O tratamento de doenças isquêmicas do coração, como o infarto agudo do miocárdio, é uma das áreas que mais evoluíram na medicina nos últimos anos por meio do desenvolvimento de novas drogas, da cirurgia de revascularização e de técnicas como a angioplastia ou a utilização de stents para desobstrução de artérias.Uma nova técnica promete revolucionar, ainda mais, o avanço na área. Pesquisadores do Brasil e de outros países pretendem substituir músculos cardíacos danificados e induzir a formação de novos vasos em pacientes que sofreram infarto agudo do miocárdio por meio do uso de células-tronco e embrionárias.
Denominada reparação cardíaca biológica, a técnica começou a ser explorada nos últimos dez anos por grupos de pesquisa como o de José Eduardo Krieger, diretor do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração (InCor) e professor titular em Genética e Medicina Molecular do Departamento de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Mas o método precisa superar diversos desafios antes de chegar à aplicação clÃnica. 'Apesar de já termos evidências de que a indução da formação de novos vasos cardÃacos é possível, a tão necessária substituição de músculos cardÃacos danificados ainda é uma miragem', disse Krieger durante o Simpósio Regional sobre Medicina Translacional realizado em 2 de dezembro no Auditório da FAPESP. O evento integrou as comemorações dos 60 anos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), completados em 2011.
Segundo Krieger, desde a década de 1980 há evidências de que é possível induzir a formação de novos vasos cardÃacos e que isso pode ser um bom alvo terapêutico. Por outro lado, as primeiras indicações de que os músculos cardÃacos têm capacidade de regeneração em mamíferos só começaram a surgir nos últimos anos.
Em um estudo publicado em 2009 na revista Science, um grupo da Suécia conseguiu estabelecer a idade de músculos cardÃacos por meio de técnicas de datação por incorporação de carbono 14 ao DNA de pessoas expostas à radioatividade gerada por testes de bombas nucleares durante a Guerra Fria.
Os cientistas suecos constataram que os músculos cardÃacos humanos apresentam capacidade de renovação de 1% a 2% anualmente nas primeiras décadas de vida e de 0,45% a partir da quarta década, em que a probabilidade de um infarto do miocárdio é maior.
As taxas de renovação indicaram que cerca de 50% das células dos músculos cardÃacos humanos são substituÃdos ao longo de toda a vida de uma pessoa com 70 anos, sugerindo que o desenvolvimento de estratégias terapêuticas, como a reparação biológica cardÃaca, poderá estimular esse processo.
'Esse percentual de renovação dos músculos cardíacos na quarta a sétima década de vida pode parecer insuficiente para reparar um infarto, mas é uma evidência muito importante de que mesmo nessa fase ainda existe renovação celular. E o que estamos querendo fazer é, eventualmente, explorar isso do ponto de vista terapêutico', disse Krieger.
Uma das estratégias estudadas para a reparação cardÃaca é a utilização de células tronco adultas da medula óssea ou derivadas do tecido adiposo, e de células adultas geneticamente modificadas para estimular a formação de novos vasos. Entretanto, em estudos feitos em ratos, os pesquisadores brasileiros constataram que poucas células permaneceram no coração dos animais quando injetadas na corrente sanguínea um a sete dias após sofrerem um infarto do miocárdio. E, quando as células são injetadas diretamente no tecido cardÃaco, há um aumento de 7% na retenção, o que ainda não é satisfatório.
Para aumentar a retenção de células no coração, o grupo de Krieger em parceria com outro no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, estão utilizando uma série de biopolÃmeros e compostos naturais, como a fibrina e o colágeno, como 'cola' para elevar a fixação de células no órgão.
Injetados juntamente com as células, esses biopolÃmeros que podem ser extraídos dos próprios pacientes são capazes de aumentar para 15% a retenção de células no miocárdio e em seu entorno, no caso da fibrina, e para até 25%, no caso do colágeno.
'Estamos aprendendo que, além de fazer com que as células se fixem onde queremos, esses biopolÃmeros contribuem para proteger as células injetadas e facilitar a disseminação de fatores de crescimento produzidos por elas para as células vizinhas', disse Krieger.
O projeto, que será concluÍdo no fim de dezembro, foi aprovado em uma chamada realizada pela FAPESP em parceria com o MIT.
No laboratório do MIT, os cientistas priorizam experimentos com células humanas. Já no InCor, os testes são realizados com células de suÃnos, que são considerados o modelo mais próximo do homem.
Agora, a equipe brasileira coordena um estudo, que está em fase final, com 140 pacientes isquêmicos crônicos, em que metade dos pacientes submetidos a cirurgia de ponte para revascularizar o miocárdio receberá células de medula óssea e a outra metade placebo, para testar se a célula é capaz de aumentar a perfusão sanguÃnea tecidual para inibir ou ao menos retardar a deterioração de tecidos cardíacos após o infarto do miocárdio.
'Os desafios atuais nessa área são, por um lado, entender os mecanismos de ação pelos quais diferentes células tronco podem contribuir para minimizar o dano cardÃaco após o infarto e, por outro, avaliar se esses efeitos podem ou não ser substituÃdos por fármacos para que possamos de maneira racional avaliar o potencial dessa tecnologia e a eventual aplicação dela no dia-a-dia da prática clínica', disse Krieger.
Agência FAPESP
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