O governador de São Paulo, Mário Covas, vai contra tudo o que se tem falado sobre os cenários políticos do próximo ano. Para ele, o debate sobre a reeleição, por mais quente que seja, não funcionará como um complicador do último período do governo Fernando Henrique Cardoso, que o separa das eleições presidenciais de 1998, mas como um facilitador.
O raciocínio é claro: os partidos, para definirem as suas posições na disputa, terão de aguardar a colocação no tabuleiro da peça mais importante, a candidatura do presidente Fernando Henrique para mais um mandato. Isso, na prática, congela o processo sucessório, dando mais tempo ao presidente para continuar o seu projeto de aprovação das reformas estruturais - mesmo se lá na frente a reeleição for rejeitada pelo Congresso. Também na contramão do senso comum, o governador paulista não considera como uma fatalidade um rompimento com o PFL, no quadro nacional, na hipótese de não se viabilizar a reeleição. Ele reconhece que o PSDB não dispõe de um nome, hoje, que consiga atrair os aliados pefelistas para uma nova candidatura tucana, mas acredita que esta não é uma fórmula obrigatória de coligação. "Nada impede que apoiemos juntos, por exemplo, um nome de outra legenda", desconversa.
Ao receber este jornal para uma entrevista de duas horas em seu gabinete, no Palácio dos Bandeirantes, Covas contrariou também o que o senso comum diz de seu próprio estilo. Brincou com a fama de mal-humorado que carrega, no contrapeso da imagem de simpatia do presidente Fernando Henrique. "Nossos estilos são diferentes. O Fernando é capaz de passar uma noite vendendo um argumento", contou.
Covas iniciou a conversa deixando claro que encarava as dificuldades políticas do governo de seu partido, o PSDB, dentro dos limites impostos pela democracia e, em particular, pelo presidencialismo brasileiro. Mesmo com o reconhecimento dos problemas, avaliou, sem fatalismos - até com certa dose de otimismo - o futuro do governo Fernando Henrique.
REELEIÇÃO AJUDA A REFORMA
"Este processo sucessório vai ser atípico, as definições de candidaturas não serão iguais às que tivemos no passado. A tese dá reeleição apareceu no mercado e vai dar outra dinâmica ao processo sucessório", afirmou. Para ele, a reeleição não é uma carta fora do baralho e dependerá da qualidade do governo.
"Se houver pressão de fora para dentro do Congresso vai ser fácil, a exemplo do que aconteceu com Carlos Menem na Argentina. Será um pré-julgamento do governo. Se for favorável, mesmo os partidos que têm candidatos fortes vão avaliar muito antes de partirem para a disputa", disse o governador. Com a ressalva de que ele próprio não é, em tese, favorável à reeleição: "Se eu vou inauguro uma obra e levo meu candidato já é uma gritaria, imagine sendo eu próprio o candidato", exemplificou.
O governador atribuiu os obstáculos enfrentados por Fernando Henrique no Congresso durante este ano à natureza do regime presidencialista brasileiro. Na sua avaliação, o governo vive os momentos cíclicos do presidencialismo, registrados em anos anteriores: o presidente se elege sem maioria, ganha uma "maioria teórica" através de alianças, desponta com toda a força depois das urnas e sofre um declínio à medida que se afasta da eleição que o colocou no poder. O momento seguinte desse ciclo, que seria a deflagração do processo sucessório na segunda metade do governo, Covas acredita que poderá ser adiado devido à tese da reeleição.
"No regime presidencialista, o presidente é forte, mas sua relação com o Congresso é fraca", teorizou. "No primeiro, ano de governo, no entanto, ele dispõe de cacife eleitoral. Fernando Collor, por exemplo, conseguiu o apoio do Congresso para deixar cada brasileiro com 50 'paus' no bolso", lembra. Da mesma forma, Fernando Henrique conseguiu aprovar com surpreendente facilidade as reformas econômicas, que quebravam os monopólios estatais: "Foi como faca quente na manteiga".
À medida que o tempo passa, no entanto, aparecem os "contraditórios naturais", são os necessários rearranjos para acomodar insatisfações. "As insatisfações que um governo tende a causar são maiores do que as satisfações. As satisfações se fazem sentir apenas a médio e longo prazos." Mas esse movimento, na sua opinião, não sentencia um fim de governo, mas uma dinâmica de acomodação.
"Eu teria feito diferente do que fez o presidente Fernando Henrique. Eu teria mandado todas as reformas no primeiro ano. Cheguei a dar essa opinião a ele, mas essa é uma afirmativa meramente acadêmica", diz Covas. Mesmo divergindo do "timing" das reformas, que coloca na cota das diferenças de estilos, o governador acha que o presidente está "absolutamente certo" ao persistir nas emendas, apesar do reconhecido efeito eleitoral sobre suas votações. "Fernando Henrique não pode abri mão de seus compromissos. Se não viabilizar as reformas, pelo menos fez a parte dele, mas de qualquer forma estará assumindo a proposta que ele exacerbou, a de que as reformas são necessárias."
Mesmo com o reconhecimento de que o processo eleitoral complica as já complexas relações entre Executivo e Legislativo, o governador não chega a ser fatalista. "As eleições podem vir a fraturar a aliança que sustenta o governo federal, mas isso não quer dizer que ele não possa recompô-la".
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Gazeta Mercantil