Na Universidade de Oxford, empresas spin-off criadas a partir do departamento de Química renderam 80 milhões de libras à instituição. Seu diretor, Graham Richards, acredita que o Brasil poderia chegar ao mesmo patamar em apenas 20 anos
A Universidade de Oxford, na Inglaterra, tem o maior departamento de Química do mundo ocidental, que já gerou quatro prêmios Nobel. Mas o que chama mais a atenção ali não é o fato de o departamento ter nota máxima em todos os indicadores de qualidade acadêmica. Nem o fato de formar, sozinho, 80 doutores por ano.
O diferencial é que, na última década, o departamento de Química gerou 18 empresas spin-off, rendendo mais de 80 milhões de libras para a universidade, que, na Inglaterra, detém os direitos de propriedades intelectual das inovações. Ao todo, a Universidade de Oxford já gerou cerca de 60 empresas.
De acordo com o diretor do departamento de Química, Graham Richards, das 18 empresas spin-off, cinco já têm cotação na bolsa de Londres (London Stock Exchange). Pesquisador de Oxford há 50 anos, Richards foi um dos principais articuladores do surto de criação de empresas desencadeado na universidade.
O processo começou, segundo ele, em 1988, com a legislação que concedeu às universidades o direito de explorar a propriedade intelectual gerada em seus departamentos, e se intensificou a partir de 1998.
Em 2001, por iniciativa pioneira de Richards, o departamento de Química de Oxford se tornou parceiro do Grupo IP, empresa montada na época para estimular a comercialização de propriedade intelectual originária de instituições de pesquisa. Desde então, outras dez universidades inglesas entraram na parceria, expandindo o surto de criação de empresas por todo o país.
Para Richards, um processo semelhante pode se tornar uma realidade no Brasil e, com uma iniciativa do governo, a criação de empresas pode se tornar uma opção para o próprio financiamento das universidades. Em visita ao Brasil, o cientista concedeu a seguinte entrevista à Agência FAPESP:
O departamento de Química de Universidade de Oxford cria empresas spin-off todos os anos e elas já geraram 80 milhões de libras. A realidade brasileira parece bem distante disso. É possível reproduzir esse modelo?
Graham Richards — Não tenho a menor dúvida de que é possível. Eu estou em Oxford há 50 anos. Nas primeiras três décadas desse período, nada disso aconteceu. Não temos uma longa história. Foi uma explosão de empresas que começou a partir de 1987. Esse é o ano zero das empresas spin-off na Inglaterra.
Por que essa explosão foi possível?
Richards — Isso tudo começou na Grã-Bretanha quando a então primeira-ministra Margareth Thatcher concedeu a propriedade intelectual às universidades. Até aquela época, a propriedade intelectual de qualquer trabalho que era feito com investimento do governo pertencia ao próprio governo. Era um monopólio estatal e o governo criou uma agência para explorar isso.
E Margareth Thatcher teve a iniciativa de mudar isso?
Richards — Sim. Um grupo de Cambridge desenvolveu um anticorpo monoclonal que a agência estatal preferiu não patentear. A tecnologia gerou, fora da universidade, uma indústria que hoje fatura vários bilhões de libras. Com isso, Thatcher concluiu que o sistema vigente era uma loucura. Em seguida, implantou a lei que vigora hoje: se o governo financia uma pesquisa nas universidades, a propriedade intelectual fica nas universidades, sob a condição de que elas criem mecanismos para explorá-la.
Este seria o primeiro passo para o Brasil?
Richards — Como eu disse, 1987 foi o ano zero da Inglaterra. Então, não leva tanto tempo. Provavelmente vocês não estão na estaca zero agora. E sabemos que se leva apenas 20 anos para sair do zero para chegar ao estágio em que estamos hoje. Nosso exemplo mostra que, com um pequeno estímulo do governo para encorajar esse tipo de iniciativa, os resultados podem acontecer bastante rapidamente. Nos anos 80, quando iniciamos este processo, olhávamos o que acontecia nos Estados Unidos e achávamos que eles estavam tão à frente que jamais seríamos capazes de competir. Agora, em alguns aspectos estamos melhores que eles. Acredito que o Brasil possa fazer o mesmo. Vocês têm um grande país, um grande mercado. Não é um país pobre, há gente bem educada. Eu acho que o Brasil tem uma verdadeira oportunidade.
Além do estímulo do governo, quais são as condições necessárias para desencadear um processo como esse?
Richards — No fim das contas, acho que tudo recai sobre os recursos humanos. Precisamos de pessoas fazendo boa ciência e pessoas que são qualificadas em negócios, que sabem tocar uma empresa. Há sempre vários gargalos que dificultam o processo. Houve um tempo em que o gargalo era financeiro. A parte difícil era encontrar o dinheiro para financiar as empresas. Agora é fácil. Tem muito dinheiro circulando em torno de Londres neste momento e muita gente querendo investir. A parte difícil agora é encontrar os gerentes para fazerem as empresas caminharem. Precisamos de gente jovem que saiba sobre patentes, legislação, balanços, planos de negócios.
Esse contexto abrange todas as áreas tecnológicas ou fica restrito a setores específicos?
Richards — A maior parte do que está acontecendo está na área biomédica. Química, bioquímica, farmacologia e medicina. É a maior parte, embora o fenômeno não seja exclusivo dessas áreas. Na experiência de Oxford, de todos os departamentos científicos, dois se destacam no sucesso em produzir empresas: química e engenharia. Dos físicos nada veio. Acho que isso não é da natureza da física, mas da natureza das pessoas. Por outro lado, é evidente que, depois que fizerem a primeira empresa, outras virão. Conosco foi assim. A primeira empresa é a mais complicada, depois fica fácil. É como ter filhos: quando você tem quatro ou cinco, um a mais não faz diferença.
Há outras universidades inglesas que criam tantas empresas quanto Oxford?
Richards — Sim, a maioria das grandes instituições, como Cambridge, Oxford, Imperial College, University of College London, Manchester... Todas reproduzem o modelo.
A contribuição dessas empresas é sem dúvida muito importante para a universidade. A socidedade também ganha com isso?
Richards — Do ponto de vista britânico, a coisa mais importante é que esse processo cria muitos empregos. O problema para nós é que o setor manufatureiro está desaparecendo. Você pode fazer carros muito mais baratos na China. Estamos fazendo cada vez menos na Grã-Bretanha agora. Então, que empregos sobraram? Precisamos de negócios e esse é o único jeito para consegui-los. Não temos mais minas de carvão, não construímos mais navios. A indústria de manufaturas está cada vez menor. A pergunta do governo é o que as pessoas farão para conseguir empregos. Emprego é muito importante no nosso contexto.
Esse processo de criação de empresas em universidades é um fenômeno crescente apenas na Inglaterra, ou é mundial?
Richards — Acontece no mundo inteiro. Mas se fizermos um ranking, veremos que a ênfase está principalmente nos Estados Unidos. Nós provavelmente viremos em segundo lugar, na dianteira dos países europeus. O resto da Europa está preocupado em seguir essa linha. Estamos à frente da Alemanha e França. Não é muito popular, mas acho que devemos isto a Thatcher. Ela acreditou na competição e livre iniciativa.
(Agência Fapesp, 14/6)