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Rede paulista de genoma desvenda outra praga agrícola (1 notícias)

Publicado em 23 de agosto de 2004

Por Herton Escobar escreve para 'O Estado de SP':
Pesquisadores brasileiros completaram o seqüenciamento genético de mais uma importante praga agrícola mundial. A bactéria atacada dessa vez foi a Leifsonia xyli, responsável pela principal doença da cultura de cana-de-açúcar: o raquitismo. Com as informações genéticas em mãos, os pesquisadores esperam encontrar pistas para combater a infecção, que faz com que a planta perca até 50% de sua biomassa. O trabalho envolveu mais de 40 pesquisadores em 20 laboratórios da Agronomical and Environmental Genomes (AEG), uma das várias redes paulistas de genômica que nasceram do projeto de seqüenciamento da Xylella fastidiosa, quatro anos atrás. Desde então, essa é a quarta bactéria agrícola seqüenciada dentro do programa Genoma da Fundação de Amparo à Pesquisa de SP (Fapesp), depois de uma segunda espécie de Xylella e duas de Xanthomonas - pragas de videiras e citros. Outro projeto já concluído é o do genoma da cana, que, junto com o da Leifsonia, abre uma série de perspectivas para o controle da doença. O raquitismo ocorre no mundo todo e causa prejuízos anuais de US$ 36 milhões na Flórida (EUA) e US$ 11 milhões na Austrália. No Brasil, maior produtor mundial, a perda pode chegar a R$ 500 por hectare. 'Como temos uma área plantada com variedades suscetíveis de 100 mil hectares, podemos chegar a uma perda de R$ 50 milhões', calcula o pesquisador Luis Eduardo Aranha Camargo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP. As plantas doentes, diz ele, perdem em média 27% do peso. Por enquanto, as opções de controle são limitadas. A Leifsonia vive dentro do xilema - vaso que leva água e sais minerais da raiz até as folhas - e a transmissão no campo ocorre pela lâmina do facão, quando o mesmo é usado para cortar uma planta infectada e outras sadias. Como um bisturi com sangue infectado numa sala de cirurgia. Os tocos de cana (ou touceiras) ficam no solo e, quando rebrotam para a próxima safra, já carregam a doença. A única solução é evitar trazer toletes já contaminados dos viveiros, imergindo-os em água quente antes do plantio - técnica conhecida como termoterapia. 'É uma medida de quarentena', explica Camargo. Se a doença chega ao campo, não há como combatê-la. Um dos problemas é que a biologia da bactéria é pouco conhecida. Mas o seqüenciamento já está dando as primeiras dicas. O genoma da Leifsonia, segundo os cientistas, possui 2,5 milhões de bases nitrogenadas - as famosas letras A, T, C e G -, entre as quais foram identificados 2.351 genes. A meta agora é estudar a parte funcional desse genoma - ou seja, como ele controla as funções biológicas da bactéria. Os cientistas suspeitam que a Leifsonia produz um hormônio vegetal, chamado ácido abscíssico, que atrasa o crescimento e, aparentemente, interfere na expressão dos genes de resistência da planta. 'Poderíamos pensar em uma estratégia para inibir a produção desse hormônio, ou criar uma cana que seja insensível a ele', diz Camargo. O genoma também indica que a Leifsonia pode sobreviver no ambiente fora da cana, mas ainda não se sabe como ocorre a infecção inicial. O projeto foi iniciado há três anos e custou US$ 700 mil, financiados pela Fapesp e pela Coopersucar (US$ 50 mil). O trabalho é destaque de capa na edição deste mês da revista Molecular Plant Microbe Interactions, da Sociedade Americana de Fitopatologia. A primeira autora é Cláudia Monteiro-Vitorello, também da Esalq. (O Estado de SP, 21/8) JC e-mail 2591, de 23 de Agosto de 2004.