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Registro inédito de anfíbio que produz ‘leite’ para filhote é feito por pesquisadores brasileiros (41 notícias)

Publicado em 21 de março de 2024

Você conhece ou já ouviu falar em cobra-cega ou cecília? Caso não a conheça, vou começar explicando um pouco sobre esse animal. Apesar de parecer um réptil, por fazer lembrar uma serpente, uma minhoca ou mesmo, um verme, ele é um anfíbio. Algumas espécies possuem olhos minúsculos, mas outras são cegas. E podem ser encontradas tanto em ambientes aquáticos, como embaixo da terra, onde escavam túneis, em regiões tropicais.

Agora, uma nova curiosidade sobre esses animais acaba de ser descoberta por pesquisadores brasileiros do Instituto Butantan.

De acordo com o estudo, divulgado na renomada revista internacional Science, filhotes de cecílias da espécie Siphonops annulatus são alimentados pelas mães com uma substância composta de nutrientes que se assemelha ao leite humano, secretada pela cloaca.

Os pesquisadores do Butantan conseguiram fazer gravações em que os filhotes aparecem fazendo os mais diferentes tipos de sons, que parecem avisar a fêmea de que eles estão famintos. A mãe responde então a esses ruídos, levantando a cauda e liberando o líquido branco e viscoso, rico em carboidratos e ácidos graxos, composição semelhante à encontrada no leite dos mamíferos.

Estudos anteriores já tinham demonstrado que fêmeas de cecílias vivíparas produziam um espécie de leite nas paredes dos ovidutos (canal pelo qual o ovo passa dos ovários para fora do corpo), usado para alimentar os filhotes durante a gestação.

Entretanto, ainda havia dúvida se as ovíparas também produziam esse leite materno. E foi exatamente esse o foco do estudo dos brasileiros, que obteve esse registro inédito.

Cecílias ovíparas e vivíparas Os pesquisadores do Laboratório de Biologia Estrutural do Instituto Butantan, em São Paulo, explicam que há milhões anos, as cecílias eram apenas ovíparas, ou seja, nasciam a partir de ovos. Contudo, durante o seu processo evolutivo, num período em que havia períodos longos de seca no planeta, alguns grupos começaram a reter esses ovos dentro do corpo, tornando-se então vivíparos.

“Esse fato ajudou a preservar esses animais, já que os anfíbios em geral possuem ovos gelatinosos e facilmente dessecáveis”, destaca Carlos Jared, diretor do laboratório.

Entre as outras muitas curiosidades incríveis desses animais descobertas ao longo das últimas décadas está que as cecílias mudam de cor durante o período em que cuidam dos filhotes, cerca de dois meses, e passam do azul chumbo (comum entre os machos e fêmeas) para um tom esbranquiçado e opaco.

Além disso, os filhotes das vivíparas também se alimentam, com seus “dentes fetais” de nutrientes existentes na epiderme da mãe.

Mas o que acabou resultando na pesquisa atual foi justamente uma dúvida que os pesquisadores tinham em relação à essa alimentação. Em poucas semanas, os filhotes apresentavam um crescimento impressionante só ingerindo esse tipo de fonte proteica. Agora eles sabem que não era só isso. O leite materno é consumido em volume quatro vezes maior.

“Descobrimos agora um sistema de vertebrados em anfíbios que desenvolveu mecanismos abrangentes de cuidado de crias semelhantes aos conhecidos para mamíferos. Isso inclui a produção de leite materno rico em gordura e a liberação de leite para os filhotes no ninho, conhecida como lactação. Isso nos diz muito sobre a evolução e as estratégias reprodutivas dessa ordem de vertebrados ainda pouco conhecida”, complementa Alexander Kupfer, zoólogo do Museu de História Natural de Stuttgart, e co-autor do estudo publicado na Science.

*Com informações adicionais do Museu da Flórida e Museu de História Natural de Stuttgart