Notícia

A Tribuna (Santos, SP)

Quem não dorme bem corre mais riscos

Publicado em 10 novembro 2013

Por Cláudia Duarte Cunha

Como é o seu sono? Costuma despertar várias vezes durante a noite? Ronca? Acorda com palpitação? Há pouco tempo interrogações como essas não faziam parte de uma consulta com um cardiologista. No entanto, pesquisas recentes passaram a relacionar algumas anormalidades do coração ao sono.

”Não dormir bem começou a ser visto como um fator de risco para o coração, assim como hipertensão, colesterol alto, diabetes, sedentarismo e tabagismo”, alerta a cardiologista Fátima Dumas Cintra, pesquisadora da Unifesp.

Segundo a especialista, a afirmação vem de pesquisas recentes, mas que ampliaram muito a quantidade de profissionais envolvidos, já que “antes era algo restrito à medicina do sono”. E por que essa repercussão agora? A médica explica que no passado os distúrbios do sono eram vinculados a falhas de memória ou pequenas alterações na pressão arterial, por exemplo. “Hoje já sabemos que existe um desfecho de morte relacionado ao sono. E isso muda todo o cenário da comunidade científica”, diz a especialista.

DE OLHO NA APNEIA

Caracterizada por episódios de respiração interrompida durante a noite, devido a um bloqueio parcial da passagem de ar pela faringe, a apneia obstrutiva do sono é um dos problemas que merecem mais atenção por parte dos especialistas.

Estudo clínico, com rigor científico, feito em 2005 pelo médico José Marin, diretor da Unidade Respiratória do Sono do Hospital Universitário Miguel Servet, em Saragoça, na Espanha, mostrou que o risco de morte durante a madrugada era menor entre as pessoas que usavam CPAP (máscara que facilita a ida do ar para dentro dos pulmões durante o sono). “Isso conquistou a comunidade científica”, destaca Fátima Cintra.

Segundo ela, alguns pacientes estão morrendo do coração por causa de um problema relacionado ao sono. “Precisamos ficar atentos a isso. Se o cardiologista não reconhecer que o paciente tem uma anormalidade do sono, vai morrer mais gente do coração. Por outro lado, se o especialista tiver habilidade de identificar isso e de tratar corretamente, vai salvar uma vida”.

Nos Estados Unidos, por exemplo, no início da década, só 4% dos cardiologistas faziam diagnóstico de apneia obstrutiva do sono. Na literatura médica, 7,5% da população tinha apneia e mais de 10% do indivíduos acima do 65 anos.

Na cidade de SP, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com o instituto Datafolha, constatou a prevalência de apneia em 32,9%. O primeiro item que deve ser levado em conta, de acordo com a cardiologista Fátima Cintra, é a taxa de obesidade na população, já que o problema está diretamente ligado ao fato de se dormir bem ou não. “O mecanismo da apneia obstrutiva do sono está muito relacionado com a circunferência cervical. Isso interfere na via aérea durante a noite, momento em que estamos com a musculatura mais relaxada”.

A cardiologista vai além e fala que em São Paulo, por exemplo, só 40% das pessoas são normais. “O restante está na faixa do sobrepeso ou da obesidade. Esse fator superestima a prevalência de apneia”. Para a médica, o envelhecimento é outro item que se deve levar em consideração, já que o problema também está relacionado com a idade. “A população envelheceu e infelizmente ficou mais gorda”.

O DIAGNÓSTICO

Saber se o paciente possui apneia tradicionalmente envolve uma polissonografia, exame em que a pessoa passa uma noite monitorada por aparelhos. Um recurso complexo e caro, portanto difícil de ser utilizado quando o assunto é saúde pública.

No entanto, a cardiologista diz que sintomas clínicos podem funcionar como marcadores para o diagnóstico da apneia. “Fiz um comparativo com pessoas selecionadas, doentes e saudáveis com as mesmas características de idade e sexo, e consegui demonstrar uma relação de causa e efeito”. (veja quadro)

Outro dado relevante é que as pessoas com índice de cisteína elevado (proteína encontrada na corrente sanguínea) geralmente têm apneia mais grave. “Isso pode funcionar como um biomarcador da apneia obstrutiva do sono pela análise do sangue. Se eu trato a pessoa com CPAP e as taxas voltam ao normal, significa que a alteração está relacionada com a apneia”.

Por fim, a cardiologista diz que as pesquisas devem continuar acontecendo. ”Afinal, existem anormalidades cardiovasculares que desencadeiam sintomas que levam a impacto na qualidade do sono. Então pode ser que o sono seja um reflexo da saúde cardiovascular e esse caminho esteja inverso…”.

Mais chances de apneia

- Peso acima do normal

- Gordura centralizada no pescoço

- Pressão arterial levemente elevada

- Alterações específicas no ecocardiograma

- Glicemia e colesterol alterados

Quem é

Dra. Fátima Dumas Cintra é médica cardiologista, pesquisadora da Unifesp e coordenadora do Centro de Arritmia Cardíaca do Hospital Albert Eisntein, em São Paulo