Parece cena de filme de ficção científica, mas não é. A captura de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera e a sua transformação em um produto, com diversas aplicações, estão próximas de se tornar realidade. Trata-se de um hidrogel, sintetizado a partir de ácido oxálico e um bio-monômero.
Quem explica esta inovação é o bacharel em Química pela Universidade de São Paulo (USP),Thiago Lopes, que é coordenador da pesquisa para produção de ácido oxálico no âmbito do FAPESP-Shell Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI).
“A pesquisa teve início em dezembro de 2020. Meu papel, dentro do programa, é tratar o CO2 em um reator eletroquímico e transformá-lo em ácido oxálico, com pegada negativa de carbono. Estamos na fase de prova de conceito (transformação da hipótese em comprovação científica)”, diz Lopes, também professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP.
Ainda participam do programa, com projetos, a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ/USP) – onde serão realizados os testes de aplicação do hidrogel em lavouras de milho, soja, cana-de-açúcar, campos de eucalipto e gramíneas, e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que ficará responsável pela síntese, por química orgânica, do hidrogel.
Já a produção do ácido oxálico está a cargo da Escola Politécnica, a partir do CO2. Em paralelo, o Instituto de Energia e Ambiente (IEE/USP) irá propor os padrões normativos necessários para a entrada do produto no mercado.
Segundo o professor Lopes, as pesquisas estão ocorrendo simultaneamente, e a expectativa é de que os primeiros resultados apareçam daqui a três anos.
Benefícios do hidrogel
Segundo especialistas, a agricultura é responsável pelo consumo de mais de 2/3 de toda a água retirada dos rios, lagos e lençóis freáticos do mundo. Com ciclos hidrológicos cada vez mais instáveis, também pelo agravamento do efeito estufa no planeta, a produção e a segurança alimentar ficam ameaçadas com a escassez de água ao redor do planeta.
Uma das grandes aplicabilidades do hidrogel seria a utilização na agricultura, diminuindo a quantidade de água para a irrigação das lavouras e servindo como sorvedouro de dióxido de carbono.
“Desta forma, isso provocaria uma desaceleração no ritmo dos impactos das mudanças climáticas, tanto na agricultura como na vida das pessoas”, argumenta Lopes.
O depósito dos grânulos do hidrogel no solo teriam a propriedade de reter a água utilizada na irrigação das lavouras e a liberar gradualmente para a planta, o que diminuiria a necessidade de irrigação, aumentaria a absorção de macro e micronutrientes pela planta, além de trazer benefícios para as propriedades do solo.
Outra aplicação promissora, que poderá ser estudada mais à frente, é fazer do hidrogel um meio de entrega de xenobióticos nas culturas. “Em vez de pulverizar grandes quantidades de defensivos agrícolas, por exemplo, os produtos químicos seriam disponibilizados pelo hidrogel, de forma mais efetiva e controlada.”
O professor Lopes comenta que a função do ácido oxálico sintetizado no projeto é sequestrar o CO2 da atmosfera. Neste processo, próximo de duas moléculas de carbono poderiam ser retiradas do ar, por molécula de ácido sintetizada.
Esta molécula serviria como um “aspirador” de carbono do ar, a qual tomaria parte na síntese do hidrogel, com um bio-monômero que, por sua vez, tem sua origem na fotossíntese natural, outro “aspirador” de carbono.
“Assim, o hidrogel produzido retira carbono do ar e ao ser “enterrado” e ele ainda fixa cerca de 30% do seu carbono no solo, em um conceito global de solução baseada na natureza para revertermos as mudanças climáticas”, acrescenta o professor Thiago Lopes.
De acordo com o coordenador dos estudos da interação hidrogel-solo e professor do Departamento de Ciência do Solo da ESALQ, Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, o objetivo geral desse projeto é estudar os efeitos secundários da aplicação do hidrogel produzido pela equipe de pesquisa na interação solo-planta em sistemas naturais do Brasil.
“O uso do hidrogel poderá trazer benefícios significativos para a agricultura, silvicultura e pecuária do país, considerando o potencial aumento da retenção de água no solo e sua disponibilidade para a planta, e na melhoria na permeabilidade do solo, redução da necessidade de irrigação, aumento do sequestro de carbono no solo, redução da emissão de gases do efeito estufa, redução da compactação do solo, e minimização da suscetibilidade do solo a sofrer com processo de erosão”, conclui o professor Cerri.
Fonte: CFC - Conselho Federal de Química