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Gazeta Mercantil

Reduzir ou não os combustíveis fósseis? (1 notícias)

Publicado em 11 de janeiro de 1996

Por Charles L. Harper Jr. (*)
Estaria a queima dos combustíveis fósseis levando o mundo a uma catástrofe ecológica? Um relatório científico do Painel Inter-governamental sobre a Mudança Climática (PIMC), das Nações Unidas, aprovado em encontro realizado há algumas semanas em Roma, conclui que sim e recomenda medidas drásticas e imediatas. Se as conclusões do relatório forem adotadas, importantes mudanças na produção de energia, diferentes em vários pontos da exploração dos combustíveis fósseis, deveriam ser instituídas para evitar ainda mais danos devido à mudança de climas e elevação do nível do mar. Entretanto, o "consenso" científico que o relatório apresenta pode ter mais a ver com a política do medo do que com a ciência objetiva. O relatório combina os esforços de três "grupos de trabalho" que estudam as previsões de mudanças climáticas, as projeções do impacto ambiental e a política pública. As principais descobertas dos três grupos são de que a, temperatura ambiente da superfície do planeta aumentou entre 0,3 e 0,6 grau centígrado durante os últimos cem anos, que parte disso é claramente devido às atividades humanas e que um aumento posterior de 1 a 3,5 graus centígrados deverá ocorrer até o ano 2100 em virtude da contínua queima de combustíveis fósseis. A principal base para o resumo do PIMC é dada por complexos códigos de computação para simular o clima, conhecidos como Modelos de Circulação Geral (MCG). Os sofisticados MCG podem ser testados contra dados de climas do século que passou, durante o qual os gases provoca-dores do efeito estufa e de produção humana aumentaram a uma equivalência de 40% de excesso em dióxido de carbono, ou seja, 40% mais de dióxido de carbono em comparação com a época anterior ao momento em que a humanidade começou a espalhar resíduos de gases na atmosfera (podemos fazer comparações ao testar a qualidade do ar encontrado em bolhas e em gelo pré-histórico). Isso já é grande parte do caminho em direção ao equivalente duplo do nível de gás carbônico, que é o padrão convencional para avaliação de cenário de crise. Esses modelos de cenário de catástrofe indicam que deveria ter havido um aumento global de mais de 1 grau durante o último século. Para fins de comparação, o histórico dos dados sobre a temperatura indica um aquecimento global de menos de 0,5 grau centígrado, a sua maior parte devido a causas naturais. Assim se supõe porque a maior parte do aquecimento ocorreu no intervalo entre 1885 e 1940, anterior à maioria da acumulação de excesso de dióxido de gás carbônico na atmosfera. Para comparação adicional, os satélites têm feito medições de alta precisão desde o início de 1979. Os MCG que sustentam a tese da catástrofe sugerem que deveria ter havido uma tendência de aquecimento de aproximadamente 0,2 grau centígrado por década durante o período. Mas os dados dos últimos dezessete anos observados mostram uma tendência média de esfriamento de menos 0,05 graus centígrado por década. No máximo, as correções para as perturbações conhecidas como grandes erupções vulcânicas e ciclos tropicais do furacão El Nino implicam um modesto aquecimento subjacente de não mais que 0,1 grau , centígrado por década. Resumindo a evidência, tanto os dados recentes de satélite quanto os de longo prazo baseados em históricos de temperatura auferidos em terra implicam uma relativamente baixa e moderada sensibilidade do clima à queima de combustíveis fósseis. O que não quer dizer que o aquecimento global deva ser ignorado, mas realmente retira o caráter de urgência para mudanças imediatas no uso de energia. Uma mudança para explorar as fontes alternativas de energia poderia ser instituída através de cronogramas normais sem sérios riscos para o clima se a continuada pesquisa nos próximos dez anos confirmasse a necessidade de fazê-lo. Os produtores de energia deveriam se preparar para tal contingência. Mas por enquanto a ciência do aquecimento global ainda não está desenvolvida e estabelecida. O ritmo do desenvolvimento é rápido e impressionante, com novos e surpreendentes avanços quase a cada semana. Dentro de uma década, a ciência deverá estar em muito melhor situação para fazer previsões com mais fundamento. Nada, nas atuais observações, indica um risco significativo por se esperar mais uma década até que sejam desenvolvidas melhores bases científicas para a adoção de uma política sobre o assunto. O público também deveria ser informado de que as reportagens da mídia que relacionam vários acontecimentos catastróficos como enchentes, ondas de calor e furacões ao aquecimento global não têm fundamentos científicos consistentes. Os que advogam a proteção do ,;meio ambiente e medidas legislativas não estão porém satisfeitos com esse estado de coisas, ainda muito experimental. Eles querem que os cientistas se juntem a seu coro e, como eles, comecem a entrar em pânico. O último round do PIMC sofreu a forte influência do lobby dos protetores do meio ambiente mais alarmistas para começar um movimento para apoiar a ação imediata de restrição ao uso de combustíveis fósseis. Os cientistas que discordam já estão sofrendo pressão da mídia por não terem acompanhado o barco. Uma emotiva arenga publicada pela revista Harper deste mês calunia vários respeitáveis cientistas que criticaram o cenário de catástrofe como subservientes a interesses do setor de energia. Certamente, o pânico sempre vende mais jornais e arrecada mais doações e verbas do que discussões técnicas mais complexas de incertas e normalmente ambíguas discussões científicas. Um problema paralelo é que uma opinião científica com base em comissões fica em grande parte sujeita a pressões sociais e de base financeira para apoiar os mandatos de motivação política, como vistos na campanha da ONU pelo PIMC. Enquanto o trabalho científico nesse campo como um todo permanece rigorosamente objetivo e de admirável alto calibre, muitos praticantes sentem uma compulsão moral para apoiar o ambientalismo politicamente ativo e assim aceitar um padrão duplo. Embora haja muitos acadêmicos que discordam do cenário apocalíptico, poucos se decidem a opor-se à direção predominante do "grupo de mentes independentes", que está agora caindo de amores pela crítica da ordem capitalista-industrial. A verdade é que o pânico do aquecimento global se tornou uma crescente indústria em campos periféricos, principalmente entre os acadêmicos da saúde pública que recentemente conceberam uma (altamente suspeita) conexão entre o aquecimento e alarmantes perspectivas de doenças epidêmicas. Para se compreender as interações entre acadêmicos, agências de financiamento, políticos e grupos de advocacia ambiental, deveríamos nos lembrar da advertência de H. L. Mencken de que "todo o objetivo da política prática é manter o populacho alarmado (que em função desse alarme clama por uma liderança que o satisfaça), com uma série infinita de bichos-papões, todos eles imaginários". O efeito estufa pode não ser um imaginário bicho-papão, mas os estudos do clima não dão apoio a cenários de catástrofe. O clima da Terra permanece uma entidade de alta complexidade e nada fácil de ser capturada em códigos de computação. Muitos processos críticos de controle de clima físico, conhecidos como "feedbacks", continuam ainda pouco compreendidos e descobertas futuras deverão modificar os modelos atuais de forma considerável. Os ambientalistas tipicamente retratam a questão do aquecimento global através de moralismo monocromático, descrevendo os céticos como subservientes às "satânicas engrenagens" da indústria. Entretanto, a pesquisa científica se esforça em debate rigoroso. Os cientistas devem concordar apenas quando uma irrefutável evidência os obriga a isso. Não há saídas compulsivas para a questão climática. Deve-se reconhecer que o PIMC apresentou uma síntese da declaração muito bem equilibrada em Roma, que refletia corretamente essa situação altamente incerta. Entretanto, espera-se uma reação dos ambientalistas ao relatório completo, que dará um peso indevido às possibilidades negativas. O ambientalismo deve-se disciplinar e se limitar às coisas práticas e restringir seu habitual "dumping" de medo ao ambiente intelectual. Um meio ambiente mais limpo e saudável é um objetivo nobre e necessário. Mas a política do pânico apenas nos impedirá de alcançar aquele objetivo. (*) Cientista planetário da Universidade de Harvard. Artigo publicado originariamente no The Wall Street Journal.