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Correio da Paraíba

Rajendra Pachauri: O homem do clima (1 notícias)

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Por Carlos Fioravanti

Ao longo de 10 anos, desde que foi eleito para a presidência do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o indiano Rajendra Pachauri tem enfrentado batalhas difíceis. Em 2007 ele teve de encarar o ceticismo do mundo ao demonstrar, com sua equipe, que as alterações climáticas poderiam ser causadas pelas atividades humanas, mas em dezembro desse mesmo ano, em vista de seus avanços, ele dividiu o Prêmio Nobel da Paz com o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore. O prêmio lhe deu fôlego para, na batalha seguinte, responder às críticas severas que chegaram do mundo todo quando as previsões dos cientistas do IPCC não se mostraram exatas.

Sua batalha mais recente é a da comunicação. Ele pretende fazer com que os resultados científicos do IPCC cheguem não só a cientistas, mas também a públicos mais amplos, ainda que receba questionamentos - sempre bem-vindos, ele diz, quando "justos e objetivos". Para facilitar essa interação é que o jornalista Jonathan Lynn, depois de trabalhar 32 anos como correspondente internacional da agência de notícias Reuters, assumiu em 1º de dezembro de 2011 o cargo então recém-criado de coordenador de comunicação - e logo depois embarcou com a equipe do IPCC para a 17ª Conferência das Partes (COP-17) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Durban, na África do Sul. Vista inicialmente com muitas dúvidas, a COP-17 terminou com inesperado acordo global para a redução da emissão de gases do efeito estufa.

Pachauri empenha-se também em motivar os governantes e formuladores de políticas públicas a agirem de modo a amenizar os impactos dos eventos climáticos extremos, como secas, deslizamentos e inundações intensas, que atingem milhões de pessoas em todo o mundo. No documento mais recente elaborado com o propósito de fortalecer as políticas públicas, distribuído em novembro do ano passado, os especialistas do IPCC propõem formas de gerenciamento de riscos de desastres naturais, que, eles alertam, podem ser influenciados pela variabilidade climática natural ou induzidos pelo ser humano. O presidente do IPCC agora está convencido de que propostas de ação como essa têm de ser debatidas continuamente até que possam ser aperfeiçoadas e implantadas. "Acho que estamos na direção certa", observou.

Nascido em 1940, Pachauri estudou engenharia mecânica na Índia e nos Estados Unidos, onde foi professor. Voltou para a Índia em 1975 e desde 1982 dirige o Instituto de Recursos e Energia (Teri), uma organização independente sediada em Nova Délhi, com cerca de 900 funcionários, que persegue o uso sustentável de fontes naturais de energia. Desde 2001, é também conselheiro do primeiro-ministro da Índia.

Vegetariano, Pachauri deve vir em junho para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, a ser realizada de 20 a 22 de junho no Rio de Janeiro. Na entrevista a seguir ele fala do Brasil e de suas prioridades à frente do IPCC.

Este ano teremos a Rio+20. Quais os desafios desse encontro, a seu ver?

Não será um encontro apenas sobre mudanças climáticas, mas também sobre ambiente, pobreza, biodiversidade, tudo está conectado, claro. Espero que a Rio+20, em junho deste ano, tome importantes decisões para o desenvolvimento sustentável no mundo.

Qual sua impressão sobre a participação política e científica do Brasil nos debates sobre mudanças climáticas?

Acompanho a participação política apenas indiretamente, por leituras. Conheço melhor a parte científica. Tenho visto com satisfação que no IPCC os pesquisadores brasileiros têm feito contribuições muito importantes. Há muita pesquisa sobre mudanças climáticas sendo feita no Brasil, e isso é muito bom. O Brasil é uma economia emergente, que ganha destaque no cenário mundial, e tem muita experiência, muito conhecimento científico, na produção de bioetanol.

E os Estados Unidos? O ceticismo sobre as mudanças climáticas tão presente durante os anos do governo Bush terminou?

Posso apenas falar da contribuição científica dos Estados Unidos, que tem sido realmente impressionante. A colaboração dos cientistas norte-americanos tem sido de alto nível, eles são um dos que mais têm contribuído para o conhecimento nessa área.

A COP-17 terminou em dezembro com um acordo global para a redução de gases do efeito estufa. A seu ver, esses compromissos são reais?

Não sei. Acordos desse tipo já foram feitos antes, mas são muito difíceis de implementar.

Quais são as prioridades atuais do IPCC?

Nossa tarefa mais importante é completar o quinto relatório, que deve estar pronto em 2014. Outra prioridade é implantar uma estratégia de comunicação melhor do que a que tínhamos feito até agora. Isso é porque eu acho que conversar com representantes dos meios de comunicação como você é muito importante. Não é o suficiente produzir informação de alta qualidade, temos também de fortalecer as mensagens de nossos achados científicos.

Em maio do ano passado, o IPCC anunciou que iria melhorar a acuracidade científica e as estratégias de comunicação. O que aconteceu depois?

Temos agora um chefe do departamento de comunicação [Jonathan Lynn]. É uma posição que criei recentemente e deve nos ajudar bastante.

O IPCC ainda está sendo criticado?

Não sei. Você é que pode me contar sobre isso. A ?ciência só avança quando é questionada, caso contrário, não desenvolve novas metas, mas os questionamentos têm de ser justos e objetivos.

De acordo com o Daily Climate, uma publicação de uma organização não governamental dos Estados Unidos, a Environmental Health Sciences, a cobertura mundial da imprensa sobre mudanças climáticas caiu 20% em 2011, em comparação com 2010. A seu ver, o que esse resultado significa?

Há coberturas boas e ruins, não sei qual caiu. Se foi a ruim, não me importo. A qualidade da cobertura jornalística é também tão importante quanto a magnitude da cobertura. Você poderia ter uma pequena quantidade de boa cobertura ou uma quantidade elevada de cobertura não tão boa. Temos de olhar a qualidade também.

Em novembro o IPCC distribuiu o estudo Managing the risks of extreme events and disasters to advance climate change adaptation (SREX). Esse trabalho já alcançou os formuladores de políticas públicas, de modo a realmente evitar os efeitos dos desastres naturais?

Tentamos fazer o melhor possível. Ainda temos muitas atividades planejadas, porque esse trabalho precisa ser disseminado continuamente, não em um ou dois dias. Espero que os formuladores de políticas públicas realmente entendam e aproveitem esse conhecimento que oferecemos.

Muitas vezes, no Brasil, os políticos parecem não estar muito interessados em estudos científicos.

Quando falamos de eventos climáticos extremos e desastres naturais, todos têm de estar interessados, tanto os políticos quanto a sociedade civil... por causa dos impactos sociais e econômicos. Todos deveriam estar interessados. Vejo os efeitos dramáticos dos desastres naturais em todo o mundo, e há milhares, por vezes milhões de pessoas atingidas. Creio que os políticos estão preocupados sim.

Parece que as mudanças climáticas são muito mais graves em países em desenvolvimento como a Índia, onde o senhor vive, ou o Brasil, por causa da falta de dinheiro e de conexões institucionais...

Você está certo. Nos países em desenvolvimento não temos instituições capacitadas para enfrentar os impactos das mudanças climáticas. Não temos sistemas adequados de alarme de desastres naturais, muitas vezes falta também infraestrutura.

Como o instituto Teri, que o senhor dirige, e o governo da Índia estão lidando com esses problemas?

Estamos trabalhando em projeções dos impactos das mudanças climáticas, assegurando que as pessoas sejam capazes de se adaptar melhor aos impactos. Estamos também trabalhando em medidas de mitigação, mostrando como usar as atuais fontes de energia de modo mais eficiente e como ampliar o uso de energias renováveis. Estamos trabalhando com governo, instituições de pesquisa, empresas e sociedade civil, todos têm de se envolver para resolver os problemas causados pelas mudanças climáticas.

Essa estratégia de trabalho coletivo está funcionando?

Está sim. Lentamente, porque há muito por ser feito. Temos de dar um passo por vez. Acho que estamos nos movendo na direção certa.

Em 2012 o senhor completa 10 anos como presidente do IPCC. O que mudou em sua vida nesse período e em sua visão de mundo nesses 10 anos?

Estou muito mais convencido da importância das mudanças climáticas, porque agora temos bastante informação científica. Quando assumi o IPCC, tentei trazer algumas mudanças. Durante 17 anos, de 1988 a 2005, apenas cinco pessoas trabalhavam na secretaria geral de uma organização mundial como essa. Era um grupo muito pequeno, para fazer coisas absolutamente essenciais. Dobramos esse número, porque concluímos que agora precisamos nos comunicar com o mundo de fora muito melhor que antes. Temos também de lidar com um número alto de atividades e pesquisadores de todo o mundo. A secretaria geral está agora muito mais eficiente para fazer todas essas coisas. Todos estamos aprendendo todo o tempo, para fazer o melhor possível.