Essa é a meta de um grupo de arquitetos, engenheiros e físicos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que desenvolveu um monitor de ambientes internos. Descrito em um artigo publicado em janeiro na revista Internet of Things, o dispositivo avalia a qualidade do ar e a luminosidade e poderá gerar instruções individuais, emitir avisos gerais ou ser usado na gestão do bem-estar de estudantes, professores e outros profissionais. O protótipo que vem sendo testado, em sua terceira versão, é um disco branco com 15 centímetros de diâmetro; a quarta versão, em construção, é hexagonal, todos semelhantes a relógios de parede sem ponteiros.
Sem similares conhecidos, o dispositivo da Ufes reúne aparelhos que normalmente funcionam separadamente: sensores da intensidade de cada faixa de luz, de umidade, temperatura e CO₂. Ele dispõe também de um sistema de comunicação, via bluetooth, que capta informações sobre sono e atividade física das pessoas registradas em relógios inteligentes, conhecidos como smartwatches. O monitor coleta, armazena e transmite grandes conjuntos de dados, que são analisados remotamente, gerando indicações sobre possíveis ajustes no ambiente ou no comportamento dos usuários dos smartwatches (ver infográfico abaixo).
“Reunir todas essas informações em um só aparelho é um grande avanço”, comenta o educador físico Marco Túlio de Mello, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista em medicina do sono (ver Pesquisa FAPESP nº 252), que não fez parte da pesquisa. “Saber os níveis de oxigênio e gás carbônico é fundamental para pessoas com dificuldades respiratórias, do mesmo modo que conhecer a temperatura é importante para quem tem problemas de termorregulação, como indivíduos que sofreram lesões medulares. O próximo passo seria acrescentar uma forma de comunicar essas informações sobre o ambiente para melhorar o bem-estar das pessoas.”
Sem sair de sua sala em Vitória, a arquiteta Daniela Marins, em estágio de pós-doutorado na Ufes e responsável pelo desenvolvimento do protótipo, recebeu e analisou as informações coletadas durante os dois testes de campo, ambos realizados de novembro de 2020 a janeiro de 2023, na estação brasileira de pesquisa na Antártida e na Escola de Aprendizes-marinheiros do Espírito Santo (Eames), na capital capixaba.
No primeiro teste, depois de responderem a questionários sobre seus hábitos de sono, 51 militares e pesquisadores usaram smartwatches, que liberavam as informações acumuladas toda vez que passavam perto dos três monitores instalados em paredes de espaços internos da estação.
“As janelas dos laboratórios e dormitórios da estação são bem estreitas, mas as da sala principal são superamplas e recebem muita luz natural no verão”, observa Marins, com base nas informações coletadas pelos monitores e repassadas aos responsáveis pela estação. “Poderiam aproveitar mais a sala não só para as refeições, mas também para reuniões e como espaço de convivência.”
Na Artártida, dormir bem é um privilégio. Por causa da inclinação do eixo do planeta, de novembro a fevereiro, durante o verão no hemisfério Sul, o Sol praticamente não sai do céu e a luminosidade é intensa, dificultando o sono; no inverno, ocorre o inverso e reina a escuridão durante quase toda a estação, o que ajuda a dormir, mas também desregula o sono.
“Quando estamos na Antártida, perdemos nossa grande referência, o Sol, a noção do tempo e a hora de dormir e acordar. Quando damos conta é noite, mas, por causa da luminosidade, achamos que ainda é dia”, comenta o educador físico da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Thiago Mendes. Ele esteve lá em 2020, como parte do projeto de pesquisa científica Mediantar, que integra o Programa Antártico Brasileiro (Proantar) e avalia os efeitos das condições ambientais extremas sobre a saúde física e mental. O pesquisador acompanhou a coleta de dados do monitor capixaba, enviados para a Ufes inicialmente por rede de internet 4G. Seu plano é levar os novos protótipos em construção na próxima viagem, prevista para outubro, e ampliar as medições.
Nos ambientes urbanos longe do extremo Sul da Terra, o excesso de luminosidade artificial pode, igualmente, prejudicar o sono. Segundo o médico Sérgio Tufik, coordenador do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que também não participou da pesquisa, a maior exposição às luzes durante a noite e a menor exposição à luz natural durante o dia, comum nas cidades, desregula a produção do hormônio melatonina, mais intensa na ausência de luz, e altera os processos fisiológicos e comportamentais, incluindo o humor (ver Pesquisa FAPESP nº 313). Em um artigo publicado em janeiro na revista Diagnostics, pesquisadores da Universidade Médica de Tyumen, na Rússia, observaram que o humor e o comportamento de pessoas idosas melhoraram com ajustes na iluminação do ambiente.
Na Eames, em Vitória, a pedido dos pesquisadores, 37 militares e professores usaram smartwatches, conectados via bluetooth a outros três protótipos do monitor. Os registros indicaram que dormiam pouco e mal em três situações: em março e dezembro, que marcam o início e o fim do período de aulas, e nos fins de semana, quando deixam o regime de internato, saem para se divertir na cidade e quebram o padrão de sono, dormindo mais que o habitual, o que não é recomendável.
No prédio da Eames, concluíram os pesquisadores, o problema era a luz comedida. Como a construção é um antigo forte adaptado para funcionar como escola, as paredes são grossas e as janelas, pequenas, o que dificulta a entrada de luz natural. “Janelas pequenas são uma forma de economizar em materiais de construção e facilitar o isolamento térmico”, diz Marins. “A solução para conciliar a luminosidade e a temperatura seria repensar as janelas, usando materiais mais transparentes ou rebatedores de luz.”
Em escolas, às vezes o problema é o excesso de luz, que reduz a concentração e prejudica a aprendizagem. A legislação brasileira estipula uma faixa média de 300 lux, a medida de luminosidade (uma lâmpada incandescente de 100 watts equivale a 1.500 lux), para salas de aula (ver infográfico), mas um grupo de pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) mediu mais de 2 mil lux em seis salas de três escolas municipais do estado. Os resultados, detalhados em novembro na revista PARC – Pesquisa em Arquitetura e Construção, confirmaram as reclamações dos 95 alunos entrevistados sobre a luminosidade extrema. “A intensidade da luz natural não pode ser ignorada”, enfatiza Marins.
“A abordagem do grupo da Ufes pode ser relevante para a qualidade de vida de trabalhadores, estudantes ou pesquisadores em lugares inóspitos”, comenta o engenheiro eletrônico Antonio Mauricio Ferreira Leite Miranda de Sá, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ), que trabalha nessa área e não participou da pesquisa.
Examinando a configuração do aparelho, descrita no artigo da Internet of Things, ele imagina outras aplicações: “Poderia ser usado também, por exemplo, para registrar e alertar sobre vazamento de gás em casas e edifícios ou comportamentos atípicos, como a imobilidade durante o dia, por horas seguidas, principalmente de pessoas que moram sozinhas”, sugere.
Artigos científicos
COSTA, T. G. dos S. et al. Illuminance, contrast and percepcion of lighting in schools in a tropical climate. PARC – Pesquisa em Arquitetura e Construção. v. 15, e024019. 23 nov. 2024.
LOPES, L. da C. et al. Associations between real-life light exposure patterns and sleep behaviour in adolescentes. Journal of Sleep Research. e14315. 10 set. 2024.
MARINS, D. P. A. et al. Low-cost chronobiological monitoring: A tested IoT-enabled diagnostic tool in tropical and Antarctic environments. Internet of Things. v. 29, 101475. jan. 2025.
WAHL, S. et al. The inner clock — Blue light sets the human rhythm. Journal of Biophotonics. v. 12, n. 12, e201900102. dez. 2019.
Agência Fapesp [revista Pesquisa FAPESP]