Quatro em cada dez estudos publicados em todo o país sobre o coronavírus (38,7%) têm a participação de cientistas da USP, da Unicamp ou da Unesp
O projeto de lei do governo João Doria (PSDB) que prevê retirada de verba das universidades estaduais paulistas e da fundação que financia pesquisa científica no Estado, a Fapesp, atinge quem mais está produzindo conhecimento sobre o novo coronavírus e sobre a doença por ele causada.
Quatro em cada dez estudos publicados em todo o país sobre a Covid-19 (38,7%) têm a participação de cientistas da USP, da Unicamp ou da Unesp– as três universidades estaduais paulistas.
Os dados mostram que essas instituições direcionaram suas pesquisas a temas ligados à pandemia. Em 2019, pesquisadores das estaduais paulistas assinaram três em cada dez estudos (28,7%) nacionais publicados sobre assuntos de todas as áreas do conhecimento.
Fapesp e universidades estaduais paulistas viraram assunto desde a publicação do projeto de lei do governo Doria (529/2020) em 13 de agosto, que prevê, entre outras decisões, que universidades estaduais, fundações como a Fapesp e autarquias transfiram ao tesouro estadual os recursos que não tenham sido gasto ao final de cada exercício. O texto está em pauta na Assembleia Legislativa de São Paulo antes de seguir para as comissões de avaliação. Até o final da manhã desta terça (18), já contabilizava 68 sugestões de alteração (emendas) de deputados. Em uma delas, por exemplo, o deputado Carlos Giannazi (PSOL) propõe a supressão de alguns artigos do projeto – incluindo o 14, que trata da Fapesp e das universidades.
Cientistas da USP, Unesp e Unicamp têm feito novos trabalhos, por exemplo, sobre a relação entre a Covid-19 e diabetes, impactos da quarentena na saúde mental e possíveis tratamentos para a doença. Muitas dessas pesquisas se dão em colaboração internacional com países como Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Itália.
Para se ter uma ideia, em média, há mais de uma pesquisa nova publicada por dia sobre Covid-19 com a participação de cientistas das universidades estaduais paulistas. Os dados são da base internacional Web of Science, que reúne periódicos científicos de todo o mundo. Não foram considerados relatórios técnicos, estudos em andamento ou com resultados científicos preliminares (sem avaliação de outros pesquisadores).
As universidades estaduais paulistas têm uma participação tão grande na ciência nacional sobre Covid-19 que, se USP, Unesp e Unicamp fossem um país, sua produção científica voltada à pandemia estaria na posição 22 em ranking mundial– à frente de Israel, Portugal, Egito e Rússia. As três instituições já tinham expertise acadêmica acumulada sobre os coronavírus antes do surgimento do novo Sars-CoV-2.
Na última década, cientistas da USP, Unesp e Unicamp assinaram mais da metade dos estudos sobre os coronavírus publicados no Brasil. Foram, ao todo, 163 trabalhos. Isso, claro, demanda recursos. Parte significativa do financiamento das universidades estaduais paulistas também tem originem estadual. No ano passado, 41% das pesquisas de cientistas da USP, da Unesp ou da Unicamp tiveram algum tipo de aporte de verba da Fapesp.
Isso significa desde recursos para compra de insumos como reagentes a bolsas de pesquisa para alunos de pós-graduação ou equipamentos complexos de laboratório. Se aprovado, o projeto de lei de Doria pode resultar no corte de mais de R$ 1 bilhão para pesquisa no estado de São Paulo ainda em 2020, de acordo com estimativa da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp).
"Mas que 'sobra' de recursos é essa, em meio à notória crise orçamental das universidades? Tratam-se de uma ilusão contábil: são verbas reservadas para o ano seguinte. O dinheiro está ali para ser usado nos projetos já contratados e já em andamento", diz Adriano Andricopulo, professor da USP e diretor-executivo da Aciesp, um dos nomes que têm encabeçado a reação de cientistas paulistas ao PL.