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Região tem predisposição à obesidade (21 notícias)

Publicado em 05 de fevereiro de 2020

De acordo com os pesquisadores, em uma época em que a comida era escassa o gene ligado ao acúmulo de açúcares daria uma vantagem a mais

Um estudo de ancestralidade realizado em 264 pessoas sugere predisposição a doenças como obesidade e diabetes na população da região de Campinas. A condição pode estar relacionada a adaptações evolutivas ocorridas no passado que implicaram em maior propensão genética para acumular açúcares e gorduras no organismo. O diagnóstico aparece em estudo desenvolvido desde novembro de 2015, por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia (BRAINN), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que funciona na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Chefe do laboratório de genética molecular da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, no âmbito da Iniciativa Brasileira de Medicina de Precisão (BIPMed), Iscia Lopes-Cendes, que coordenou a pesquisa, informa que foi feito um mapeamento de aproximadamente 900 mil marcadores genéticos em cada um dos voluntários. "Foi o primeiro estudo feito com esse nível de resolução no Brasil", assegura. A maioria dos estudos genômicos feitos anteriormente utilizaram menos de 40 marcadores. Primeiramente, é feito um exame de sangue. Em seguida, a amostra é aplicada num experimento de laboratório que possibilita a visualização do ácido desoxirribonucleico (DNA).

"Os participantes são acompanhantes sadios de pacientes que aguardavam consulta no Hospital das Clínicas (HC), o que atesta a diversidade genética de representantes da região de Campinas", comentou. A maioria dos voluntários, detalhou, nasceu na região de Campinas. O voluntário que nasceu mais distante é natural do Sul de Minas. A amostra foi concebida para explorar em detalhes a chamada "ancestralidade local" . A expressão não se refere à localidade geográfica, mas sim a genômica. Os pesquisadores investigaram todas as regiões do genoma para saber a origem - se europeia, africana, indígena ou outras - de cada marcador.

Por causa da expressiva presença de descendentes de imigrantes do sul da Europa, os genomas mapeados apresentaram um forte predomínio de marcadores de origem europeia. Na faixa de 80%. Os 20% restantes se mostraram, quase que meio a meio, distribuídos entre as ancestralidades africana e indígena.

Ancestralidade

Um fato, em particular, intrigou especialmente os pesquisadores e motivou o artigo publicado em Scientific Reports, renomado jornal científico inglês, foi que os 10% de ancestralidade indígena forneceram o elemento mais relevante do ponto de vista de saúde pública: um gene chamado PPP1R3B, associado à capacidade do organismo de acumular as moléculas glicídios e lipídios - simplesmente açúcares. Por isso, inclinado ao desenvolvimento de obesidade e síndromes metabólicas correlatas, como diabetes tipo 2.

Iscia explicou que foi feita a análise da distribuição da ancestralidade local. Foi descoberto que ela era bastante homogênea na maior parte do genoma, exceto em uma região específica do cromossomo 8, onde se localiza o gene PPP1R3B. "Nessa região, verificamos uma representação aumentada dos segmentos de origem indígena e uma diminuição significativa dos segmentos de origem europeia e africana", falou. Em seguida, um árduo trabalho de checagem foi realizado. A conclusão: " existe realmente um desvio da ancestralidade local nessa região".

A professora explica o desvio com a hipótese de que a região do cromossomo 8 foi submetida a um processo de pressão seletiva no passado, voltada para melhor adaptar os indivíduos ao meio. "Em uma época em que a comida era escassa, o gene PPP1R3B, relacionado com o acúmulo de glicídios e lipídios, daria uma vantagem evolutiva aos seus portadores, possibilitando que vivessem por mais tempo, se reproduzissem mais, e transmitissem essa característica à descendência", elucidou.

Mas o que foi uma vantagem no passado, contextualizou, hoje é problema em um contexto de alta ingestão calórica e sedentarismo, agravados por hábitos como tabagismo e consumo exagerado de álcool. "Essa informação é importantíssima do ponto de vista de saúde pública", enfatizou. Um levantamento ocorre em outras regiões do Estado de São Paulo para verificar se existe o mesmo cenário. Esse trabalho começou no âmbito de um projeto mais amplo que envolve outras universidades do Estado. "Se eu fosse gestora do sistema de saúde pública da região, daria uma grande ênfase aos programas de prevenção de obesidade e diabetes", ressaltou Iscia.

Aplicação é na medicina de precisão

Com o intuito principal de contribuir com a área da saúde, os resultados do estudo estão sendo apresentado em diversos fóruns. Principalmente, voltados a área de epidemiologia. "Nosso objetivo é a aplicação dos resultados na medicina de precisão. Dadas as características genéticas da população, extremamente heterogênea, é provável que cada centro médico que queira implantar as práticas da medicina de precisão tenha que fazer esse tipo de estudo em sua população de interesse", afirmou Iscia. A pesquisa foi conduzida durante o pós-doutorado de Rodrigo Secolin, autor principal do artigo e bolsista da Fapesp.

Correio Popular