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Quem é a Elite? (1 notícias)

Publicado em 13 de junho de 2018

A socióloga política Elisa Pereira Reis aos 20 anos, graduou-se em Sociologia e Política pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (FCE-UFMG), em Belo Horizonte, e em 1979 defendeu seu doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). É Professora Titular da UFRJ.

Quando fez a graduação na FACE da UFMG, em Belo Horizonte, pensava que Ciência Política, Economia e Sociologia eram o mesmo campo de estudos. Eu, Fernando Nogueira da Costa, concordo até hoje com esse pensamento. A complexidade da realidade somente é abarcada pela Sociologia da Economia Política e os fundamentos psicológicos e culturais de indivíduos tomadores de decisões cruciais.

Ela desenvolveu estudos inovadores sobre desigualdade social. A partir de análises comparativas da situação de diferentes nações, seus trabalhos têm influenciado o modo de pensar o desequilíbrio na distribuição de recursos, não apenas no Brasil como também no mundo.

Ao se debruçar sobre as perspectivas que as elites têm do problema, Elisa propiciou o desenvolvimento de uma nova compreensão acerca das disparidades sociais. Em sua concepção, constituem a elite pessoas que ocupam altos postos em determinadas instituições, controlando recursos materiais e simbólicos. Logo, não possuem apenas dinheiro, mas também a capacidade de influenciar decisões alicerça o poder das elites.

Em entrevista à Cristina Queiroz, publicada na Revista FAPESP de abril de 2018, ela diz, depois da tese de doutorado, ter continuado a trabalhar sobre a relação entre governo e mercado, disposta a entender como interesses econômicos fizeram parte da construção do Estado no Brasil. Aos poucos, seu foco foi mudando por causa da inquietação em estudar a desigualdade. Sempre teve uma preocupação macro histórica muito teórica, diferentemente da tradição do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Seu projeto pessoal é investigar a percepção das elites sobre pobreza e desigualdade. O conceito de elite comporta muitas definições. Em vez de adotar, por exemplo, um conceito formado por renda ou riqueza, ou notoriedade e celebridade,adota um critério posicional, ou seja, posição institucional.Com isso, supõe aqueles no topo de determinadas instituições controlarem recursos materiais e simbólicos.

Por volta dos anos 1990, depois da ditadura, o cenário político brasileiro estava otimista. Havia, porém, a percepção de que a desigualdade era generalizada e de que nada se fazia para mudar o panorama. Começou a se preocupar sobre como é possível conviver com essa situação.

Como organizamos nosso pensamento em uma sociedade com tanta diferença em termos de perspectiva de vida? Nessa época, já tinham sido feitos diversos estudos sobre pobreza e estratégias de sobrevivência em condições precárias. Mas Elisa Reis não queria abordar o assunto a partir desse ponto de vista. Queria entender como as pessoas que não são pobres convivem e justificam a existência da pobreza.

A maior parte das pessoas estudiosas da pobreza e desigualdade defende que para reduzir disparidades na sociedade é preciso contar com a boa vontade das elites, apostando na filantropia para atingir esse objetivo. Concorda que a filantropia pode ser um caminho. Porém, no projeto, quis identificar os motivos que poderiam despertar o interesse das elites em investir na redução das desigualdades.

Na primeira etapa da pesquisa, cujos resultados foram publicados em 2005, identificou, em linhas gerais, que as elites do Brasil, da África do Sul, das Filipinas, de Bangladesh e do Haiti entendiam a pobreza e a desigualdade como problemas que as afetavam. Segundo os questionários aplicados,preferiam proteger suas propriedades individualmente, investindo em segurança, muros, alarmes, mas sem se aliar ao Estado.

No esforço de entender como a elite brasileira se mobiliza para fazer algo pelos mais necessitados, baseou sua pesquisa no modelo de Swaan. Ele defende que o Estado De Bem-Estar foi construído na Europa porque as elites pensavam que deveriam envolver o governo na proteção de seus interesses. Para Swaan, as elites agem reativamente e apoiaram a criação desse Estado de bem-estar social porque se sentiam ameaçadas. Durante a pesquisa, constatou essa motivação estar fundada no medo da violência ou na ameaça aos bens materiais.

Isso me permitiu afirmar que o estímulo para reduzir desigualdades pode ser tanto filantrópico como defensivo. Na busca por garantir uma posição na esfera política, intelectual, empresarial ou na burocracia, a elite precisa considerar que a desigualdade e a pobreza também trazem riscos a ela.

Na etapa da pesquisa desenvolvida em 2013 e 2014, observou uma postura diferente no Brasil. O país vivenciava um momento de prosperidade econômica e social e as elites perceberam que, se houvesse redistribuição de renda, elas também se beneficiariam, porque o mercado de consumo se tornaria mais dinâmico e a mão de obra mais qualificada. Com isso, começaram a apostar no progresso social como algo que também gerava benefícios para elas próprias.

Comparando os dados brasileiros com os da África do Sul, notamos diferenças significativas. No estudo original, as elites dos dois países pensavam de maneira semelhante. Mais tarde, no Brasil, as pessoas que ocupavam essas posições ainda consideravam o crescimento econômico como o mais importante à nação, mas reconheciam que se houvesse progresso social para os mais pobres a possibilidade de avanços econômicos, para todos os grupos, aumentava.

Aqui, as elites se posicionaram a favor de medidas econômicas progressistas como o programa Bolsa Família. Na África do Sul, seguiam defendendo que primeiro era preciso a economia crescer para depois redistribuir a renda.

Recentemente, assistimos à ascensão de tendências autoritárias que ameaçam conquistas democráticasque estávamos acostumados a pensar como duradouras e em contínua expansão. A crise da democracia que vem se configurando indica que precisamos urgentemente encontrar novos formatos institucionais para assegurar a representação e a participação política.

A onda populista crescente no mundo se alimenta da insatisfação de parcelas significativas da população com o establishment político, que ignora seus anseios. Nesse contexto muitos se deixam seduzir pelas falsas promessas salvacionistas de lideranças oportunistas.

No caso da sociedade brasileira, é notável o divórcio entre a política oficial e as demandas da cidadania. O clima de frustração se propaga, crescem ressentimentos e intolerâncias inviabilizando o diálogo e contribuindo para o retrocesso de diversas conquistas sociais.

A situação no Brasil pode ser vista quase como uma parábola do que acontece no mundo. Parece que estamos com dificuldade de entender algo muito simples: se os direitos de que desfrutam alguns não se generalizam para todos, estamos falando de privilégios e não de direitos.

A pauta democrático-liberal por definição deve ser universal. A resistência a incluir novos setores da sociedade fomenta não apenas a insatisfação dos excluídos, mas tambéma defesa irracional do status quo e muitas vezes do próprio retrocesso. A consequência para todos é a perda da convivência democrática.

A magnitude das desigualdades, por um lado, e a negação do respeito a tantos, por outro, têm levado a uma grave crise da sociabilidade entre nós. Todos perdemos com o encolhimento da solidariedade social.

Mas não se deduza da crise do presente estarmos condenados à decadência e à barbárie. Elisa Reis tem a convicção de, como atores dotados de racionalidade e volição, termos o desafio moral de pensar alternativas para assegurar que a ciência, a tecnologia e a inovação sejam parceiras efetivas no avanço das conquistas sociais.

Elisa Reis tem um pé na sociologia macro-histórica, mas não considera a gênese de uma sociedade como um “pecado original”. Se pensasse que “porque nascemos como Estado autoritário estamos fadados a seguir como tal”, não teria feito Ciências Sociais.

Optou por essa carreira quando entendemos ser possível mudar algo. Às vezes, os trabalhos históricos são lidos como se fossem testemunhos de que temos um destino manifesto autoritário. E não temos. Escolhemos as coisas. É comum escutar que, no Brasil, há desigualdade de cor hoje porque tivemos a escravidão no passado.

Concorda a origem do problema ser essa, mas a desigualdade e aspectos discriminatórios e elitistas da nossa sociedade são recriados e reativados constantemente. A situação não permanece igual espontaneamente. Precisamos saber explicar por que ela não muda.