Rede internacional de cientistas apresenta relatório de oportunidades hídricas em São Paulo, estado que mais consome a reserva de águas subterrâneas do Brasil
Pesquisadores do Instituto de Geociências (IGc) da USP fizeram um mapeamento de como aplicar a chamada Recarga Gerenciada de Aquíferos (RGA) no Estado de São Paulo. O trabalho mostra que em regiões críticas como Ribeirão Preto, Bauru e São José do Rio Preto, a RGA poderia sustentar o uso de aquíferos. Essas regiões são abastecidas por águas subterrâneas e já sofreram quedas na disponibilidade hidrológica do Aquífero Guarani. A técnica apresentada consiste em abastecer os aquíferos com água superficial excedente.
O estudo identificou a disponibilidade hídrica anual no Estado: são 1.420 milímetros de precipitação e 148 dias de chuva. A publicação teve autoria de especialistas e materiais disponibilizados pelo Projeto Sacre – uma colaboração internacional entre USP, Unifesp, Unesp, Unicamp, Universidade de Hiroshima e Universidade de Waterloo.
Ricardo Hirata, coordenador do projeto e professor titular do IGc, comenta que esses números indicam quantidade suficiente para implementação das recargas. Além disso, a distribuição de verões chuvosos e invernos secos é ideal para o armazenamento de águas excedentes entre outubro e março, e contenção de danos entre abril e setembro.
O pesquisador aponta que a recarga pode ser uma estratégia efetiva durante os períodos de seca extrema, como no caso de 2014, quando o Sistema Cantareira – complexo de reservatórios em São Paulo – atingiu apenas 5% da sua capacidade. Ele aponta que, com as mudanças climáticas, esses eventos serão cada vez mais frequentes. Cidades como Guarulhos, Diadema, Cajamar, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto já apresentam estado hídrico crítico.
Além dos benefícios ecológicos, Hirata também ressalta outras vantagens. No plano econômico, as águas subterrâneas são mais baratas por precisarem de menos etapas no tratamento. Já no plano social, o armazenamento das águas superficiais durante os meses de chuvas intensas pode reduzir os problemas de escoamento como escorregamentos e inundações.
O uso de águas residuais também é apontado como alternativa de recarga: é estimado um volume de 2.686 mm3/ano, do qual 71% é tratado. Neste caso, o artigo aponta que um dos maiores desafios na implementação deve ser a aceitação e confiança do público.
“Se nós temos excesso de água, por que não pegar parte desse recurso para abastecer os aquíferos? Nós podemos criar estruturas que possam infiltrar o solo e repor as águas subterrâneas para maior segurança no período de estiagem”
Ricardo Hirata
A necessidade de RGA em São Paulo
O artigo apresenta a necessidade do sistema e aponta a dependência do Estado em relação às águas subterrâneas – mais de 75% das cidades de São Paulo são abastecidas por aquíferos e 5,5 milhões de paulistas utilizam o recurso diariamente.
De acordo com Hirata, o Brasil é o nono país que mais consome águas subterrâneas no mundo – e São Paulo é a cidade que mais faz esse uso das águas brasileiras. Para ele, o Estado perde uma oportunidade ao não investir nesta área de pesquisa. “São Paulo tem uma enorme dependência de águas subterrâneas, abastecemos condomínios, indústrias, agricultura, aeroportos e muitos outros setores”, comenta o pesquisador.
Ele aponta que existe um receio em relação à segurança hídrica da técnica e enfatiza que a recarga gerenciada é uma estratégia histórica e muito utilizada em diversos lugares, como Alemanha, Estados Unidos e Austrália.
Futuro das águas
Hirata defende a importância do domínio técnico e da constante monitoração do sistema. Entre as principais falhas dos projetos da recarga gerenciada de aquíferos no mundo, cita: entupimento, baixa taxa de infiltração, salinidade e sodicidade (excesso de sais e alto porcentual de sódio, respectivamente) e qualidade de água inaceitável.
Como diretor do Projeto Sacra, o pesquisador afirma que o plano é transformar a cidade de Bauru em uma “bacia escola”, ou seja, um centro demonstrativo de experimentos conjuntos para que os técnicos e tomadores de decisão entendam e avaliem a capacidade das estruturas de recarga. Além da cidade-projeto, o artigo apontou possíveis métodos de RGA no Estado, considerando disponibilidade hídrica, relevo, economia, infraestrutura e permeabilidade do solo. Em regiões pouco permeáveis como São Paulo, Araraquara e São Carlos, a recarga por injeção pode ser uma opção valiosa, por sua precisão e aplicação local
O artigo Managed aquifer recharge in São Paulo state, Brazil: opportunities for facing global climate change issues pode ser lido aqui.
Mais informações: Ricardo Hirata, rhirata@usp.br.
*Estagiária com orientação de Tabita Said