício, na Califórnia, onde os instrumentos para a geração de tecnologia estão agrupados e estimulados a produzir para um parque industrial de informática ávido de inovações. Na França, os exemplos mais notáveis são Grenoble e Montpellier, que juntas já alavancaram a constituição de mais de mil empresas de alta tecnologia. Da mesma forma, o conceito está fortemente associado ao desenvolvimento japonês, que se valeu de cidades criadas especificamente como ambientes de geração de tecnologia.
Uma boa definição de tecnópole é:
Cidade ou região que apresenta o conjunto de condições necessárias para viabilizar inovações tecnológicas. Não se trata de um fenômeno espontâneo: associam-se as precondições a um movimento organizado para qualificar os instrumentos do desenvolvimento tecnológico. Os instrumentos são centros de pesquisa, universidades, recursos humanos e um tecido econômico disposto a absorver inovações, além da existência de mecanismos que promovam a sinergia e a integração entre quem vai criar e quem vai usar a tecnologia.
Na Tecnópole de Porto Alegre associam-se a prefeitura, o Sebrae/RS, a Federação das Indústrias no Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS), Universidade Federal (UFRGS), a Pontifícia Universidade Católica (PUC) e a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Isto é: estão presentes o poder público, o meio científico e o setor produtivo. Deverão incorporar-se ao projeto a Secretaria de Ciência e Tecnologia do governo do Estado, a Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul (Federasul) e os trabalhadores, representados pela Força Sindical e Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Outros instrumentos disponíveis são a Incubadora Empresarial Tecnológica, o Trade Point e centros de pesquisa. A Incubadora é uma iniciativa que abrange a Prefeitura de Porto Alegre, UFRGS, PUC, Universidade Luterana do Brasil (Ul-bra), Fundatec, Banrisul, Sindicato dos Micro-Empresários, governo do Estado, Sebrae e Petrobrás.
A criação de tecnópoles está prevista em acordo de cooperação firmado em 1994 entre Brasil e França. Duas cidades brasileiras foram selecionadas: Porto Alegre, com sua vocação urbana e industrial, e Uberaba (MG), por sua vocação agropecuária.
NORMAS, PESOS E MEDIDAS
Jussara Marchand - de Porto Alegre
Como diz o secretário executivo da Rede Metrológica do Rio Grande do Sul, Marcelo Silva, o gaúcho só sabe que está tomando um bom chimarrão quando conhece a composição da erva-mate. A rede é resultado da união de 64 laboratórios especializados em aferição de normas de qualidade, pesos e medidas, realizada há três anos para fomentar a qualidade de produtos e processos de criação a partir de análise da sua base física.
Em 1992, a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS) criou uma parceria com laboratórios de três universidades gaúchas - PUC, UFRGS e Unisinos - depois de constatar a carência do sistema de metrologia. Atualmente, um comitê executivo - hoje coordenado pelo professor João Jornada, também diretor do Instituto de Física da UFRGS -, define as ações da rede já ampliada.
"Queremos apoiar as atividades desses laboratórios e incentivar para que cada vez mais empresas utilizem os serviços por eles prestados", enfatiza Silva.
CIÊNCIA AO ALCANCE DOS EMPRESÁRIOS
Jussara Marchand - de Porto Alegre
Dar a mão às empresas mostrando a elas o ponto exato onde se cruzam desenvolvimento empresarial e pesquisa universitária foi o caminho reservado à Fundação Universidade-Empresa de Tecnologia e Ciência (Fundatec) criada há 22 anos. "Na época as universidades brasileiras passavam por profundas reformas e o momento era propício ao surgimento e permanência do pesquisador neste cenário", recorda o professor Walter Otto Cybis, presidente da Fundatec e um dos seus criadores, a partir do corpo docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Crescendo junto com a cidade e suas empresas, a Fundatec registra em sua história projetos que atestam as várias fases desse desenvolvimento. Quando o pólo petroquímico gaúcho começou a ser implantado nos anos 70, foi a Fundatec que, por muitos anos, treinou técnicos especializados na primeira geração de matérias-primas. A experiência adquirida levou à criação do curso de pós-graduação em Química na UFRGS.
Na malha de organismos que compõem o pólo de pesquisas da capital gaúcha, a Fundatec se destaca em algumas áreas. Em solda, por exemplo, seus trabalhos são considerados exemplares. A Fundatec é o único laboratório que desenvolve soldas em ambientes marítimos para a Petrobrás.
Dentre os projetos mais recentes realizados pela Fundatec está o que introduziu ensino de computação em escolas de primeiro grau no Rio Grande do Sul chamado Educon.
"Temos, nestes 22 anos de existência, a assinatura em 2,2 mil projetos", atesta Cybis. Em 1992, a Fundatec conseguiu inaugurar sua sede própria após ocupar por 18 anos instalações da universidade.
"Somos uma entidade de direito privado mas sem fins lucrativos e, portanto, de utilidade pública", diz Cybis. Ele dá um exemplo: quando o então prefeito Olívio Dutra decidiu revisar a resistência e condições dos viadutos e passarelas da cidade, chamou a Fundatec. O laudo emitido três anos depois indicava quais as obras que necessitavam de reparos urgentes. Atualmente, garante Cybis, os próprios órgãos do município são capazes de fazer essa avaliação, na rotina de manutenção das obras viárias da cidade.
COM BOAS IDÉIAS E SEM CAPITAL, PEQUENOS RECORREM A INCUBADORA
Paulo Trevisani Jr. - de Porto Alegre
Universidades oferecem laboratórios para microempresas
Samuel e Domingos se debruçam sobre uma mesa manca, coberta de mapas, cálculos e réguas. Ocupam uma sala de 20 metros quadrados, apinhada de papéis, com uma prancheta e um computador.
Dinamérico, Fernando, Rodrigo e Daniel têm um espaço um pouco maior, com alguns computadores e pouquíssimo papel. As mesas não mancam.
Os dois grupos são de empresários de pequeno porte que tinham uma idéia na cabeça e nenhum dinheiro à mão. Foram aprovados como hóspedes da Incubadora Empresarial Tecnológica (Ietec) - Samuel e Domingos, para desenvolver um novo tipo de tijolo; Dinamérico e companhia, para criar um software para integração de computadores na Internet.
A Ietec, graças aos convênios que mantém com fundações e universidades gaúchas, pode oferecer ambiente para desenvolvimento de projetos tão díspares quanto um tijolo e um software. Já "incubou" uma recém-nascida placa que transforma um PC comum num eletrocardiógrafo, por exemplo.
A Larq Arquitetura e Engenharia Ltda. faz pequenas obras desde 1987. Samuel Quintana de Souza, arquiteto, e seu sócio, Domingos Nicolau Fulginiti, engenheiro, calculam que o custo da alvenaria numa construção pode cair pela metade, se o tijolo cerâmico for substituído por tijolos de solo-cimento.
O produto traria outras vantagens. Uma delas é dispensar o cozimento - o que reduz o custo e alguma poluição. Outra é a possibilidade de formar paredes maciças, compactas, com os blocos se unindo ao cimento entre eles. O tijolo de solo-cimento está "incubado" desde maio de 1994. Até o final do ano, a Larq deve iniciar a construção de uma casa com esse material.
Quintana garante que moraria na casa. Segundo ele, uma parede feita com esse tijolo tem tanta resistência quanto aquelas erguidas com peças cerâmicas.
A Larq não pretende vender o produto. O plano é produzir para usar em suas próprias obras, já que, segundo os empresários, esse tijolo requer "condições especiais de manuseio".
Dinamérico Schwingel, Fernando Soto, Rodrigo Losina Silva e Daniel Sachet são sócios desde setembro de 1993 na Síntese Informática, especializada no desenvolvimento de software. Os quatro têm mestrado na área, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Há um mês, iniciaram a "incubação" de um projeto ousado: criar um programa para interligação de computadores à internet (a rede internacional de informações), produto que, segundo Schwingel, só tem um similar no mundo, de origem norte-americana e que custa US$ 7 mil. Os rapazes da Síntese querem fazer um igual, de US$ 3,5 mil.
A Síntese espera ter o produto pronto dentro de um ano. Os sócios sabem que não são os únicos trabalhando em programas desse tipo e devem enfrentar forte concorrência quando o software estiver pronto.
Notícia
Gazeta Mercantil