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Jornal da Unesp

REFORMA UNIVERSITÁRIA (1 notícias)

Publicado em 01 de dezembro de 2004

Presidente do Conselho Superior da Fapesp, o poeta e lingüista Carlos Vogt é formado em Letras na Universidade de São Paulo (USP) e professor titular em Semântica Lingüística da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desde 1969, onde foi reitor entre 1990 e 1994. Fez cursos de pós-graduação em Semântica Lingüística na França e nos Estados Unidos e é pós-graduado em Teoria Literária Comparada na USP. Até julho de 2001, foi diretor-executivo do Instituto Uniemp, Fórum Permanente das Relações Universidade-Empresa, em São Paulo. É vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), coordena o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Unicamp, e é diretor de redação da revista eletrônica de jornalismo científico ComCiência. Jornal UNESP: Para onde caminha a atual discussão da reforma universitária? Carlos Vogt: O tema tem quase a mesma idade que a universidade. Ela já nasceu para ser reformada, pois é uma das instituições mais conservadoras do ponto de vista institucional. Esse conservadorismo está relacionado com a capacidade de ela pensar criticamente o seu papel e a sua função de promover sistematicamente reformas no sentido de adequar a instituição ao seu papel social e a suas funções. A universidade brasileira evoluiu enormemente e conquistou padrões de qualidade muito respeitados e importantes, nacional e internacionalmente, que a levam a ocupar um lugar diferenciado no cenário da América Latina, em particular no que diz respeito ao sistema de pós-graduação, um dos melhores da região. Isso, porém, não quer dizer que não existam aspectos para melhorar, mas sim que reconhecemos tudo o que foi feito e conquistado. JU: Quais as principais questões a serem discutidas? Vogt: Um dos problemas do sistema universitário brasileiro que precisa ser encarado com a maior urgência possível é a questão da autonomia de gestão financeira das instituições públicas. Isso significa adotar um pouco a experiência do que vem ocorrendo nas universidades estaduais paulistas e melhorá-la, fazendo as modificações e adequações necessárias e possíveis. Enfrentar esse problema significa discutir a possibilidade ou não de um planejamento adequado do sistema e do funcionamento das universidades, possibilitando a existência de um fluxo de caixa que permita financiar as atividades de custeio, mantendo a universidade viável do ponto de vista material e dando maior tranqüilidade para a instituição organizar e fazer outras coisas. JU: Que outros temas são fundamentais? Vogt: O tema das carreiras é prioritário. A universidade é um organismo muito complexo e não dá para resumir tudo em duas categorias: docente e não-docente. Professores, técnicos e servidores da área de informática, por exemplo, têm características próprias. É preciso também distinguir as questões salariais das de recursos humanos. As reivindicações salariais e direitos trabalhistas são do universo dos sindicatos, enquanto a política de recursos humanos envolve capacitação, formação, qualificação e reconhecimento profissional de modo a incentivar constantemente os profissionais que atuam em ramos diferentes de atividade. A autonomia universitária está ligada a tudo isso e, como as universidades não são homogêneas, é possível desenvolver uma sistemática em que instituições sejam integralmente autônomas ou que ganhem essa autonomia gradualmente de acordo com sua vocação e estágio atual. Além disso, as instituições academicamente mais consolidadas poderiam desenvolver programas de atuação juntamente com as universidades menos desenvolvidas, de maneira que o sistema por inteiro trabalhe em harmonia para promover os ajustes necessários para o gozo pleno desta autonomia. JU: A discussão da autonomia é o melhor caminho para a reforma universitária? Vogt: Mais do que um caminho, a autonomia é a condição fundamental para uma reforma consistente. Ela envolve qualificação, qualidade e mérito acadêmico. Além disso, é necessário implementar uma distinção - que não é fácil - entre as universidades e as instituições de ensino superior, os colleges. Têm vocações distintas, mas são igualmente importantes e se complementam, porque permitem que o sistema como um todo atenda a necessidades de desenvolvimento social, econômico e espiritual do País. Uma instituição pode não ser uma universidade, mas atender a formação de profissionais com inserção regional. Assim, o sistema de ensino superior poderia funcionar em harmonia, atendendo as necessidades do desenvolvimento tecnológico nacional. JU: Como ficam nessa discussão as agências de fomento, como a Fapesp? Vogt: Em relação ao pleno funcionamento da autonomia universitária, as agências de financiamento federais podem ter a Fapesp como referência. Ela mostra como é possível trabalhar com continuidade, planejamento e regularidade de fundos de caixa. As universidades públicas paulistas recebem do governo paulista um percentual de 9,57% do ICMS para cobrir os gastos administrativos e corporativos como folha de pagamento e custeio. Dependendo da capacidade de gestão de cada reitor, pode sobrar uma margem significativa para um investimento. As agências de Financiamento tal como a Fapesp, trabalham, portanto, não com instituições, mas diretamente com o do centro-pesquisador, porque o critério de concessão das verbas é de mérito acadêmico do projeto e do grupo de pesquisa. Quanto mais mérito tiver o docente, mais projetos ele terá condição de levar adiante e mais a sua instituição será beneficiada. JU: E o acesso ao sistema universitário uma área de atuação em que participam nesse sistema? Vogt: As universidades privadas respondem no Brasil pela absorção de 65% na demanda pelo ensino superior. A questão da situação juridico-institucional dessas instituições privadas merece maior discussão. Creio que todo ensino superior deve ser público no sentido de que o lucro privado deveria sempre ser direcionado para ampliar a qualificação da instituição levando-a a ter um maior e melhor papel social. Também é preciso discutir, por exemplo, como as instituições públicas, que atendem apenas 10% da demanda, poderão aumentar a sua capacidade de atendimento sem perder a qualidade, em cursos noturnos. JU: E quanto à estrutura interna da universidade? É necessário repensar muita coisa. A atual estrutura departamental foi criada com a reforma universitária de 1968. A idéia de abolir a cátedra foi a busca da democratização do ensino. O objetivo era não ter um só líder acadêmico, mas vários, com a possibilidade de convivência no mesmo departamento de professores adjuntos e doutores. A verticalidade da cátedra foi horizontalizada. De lá para cá, o processo de produção de conhecimento foi se pautando pela interdisciplinaridade. Quando se fala em genômica, por exemplo, é uma área de atuação em que participam, entre outros, biólogos, químicos e profissionais da informática. O mesmo ocorre nas chamadas Ciências da Vida ou da Terra. Isso fez crescer os centros de produção do conhecimento e os grupos de pesquisa cujos contornos não coincidem mais, de forma nenhuma, com os limites administrativos dos departamentos, que foram se tornando unidades administrativas, que continuam a ter seu papel, mas perderam o passo com a produção e a divulgação do conhecimento. Há agora algumas tentativas de organizar as instituições e as unidades em programas. Pode-se pensar, portanto, numa nova organização temática e funcional com aspectos interessantes.