Reorganizar a pesquisa da Embrapa a partir de uma visão de sistema e definir um novo modelo institucional que lhe dê flexibilidade administrativa, mais eficiência e maior capacidade de transpor barreiras tecnológicas mais íngremes é a tarefa que ocupa o tempo de Alberto Duque Portugal, mineiro, 50 anos, Ph.D. em Desenvolvimento de Sistemas, e de sua equipe de pesquisadores - 1.384 no grau de mestrado e 710 doutores -, o maior contingente de cientistas reunidos em uma só instituição brasileira.
De acordo com o que dispõe a reforma administrativa, eles têm 24 meses de prazo para estar operando sob novo estatuto jurídico, não mais vinculado umbilicalmente ao Estado, mas ainda dependente de recursos públicos para poder trabalhar.
"Não tem como ser diferente", diz Portugal. "Nossos principais concorrentes no exterior - Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia - investem pesadamente em instituições públicas de pesquisa agropecuária. Nos Estados Unidos, em 1994, 80,45% dos investimentos em pesquisa nessa área, feitos em instituições públicas, vieram de fontes governamentais. Na Austrália, esses investimentos correspondem a 5% do PIB. No Brasil, não chegam a 2%".
"A tecnologia agrícola não irá mais fluir, livre de custos, para os países em desenvolvimento, como ocorreu no passado. Quem não gerar tecnologia terá de pagar a quem gerou", diz Eliseu Alves. E acrescentam:
"A abertura dos mercados externos terá efeitos profundos. Teremos de competir, ao mesmo tempo, com países avançados de tecnologia sofisticada, e que ainda subsidiam sua agricultura, e com países densamente povoados, de agricultura familiar, que pagam pela sua mão-de-obra o resíduo do que sobra depois de pagar todos os dispêndios; ou seja, competir com países como Vietnã, China e índia, onde o valor alternativo do tempo do trabalhador rural pode convergir a zero".
O desafio da globalização
Para a pesquisa brasileira, a abertura e a competitividade significam, de fato, desafios nunca antes provados - e se está falando de uma agricultura que até agora pouco ficou a -dever ao resto do mundo. A diferença atual é que eles atingiram patamar muito mais elevado.
Nos últimos 25 anos, o embate tecnológico brasileiro consistiu em adequar a mecanização, a química e o melhoramento genético aos objetivos da produção em massa com elevação da produtividade, inicialmente uma das mais baixas do mundo.
Era o que o mercado demandava: produtos em quantidade, indiferenciados, a baixo preço - as "commodities", protagonistas de nossa relação desfavorável no sistema internacional de trocas, na primeira metade do século, que deixava como saldo sistemático um desequilíbrio crônico no balanço de pagamentos.
Hoje, em conseqüência das novas demandas do mercado e do acirramento da competição, matéria-prima "commodity" converteu-se nas mãos de seus compradores em mero substrato de baixo custo para quem sabe agregar valor a ela. Nesse novo ambiente competitivo, é mais vantajoso vender o frango que o milho que ele come. E o frango, exportado pelo Brasil em carcaça e em cortes especiais, atende a exigências de natureza variada - gastronômica, religiosa ou cultural.
Essas tendências implicam um notável crescimento e diversificação da demanda de tecnologias, que já não se limitam à esfera da produção ("dentro da porteira", no jargão do setor), mas estendem-se ao longo de toda a cadeia agroindústria] e de serviços, passando pela pós-colheita, embalagem, refrigeração, transporte, etc., além de outras, como as orientadas para a qualidade, a conservação do meio ambiente e a preservação dos recursos naturais.
Na fase anterior, que para o Brasil encerrou-se na década de 80, caracterizada por ganhos majoritariamente quantitativos, a resposta aos desafios tecnológicos era relativamente fácil, uma vez que os conhecimentos eram retirados do tradicional baú agronômico, velho de meio século.
Agora, no ambiente de mercado sem fronteiras, só não é global a tecnologia agropecuária e de produtos da biomassa - cada país tem de desenvolver a sua, valendo-se, isto sim, do aporte da de outros países.
"A globalização pode fazer o carro mundial, mas dificilmente fará a soja universal", afirma José Rodrigues Peres, diretor da Embrapa. "Isso pela simples razão de que toda planta tem seu comportamento determinado pelo ambiente que a viu nascer. O cafeeiro, originário da Etiópia, nunca pôde ser apropriado pelos Estados Unidos, por exemplo, primeiro consumidor mundial de café. Assim, a tecnologia que o faz produzir com produtividades elevadas não pode ser facilmente exportada nem comparada à da fabricação de um chip, que, tendo ou não pátria, pode ser incorporado a computadores não importa onde.
Conquistas palmo a palmo
Além de ter de ser gerada, pelo menos em parte, internamente, "a tecnologia agora requerida deve ajustar-se á um novo padrão do ponto de vista qualitativo, ou seja, ao modo de produzir dos países avançados, de ampla base territorial e já urbanizados", diz Eliseu Alves.
E que modo é esse? Expressa-se na forma de demandas tecnológicas vindas de várias direções, todas carregadas de urgências. Na produção "dentro da porteira", por exemplo, é necessário desenvolver tecnologias para atender à nova "agricultura de precisão". A agricultura de precisão está para a agricultura tradicional assim como a química fina está para a química. Avançar na sua direção é conquistar terreno palmo a palmo, em contraste com o período tecnológico anterior, da mecanização, da química e do melhoramento genético, quando as conquistas se mediam por quilômetros.
Por agricultura de precisão entende-se um enfoque radical na questão da competitividade, que busca otimizar ao extremo tecnológico possível o rendimento agrícola de uma área de lavoura, com ênfase na qualidade e na conservação ambiental. E isso não se faz sem recorrer aos mais sofisticados componentes tecnológicos. Nesse contexto, uma dificuldade adicional com que se defrontam instituições de pesquisa no Terceiro Mundo, como a Embrapa, é a grande heterogeneidade na composição da demanda tecnológica. Quarenta anos atrás, os produtores utilizavam as mesmas técnicas. Hoje, com o desenvolvimento desigual da agropecuária, existe no Brasil uma grande diversidade de sistemas de produção, ao contrário do que ocorre em países desenvolvidos. Apenas uma pequena parte dos produtores, responsáveis pelo grosso da produção, configura um grupo homogêneo na demanda dos pacotes tecnológicos da agricultura mecanizada.
A grande maioria, cerca de 4 milhões de agricultores, encontra-se em estágios tecnológicos anteriores, de ampla diversidade, que vai do trabalho estritamente braçal, com a utilização da enxada e o uso do carro de boi como meio de transporte, a uma variada gama de tecnologias intermediárias. O fenômeno não é marginal. Grandes contingentes da população, como os 17 milhões de habitantes da Amazônia, ainda retiram do solo seu alimento mediante o uso de técnicas rudimentares. Atender a todos, ao mesmo tempo, é missão da Embrapa.
Notícia
Gazeta Mercantil