Em um anúncio feito no dia 31 de outubro de 2018 pelo Twitter, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) comunicou que um militar, o tenente-coronel Marcos Pontes, deverá ser o ministro da Ciência e Tecnologia. Isso deve ocorrer assim que Bolsonaro assumir o poder, no dia 1º de janeiro de 2019.
Antes da definição do general Mourão como vice, Pontes chegara a ser cotado para o posto na chapa de Bolsonaro. Seu anúncio como ministro ocorre um dia após a primeira reunião da cúpula do próximo governo.
Outro militar anunciado como ministro é o general Augusto Heleno, que deverá assumir a Defesa. Também foi anunciado que o civil Onyx Lorenzoni (DEM-RS) assumirá a Casa Civil e o também civil Paulo Guedes, o Ministério da Economia, que deve unificar as pastas da Fazenda, Planejamento e Indústria.
Segundo informações do jornal Folha de S. Paulo, outras mudanças discutidas na reunião de cúpula foram:
Durante uma palestra a jovens em Manaus, Pontes agradeceu pela indicação, disse que tecnologia “é importante em todas as áreas” e falou em “combater inimigos externos": “Tenho, literalmente, colocado a minha vida à serviço do país, seja como piloto de caça, de testes ou como astronauta. Vou continuar a servir o país dessa mesma forma, com a mesma determinação. Eu jurei, quando me formei na academia da Força Aérea, que iria combater os inimigos internos e externos, mesmo com o sacrifício da própria vida - se isso fosse necessário”.
Ao aceitar a indicação, ele assume os desafios de implementar os compromissos de Jair Bolsonaro para o setor de Ciência e Tecnologia, e o de lidar com os cortes de investimentos pelos quais a área de pesquisa vem passando.
Nascido em Bauru, no interior de São Paulo, Marcos Pontes ingressou em 1981 na Academia da Força Aérea, onde fez cursos de paraquedismo de emergência, sobrevivência no mar e se formou como piloto de aviões.
Em 1989, foi cursar aeronáutica no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica).
Em 1996, ingressou no mestrado da Naval Postgraduate School em Monterey, na Califórnia, onde aprendeu a navegar ônibus espaciais americanos e naves russas Soyuz, e recebeu treinamento a respeito dos sistemas da Estação Espacial Internacional.
Isso abriu caminho para que fosse selecionado, em 1998, por meio de um concurso público do governo brasileiro, para a vaga a que o Brasil tinha direito no programa espacial da Nasa, a agência espacial americana -o país fez parte do esforço conjunto para a construção da Estação Espacial Internacional.
Pontes foi enviado para o espaço apenas em 2006, quando realizou experimentos para a Agência Espacial Brasileira durante um período de oito dias. Uma de suas experiências foi plantar um feijão no espaço, para avaliar se ele germinaria de maneira diferente.
Menos de um mês após o retorno, a Agência Estado publicou uma reportagem segundo a qual Pontes teria dado baixa da Força Aérea Brasileira. Isso permitiu que passasse a cobrar para dar palestras e para realizar outras atividades na iniciativa privada.
Em seu site oficial, Pontes dedica um longo texto para se defender da reportagem, e afirma que “o comandante da Aeronáutica [brigadeiro Luiz Carlos Bueno] determinou que eu fosse transferido para a reserva militar por motivos administrativos internos previstos pelo código militar e de interesse da Força Aérea”.
O motivo seria ter atingido o posto máximo na carreira militar em seu caso, o de tenente-coronel -para prosseguir, teria que abrir mão do cargo civil de astronauta na Nasa e voltar à formação militar.
Em um depoimento disponível no site do ex-astronauta, o brigadeiro Bueno afirma que determinara pessoalmente a saída de Pontes e diz que teria argumentado que “o Brasil precisa mais de você agora do que agora precisa a Força Aérea”.
Em entrevista ao jornal americano The New York Times, o então presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) Ennio Candotti, avaliou o valor científico da pesquisa feita pelo governo brasileiro como quase nulo.
À revista Isto É Dinheiro, definiu a viagem ao espaço como “uma carona paga” -o custo anunciado foi de US$ 10 milhões- e disse que, após a saída, Pontes passaria a “vender bonequinhos”, em alusão à loja virtual que mantinha em seu site, com camisetas, chaveiros e adesivos com seu nome.
Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, depois que voltou do espaço, Pontes foi aconselhado pelo astronauta veterano John Gleen a seguir a carreira política.
Em 2014, tentou se eleger deputado federal pelo PSB em São Paulo, sem sucesso. No pleito de 2018, foi eleito segundo suplente do senador eleito por São Paulo, Major Olímpio (PSL).
Hoje, Pontes é embaixador da Boa Vontade na ONU, dá palestras e continua a trabalhar na Nasa, segundo informações do portal G1.
Em seu plano de governo, Bolsonaro, avalia que o modelo atual de ações em pesquisa e desenvolvimento “está esgotado”. Ele define a atual política científico-tecnológica brasileira como “estratégia centralizada, comandada de Brasília e dependente exclusivamente de recursos públicos.”.
Parcerias com empresas
A busca por parcerias com empresas privadas é apontada como saída para “transformar ideias em produtos”. Ele promete incentivar o empreendedorismo e atrair investimentos do exterior.
Grafeno, nióbio e energia
Bolsonaro defende que o Brasil se torne “um centro mundial de pesquisa e desenvolvimento em grafeno e nióbio”, utilizados para “novas aplicações e produtos”. Referindo-se à criação de pólos de tecnologia, cita o caso do Nordeste, e seu “grande potencial de desenvolver fontes de energia renovável, solar e eólica”.
Nos últimos anos, os gastos do governo federal com ciência e tecnologia vêm sofrendo profundos cortes, em decorrência da crise orçamentária. O FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) passa por contingenciamento de recursos, em um esforço para fazer caixa para o governo federal.
As verbas do fundo advêm de fontes como a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), parte da receita das empresas beneficiárias de incentivos fiscais, compensações financeiras, doações e operações de empréstimos.
*Os gastos de 2018 são relativos até o momento da consulta, 31 de outubro de 2018
Em uma audiência sobre o corte de verbas para ciência, tecnologia e inovação realizada em junho de 2018, a conselheira da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Fernanda Sobral, criticou o teto de gastos aprovado pelo Congresso em 2016.
Conjuntamente com a Academia Brasileira de Ciências, a entidade enviou aos candidatos à Presidência que chegaram ao segundo turno questionamentos sobre como lidariam com a redução de recursos para a área.
Bolsonaro respondeu que, em seu governo, ciência e tecnologia seriam “tratadas com a prioridade que merecem”.
Ele promete se esforçar para mais que dobrar os níveis de investimento atuais, atingindo entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões ao longo de seu mandato. Ele promete investir algo próximo a 3% do PIB - atualmente, o patamar é de cerca de 1%.
Bolsonaro se compromete a atuar no sentido de “destravar” recursos do FNDCT, e volta a defender maior participação do setor privado em pesquisa e desenvolvimento.
O Nexo pediu que Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do conselho técnico e administrativo da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) falasse sobre a indicação de Marcos Pontes e sobre o momento pelo qual o setor de ciência e tecnologia passa.
Carlos Américo Pacheco Conheço ele, fui reitor do ITA, e ele dá palestra para alunos, foi paraninfo de turmas. Desejo muita sorte para ele. Tem um desafio muito grande, mas aparentemente tem suporte do presidente e colegas. Não tenho elementos para opinar quanto à formação dele para o cargo.
Carlos Américo Pacheco O principal desafio será remontar a estrutura de financiamento da pesquisa no Brasil. Fundos setoriais chegaram ao ponto do colapso.
Pontes precisará contingenciar recursos ou identificar novas fontes para financiar a pesquisa. O presidente eleito tem sinalizado que vai priorizar a área e realocar recursos, mas há algo trabalhoso que precisa ser feito, que é dialogar com a área econômica em um contexto de ajuste fiscal.
Tem uma agenda importante vindo aí, um Ministério da Economia novo que sinaliza abertura comercial forte com disposição de aumentar a competição, com o intuito de aumentar a competitividade das empresas.
Há uma agenda para o Ministério da Ciência e Tecnologia que é de apoio à inovação empresarial. Se terá abertura, as empresas teriam que ser inovadoras e competitivas globalmente.
Sou a favor de competição, é importante as empresas saírem da zona de conforto. Mas se a abertura ocorre de forma unilateral, você tem só o efeito perverso da abertura comercial.
Inovação traz riscos, e em qualquer lugar do mundo, Estados Unidos, Japão, Coreia, o governo dá apoio para que as empresas invistam em tecnologia porque isso dá retorno. Em qualquer lugar, pelo menos 15% dos gastos são apoiados pelo governo.
Não se trata de voltar a incentivos anacrônicos. Mas, para tomar risco, as empresas precisam de apoio para investir em alta tecnologia.
Uma coisa que ajudaria na reforma que precisa ser feita é sinalizar quais são as coisas mais importantes na agenda para os próximos anos, quais são factíveis para entregar e que podem impactar a vida dos brasileiros e que precisam ser financiadas.
Carlos Américo Pacheco A vacina da dengue está praticamente pronta, em fase de estudos clínicos. Ela foi financiada pelo Ministério da Saúde, pelo Instituto Butantan. A Fiocruz está desenvolvendo vacinas de zika, chikungunya. Isso exige capacidade de pesquisa, e de produzir vacinas, algo que o Brasil tem.
É preciso selecionar a pesquisa que é relevante na vida das pessoas, e é visível o impacto que isso [esses exemplos] tem.
Outro exemplo é a pesquisa em agricultura tropical. Temos uma enorme oportunidade, a população mundial vai passar para 9,5 bilhões, ou 10 bilhões, e o mundo espera que cumpramos o papel de sermos fornecedores de alimentos, e temos condições de fazê-lo, com baixo impacto ambiental.
Isso só se faz com aumento de produtividade, e para isso é necessária pesquisa em drones, em sensores nas lavouras, no controle biológico de pragas etc. Tudo conspira para isso, temos boas empresas e a agricultura brasileira é um caso de sucesso. Mas precisamos dar atenção.
Se conseguisse sinalizar 8, 10 grandes desafios e focasse neles, seria mais fácil pensar em como obter o dinheiro.